Guilhotina e guilhotinados

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A guilhotina é tida como uma invenção francesa, mas já existia na Inglaterra, Escócia e Itália desde o século XVI. Devido ao grande número de execuções durante a Revolução Francesa, o médico e político Joseph Guillotin propôs o seu uso para facilitar o trabalho dos carrascos, o que foi aceito. O instrumento ganhou seu nome e começou a ser usado em 25 de abril de 1792. Mas sendo ou não criada por Joseph Guillotin, ele ficou com a fama de ter sido o inventor dessa máquina de matar. E mais: com a radicalização da Revolução, o próprio Guillotin teria sido guilhotinado, embora alguns historiadores afirmem que foi um outro Guillotin que perdeu a cabeça na guilhotina. Porém, a versão mais aceita popularmente é a de que foi ele mesmo, e não um homônimo, que perdeu a cabeça na guilhotina. Ficou com a fama de ser vítima de sua própria invenção. Há até um trecho do samba “Positivismo”, de Noel Rosa que diz: “Também morreu por ter pescoço / o inventor da guilhotina de Paris”. Algumas pessoas dos dias atuais deviam se lembrar da história de Guillotin e também do que aconteceu no Brasil em 1964. Três governadores de estado queriam ganhar as eleições que deveriam se realizar no ano seguinte, para presidente da República: Magalhães Pinto (UDN), de Minas Gerais; Carlos Lacerda (UDN), da Guanabara; e Adhemar de Barros (PSP), de São Paulo. Mas o favorito não era nenhum deles. Era o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do PSD, que foi presidente até 1961 e tinha muito prestígio. E tinha Leonel Brizola, do PTB, querendo ser candidato, com muita força, mas discutia-se se sua candidatura seria legal (no sentido jurídico), porque ele era cunhado do presidente João Goulart. Veio o golpe, em que os três — Magalhães, Lacerda e Adhemar — foram líderes civis, para colocar os militares no poder, e parecia uma beleza para eles: os militares governariam até a realização das eleições de 1965, fariam o trabalho sujo, de mudar as leis trabalhistas para atender os interesses dos patrões, especialmente multinacionais, e impediriam a implementação da reforma agrária e outras coisas que horrorizavam os direitistas da época, e acho que continuam horrorizando até hoje. Além disso, tirariam de cena pessoas que poderiam ser empecilhos para eles. Cassariam Juscelino e Brizola, por exemplo. E depois disso tudo entregariam o poder a um deles. Claro que haveria uma briga de foice entre os três pretendentes, a começar por Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, que disputariam para ver quem seria o candidato pela UDN. Um teria que dar rasteira no outro, mas isso não seria problema, eles se consideravam bons nisso, especialmente Lacerda, golpista histórico. Adhemar de Barros, eterno candidato a presidente (como foi Paulo Maluf), não conseguia sucesso fora do estado de São Paulo. Mas, com o lema da eleição anterior, “desta vez vamos”, achava que tinha chances. Ou seja, cada um se julgava em condições de ferrar os outros dois. Só que não aconteceu como eles previam. Quando perceberam que os militares não lhes entregariam o poder, se arrependeram, mas era tarde. Magalhães Pinto entrou para o partido do governo, a Arena, tentando mostrar-se uma alternativa civil para a presidência, mas nunca teve chance. Carlos Lacerda tentou se unir a duas vítimas dele mesmo: João Goulart (deposto pelo golpe) e Juscelino (cassado), fundando a Frente Ampla contra o governo militar. Mas a tal frente foi proibida pelo regime que Lacerda ajudou a implantar, ele foi cassado e acabou morrendo em circunstâncias suspeitas. Adhemar de Barros, sobre quem se esqueceu o velho slogan “rouba mas faz” enquanto apoiava o governo Castello Branco, começou a discordar de algumas coisas, como eleições indiretas para governador, aí se lembraram de seu passado com acusações de corrupção e também foi cassado. Por “ironia” a principal obra do governo dele no estado de São Paulo, a Rodovia D’Oeste, recebeu o nome do homem que o cassou: passou a se chamar Rodovia Castello Branco. Enfim, acho que valeu para eles o trecho já citado do samba de Noel Rosa: “Também morreu por ter pescoço / o inventor da guilhotina de Paris”. Pena que não foram só eles que se ferraram.