Igrejas e mais igrejas

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Não só o patrão do Tubaína, mas também seus colegas de trabalho e os próprios fregueses do bar em que trabalhava, na Vila Madalena, ficaram surpresos quando ele pediu demissão. Ele tinha uma família pra sustentar, gostava do trabalho de ajudante de chapeiro, encarregado também da limpeza do bar, amigo de todos ali. Mas ele tinha planos que nunca revelara a ninguém. Queria ganhar dinheiro, e aquele era o momento da revelação: resolveu abrir uma igreja na garagem de sua própria casa, na periferia da zona Sul de São Paulo. Era um cômodo grande, feito por alguém que provavelmente pretendia abrir ali uma casa comercial. E a garagem do Tubaína, que nem tinha carro, virou igreja. Duas semanas depois, apareceu no bar para contar alegre que já tinha mais de quarenta fiéis. Seus colegas fizeram as contas e viram que era um negócio lucrativo, pois quarenta fiéis, se ganhassem apenas salário mínimo, pagando o dízimo renderiam ao novo pastor Tubaína quatro salários mínimos. E o negócio tendia a crescer. Se em duas semanas já eram tantos... Um garçom não se conformava: – Tubaína, você nunca estudou a Bíblia, não fez curso de pastor nem nada, como faz suas pregações? – Vou a uma Igreja Universal de manhã, escuto o pastor com atenção e à noite eu repito tudo – contou. Mais duas semanas se passaram e apareceu o Tubaína de novo no bar, agora insinuando que aceitaria o emprego de volta. É que a clientela – opa, o número de fiéis – começou a crescer e um dia apareceu na porta da sua casa uma Kombi e dela desceram vários homenzarrões mal encarados, que lhe deram um ultimato: ou ele fechava sua igreja naquele dia ou poriam fogo nela com ele dentro. Não disseram de onde vinham, mas vizinhos contaram que eram ligados ao pastor de uma igreja um pouco mais antiga, que progredia ali perto. Não permitiriam a concorrência. Já pensei em morar na periferia de São Paulo, principalmente na zona Leste, onde tenho muitos amigos, sabendo que isso significaria o abandono do convívio com os amigos que moram do outro lado da cidade e dificilmente iriam me visitar, e eu também teria preguiça de atravessar a cidade para encontrá-los, ainda mais com o trânsito horroroso que a cada dia piora na capital. Outra coisa contra é justamente o crescente número de igrejas dessas inventadas a cada dia. Na periferia tem muitas. Que seus adeptos tenham a religião que queiram, é problema deles. O problema dos outros é que eles são intransigentes, chatos, e ficam tentando converter a gente. Um exemplo aconteceu com meu amigo Zezo, que se separou da mulher e foi morar numa casa perto de uma igreja. No primeiro fim de semana que estava lá, chegou em casa por volta das 5h da manhã, de sábado para domingo. Lá pelas 7h começaram a tocar a campainha, tentou continuar na cama, fingindo não ouvir, mas continuaram, insistiram, até que decidiu se levantar e ver se havia acontecido alguma tragédia que justificasse aquela insistência. Abriu a porta e deu de cara com duas mulheres meio jovens, de cabelos compridos e saias chegando aos pés. Traziam bíblias nas mãos. – Quer encontrar Jesus? – perguntou uma delas. E ouviu uns palavrões como resposta. No domingo seguinte, novamente, às 7h da manhã, depois do Zezo ter dormido pouco mais de uma hora, começa a campainha a tocar de novo. E insiste, insiste... “Será que são elas de novo?”, pensou o Zezo. Eram. – Irmão, você tem que encontrar Jesus. Sobraram palavrões não só pra elas, mas também para Jesus, cujo santo nome estava sendo usado por um pastor que impunha metas às fiéis, que além de pagar o dízimo tinham que achar outros contribuintes. No terceiro domingo, quando a campainha começou a tocar de novo, o Zezo se levantou decidido: – Hoje eu ponho essas mulheres pra correr. Abriu a porta peladinho da silva, com as chamadas partes pudendas não só expostas, mas exibidas chacoalhando em direção a elas. Aí sim, deram um pique digno de ganhar uma corrida de cem metros rasos, e não voltaram mais. Esta crônica é parte integrante da edição 99 de Fórum.