Medo de assombração!?

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Quando chego a um lugar e conheço adultos que têm medo de assombração, eu sempre digo que esse é um lugar bom de se viver. Tem medo de assombração quem não precisa ter medo de gente viva. Em cidades violentas, ninguém tem medo de almas do outro mundo. Têm medo de assaltantes. Vejam, principalmente nas cidades grandes, se alguém tem medo de passar ao lado de cemitérios. Pode ter medo, sim, que de dentro dele pule um sujeito armado, para te assaltar, com violência. Quando eu era criança, muitas pessoas da minha cidade tinham medo de almas do outro mundo, do corpo seco, da mula sem cabeça e de outros seres como esses, que não intimidam ninguém onde se sente o perigo representado por homens vivos. E alguns contadores de causos de assombração eram tão competentes que deixavam a gente morrendo de medo de atravessar certos lugares, principalmente à noite. Um grande contador de histórias e de causos, não só de assombração, era o meu tio Chiquinho, casado com uma irmã da minha mãe, admirável intérprete de contos de fadas. Não morava mais em Nova Resende, mas uma vez por ano ia passar uns dias lá, e ficava hospedado na cada da mãe dele, a dona Marica. Sabendo da sua chegada, à noite algumas crianças iam pedir pra ele contar uma história. Seu corpo grandalhão e sua voz grossa se transformavam. Na frente de meia dúzia de crianças sentadas no chão, interpretava contos de fadas, andando ora como uma princesa, ora como um vilão ou como príncipe, e sua voz também ia da mais delicada aos mais altos rompantes, conforme o personagem. Um simples conto de fadas durava cerca de uma hora, e nós todos ficávamos extasiados, de olhos e ouvidos fixos, em silêncio total, vendo e ouvindo sua história. No dia seguinte, o número de crianças aumentava. Lá pelas oito da noite, umas dez ou doze estavam na sala da dona Marica esperando sua história. Ele atendia, com outro conto de fadas. A cada dia ele tinha mais ouvintes. Quando já tinha umas trinta crianças assistindo às suas encenações, mudava de linha, contava uma história de terror, de assombração, das mais escabrosas, imitando vozes das vítimas apavoradas, do capeta, do corpo-seco, da mula-sem-cabeça e tudo mais. Aí ficava aquele monte de crianças morrendo de medo na casa da dona Marica sem coragem de ir pra casa, nas ruas escuras da cidade. Tinha luz elétrica, sim, mas a iluminação pública era bem ruim. Enquanto os pais não desconfiassem que o Chiquinho tinha aprontado mais uma vez e fossem buscar os filhos (a pé, quase não existiam carros por lá), ninguém ia embora. No ano seguinte ele aparecia de novo, para passar uns dias com a mãe, e mesmo sabendo o que nos esperava, íamos ouvir de novo as suas histórias. Bons tempos. Será que meus conterrâneos ainda têm medo de assombração? Ou será que já temem apenas os vivos? Foto de capa: Pixabay