Música não é barulho

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Neste início de ano andei me lembrando de coisas que eu gostaria que acontecessem no Brasil em 2014, e um sonho quase utópico é que o Brasil volte a ter música de verdade. Quer dizer, volte a valorizar a música boa, porque temos ótimos músicos, mas hoje só se ouve chatices. Parece que para muita gente música é um barulho que se faz para encher o saco dos vizinhos. Os manipuladores da cultura de massas vão acabando com os sons agradáveis ao ouvido, transformando tudo quanto é gênero musical numa coisa imbecil, incômoda ou insossa. Tem muita gente boa compondo por aí, acredito, mas sem chances fazer sucesso. Por exemplo? O samba. Virou pagode e praticamente sumiu. A música caipira foi se degradando até chegar ao horroroso sertanejo universitário. Até o funk deixou de ter a melodia de Tim Maia para se tornar um pancadão ensurdecedor. Não aparecem mais chorinhos, frevos, baiões. Será que não tem ninguém mais fazendo isso? Duvido. Lembro-me de uma entrevista que fiz há mais de vinte anos com Skowa, líder do grupo musical Skowa e a Máfia. Ele me dizia – e eu não concordava – que melodia é uma coisa burguesa, imposta pelo colonialismo europeu. Ora, sem melodia, a música fica uma coisa desagradável, e quem quer ouvir sons desagradáveis? Bom, parece que a teoria dele acabou prevalecendo. Tem um monte de gente que gosta. E ouve na maior altura, incomodando todo mundo que está por perto. Quando eu estudava Geografia na USP, em 1968, Geraldo Vandré foi fazer uma palestra para nós e alguém lhe perguntou se música tinha que ser bonita ou tinha que levar uma mensagem aos ouvintes. Ele, então, comparou música a sexo. “O sexo tem a função de reproduzir”, disse ele. “Mas se não fosse gostoso quem ia querer praticar só para reproduzir?”. A música, no conceito dele, devia ter uma mensagem, mas tinha que ser boa de se ouvir, se não ninguém ia querer ouvir. Gostei da definição. E a música dele era bonita e cheia de mensagens. Sinal que música, inclusive de protesto, não precisa ser chata nem feia. Vandré fazia mais as letras, belíssimas e preciosas, mas boa parte das músicas eram compostas por gente como Hilton Acciolly, que por sinal foi meu colega no curso de Geografia. Um compositor de belas melodias que se juntavam perfeitamente às belas letras de Vandré. Então, gostaria que em 2014 fossem revelados muitos compositores com a qualidade de Vandré e Acciolly, Aldir Blanc e João Bosco, Caetano, Gil, Tom Zé, Sérgio Ricardo, o pessoal dos Mutantes, Chico Buarque, Milton Nascimento, Batatinha, Dolores Duran, Zé Ramalho, Ary Barroso, Tom Jobim, Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Noel Rosa, Capiba, Luiz Gonzaga, Ataulfo Alves, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Ismael Silva, Adoniran, Vanzolini, Lupicínio, Monarco, Chiquinha Gonzaga, Raul Torres, João Pacífico, Teddy Vieira, Goiá, Tonico e Tinoco, Monsueto, Jackson do Pandeiro, Zé Kéti e outros com esse calibre. Que fizessem sucesso novos bons sambas, bons frevos, boa música caipira, bons chorinhos e por aí vai. Nossa, gente! Desculpem-me os não citados. Se formos listar todos os nossos gênios da música popular brasileira de todos os gêneros, precisaremos de um espaço imenso. Será que estamos condenados a ter pessoas como essas simplesmente como lembranças? Música daqui pra frente vai ser só barulho ou coisa insossa? Tenho a impressão de que na música em geral está acontecendo igual às músicas de carnaval: coisa de “antigamente”. Não é que os novos compositores – que acredito que existam, mas não têm espaço – tenham que ser exatamente iguais, mas que tenham qualidade musical equivalente. Cantoras e cantores de alta qualidade existem, e muitos. Mas têm como opção morrer no anonimato ou cantar breguices chatas ou chacoalhar a bunda, para fazer sucesso e ganhar dinheiro. É sonhar alto demais, acreditar que tudo melhore em apenas um ano, mas como seria bom ligar a televisão ou o rádio do carro e, em vez de barulho a que chamam de música ou religiosos esbravejando sobre o diabo e pedindo grana aos fiéis, a gente ouvisse música boa.