Por que matar minhocas, se podemos matar gente?

Estamos no limiar de um tempo mais belicoso do que o “normal”, mas restarão resistentes que darão a volta por cima, e serão protagonistas de um “pós-nazi-fascismo” generoso

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Por Mouzar Benedito Faz um bom tempo. Anos. Acho que foi no Nepal, mas não tenho certeza, pode ter sido no Tibete. Li nos jornais uma notícia que me impressionou: o governo resolveu abrir uma estrada e encontrou um grande obstáculo: muitas minhocas morreriam. Isso era inadmissível para os budistas. Então, teve que ceder: antes de fazer a estrada, esperou que uma multidão de monges retirasse do local por onde ela passaria todas as “irmãs minhocas”. Já sabia um pouquinho (muito pouco, como continuo até hoje) sobre budismo, mas não pensava que chegasse a esse ponto de respeito a toda forma de vida. Li então um pouquinho da história de Sidartha Gautama, que depois seria chamado de Buda. Era um príncipe, sim, mas muito diferente dos demais. Certa vez, ainda criança, olhava um homem arando a terra e ficou impressionado ao ver que o arado cortava minhocas e insetos, e os expunha aos predadores, especialmente aos pássaros. Sentiu alegria e tristeza. Mais tarde, um mestre disse que ele iria salvar todos os seres da vida e da morte. Respeitar a natureza e todas as formas de vida é um princípio do budismo, que considera que todos os animais, de homens a minhocas, são conscientes. Então budista não aceita que se maltrate qualquer ser animal, e muito menos que mate. Por tudo isso, minha visão sobre os budistas é de que são incapazes de matar... Se não matam insetos e minhocas, como matariam pessoas? Pois os novos tempos me desmentiram, me surpreenderam. Certo, não são todos os budistas. Vale a ideia de que em todos os meios existe gente ruim. Mas vamos lá. Notícias vindas da Ásia me deixaram perplexo. Não é acontecimento muito atual, é do segundo semestre do ano passado, e nos dias atuais notícia do mês passado parece velha. Mas andei resistindo a comentá-las. Agora a ONU “condenou” os governantes de Mianmar pelo massacre. Usei “condenou” entre aspas, e deve ser entre aspas mesmo, porque as decisões da ONU não são tão respeitadas assim. Basta ver as muitas condenações às ações de Israel, que nem dá bola às resoluções contra ações desse país, principalmente em relação ao expansionismo, tomando terras vizinhas. Mianmar, que até mais ou menos recentemente se chamava Birmânia, é um país de maioria budista e governado por budistas. Promoveu-se lá, em 2017, um grande massacre contra uma minoria muçulmana, os rohingyas. E quem é a grande líder do país que fez vistas grossas e diz que era tudo mentira? Uma ex-presa política, secretária geral da Liga Nacional pela Democracia, Aung San Suu Kyi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, em 1991. Como pode? Minha visão do mundo atual é muito pessimista, pois mentalidades fascistas se disseminam por todos os lados. A impressão que tenho é de que o mundo terá cada vez mais governantes como Trump e Kim Jon-un. Na Europa há a volta de tendências fascistas e nazistas, ódio a imigrantes, terrorismo, ódio religioso... E a coisa chegou a Mianmar. Na América do Sul... Bom, basta pensar no Brasil, com grupos cheios de ódio, renascimento de saudosistas da ditadura, gente justificando a tortura, religiosos que se dizem cristãos promovendo ataques contra terreiros de religiões de matriz africana... O Oriente Médio continua cada vez mais bélico, a África tem um ou outro respiro, mas a grande maioria dos governantes é violenta e corrupta, ditatorial. Mesmo não sendo religioso, eu tenho uma certa admiração aos budistas. Bom... vieram as tais notícias de Mianmar. Que coisa! Será que a matança de muçulmanos ocorrida lá é e continuará sendo exceção, em relação ao modo budista de viver, ou se tornará regra? Por enquanto, prefiro acreditar que, apesar de tudo que me incomoda, pois estamos no limiar de um tempo mais belicoso do que o “normal”, restarão resistentes que darão a volta por cima, e serão protagonistas de um “pós-nazi-fascismo” generoso, e incluo entre os resistentes os budistas, ou pelo menos a maioria deles, embora, repito, não seja adepto do modo de vida deles. Mas temo que aconteça com eles o que ocorre com os muçulmanos, que têm uma minoria fundamentalista cujas ações contaminam a visão de quase todo mundo, fazendo parecer que muçulmano seja sinônimo de terrorista. Tenho um amigo budista extremamente correto, gente boa, que leva muito a sério o respeito por todas as formas de vida, e nas últimas que o encontrei ele trazia no peito um bottom escrito “salve as baratas”. Ele me disse que era mesmo uma provocação para que as pessoas pensassem no assunto. Na próxima vez que encontrá-lo, quero conversar sobre Mianmar.