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Há anos, depois de uma viagem à Bolívia, participei de um debate numa rádio de Campinas, em que os jornalistas que apresentavam um programa estavam horrorizados com o que Evo Morales fazia na Bolívia.
Ele “perseguia” a Petrobrás e os fazendeiros brasileiros que tinham terras na faixa de fronteira, e impedia Eike Batista de levar o progresso para a Amazônia boliviana, onde pretendia montar uma siderúrgica.
Na verdade, Evo Morales estava defendendo interesses do seu país e fazendo cumprir a Constituição. País de povo muito pobre, com um subsolo muito rico, tinha suas maiores riquezas, como o gás, levado para o exterior por preços miseráveis, frutos de acordos de governos corruptos anteriores. Daí a revisão dos acordos, inclusive com a Petrobrás,
No caso dos fazendeiros, a Constituição boliviana proíbe que estrangeiros tenham fazendas na faixa de fronteira, e isso se justifica: tudo quanto é país vizinho garfou parte do território boliviano. Populações desses países vizinhos ocupavam faixas fronteiriças e o passo seguinte era uma guerra para incorporar ao país vizinho, com ou sem acordo. No caso do Acre, incorporado ao Brasil, teve guerra e um acordo bem ruim para a Bolívia.
E a siderúrgica de Eike Batista funcionaria com carvão vegetal, seria uma devastação da Floresta Amazônica, como aconteceu com a Mata Atlântica que abastecia as siderúrgicas de Minas Gerais. Se queremos proteger a Amazônia brasileira, é justo destruir a Amazônia boliviana?
Um jornalista disse que ninguém esperava que Evo Morales fizesse aquelas coisas.
Contestei. Tudo que ele estava fazendo era promessa de campanha.
O jornalista respondeu indignado: “Ora, promessa de campanha ninguém cumpre”.
É isso. A gente se queixa de que aqui ninguém cumpre promessa de campanha e se queixa de que na Bolívia um índio estava cumprindo o que prometeu.
Agora, vejo que Dilma Roussef vai privatizar os aeroportos de Cumbica, Viracopos e Brasília.
Na campanha petista, o privatista era o Serra. Eu mesmo votei contra ele por isso, entre outras coisas.
Mas Dilma vai privatizar. Campanha é campanha, governo é governo. Coisas diferentes.
Lembro-me do início do governo Lula, mudando os critérios de aposentadorias, especialmente de funcionários públicos. Ricardo Berzoini foi um dos que se elegeram cm a bandeira da defesa dos aposentados. Sua campanha para deputado incluía uma carta mandada a sindicalistas, sobre o perigo de uma reforma da Previdência, que os tucanos fariam. Virou ministro da Previdência e mudou de ideia.
O argumento que o governo usou para limitar a aposentadoria dos funcionários públicos a um teto era de que assim sobraria dinheiro para aumentar o limite dos contribuintes do INSS para dez salários mínimos. Aprovaram a reforma e o teto da aposentadoria pelo INSS hoje deveria ser de dez salários mínimos, não é? Que maravilha, aposentar com mais de R$ 5 mil por mês. Mas vá ver em quanto está o teto, sem contar o tal fator previdenciário que rebaixa mais ainda seus direitos.
Na época, eleitores de Berzoini mostraram uma carta assinada por ele prometendo o contrário do que estava fazendo.
Disse então que foi um assessor que escreveu a carta, ele não viu. Justificado. E pau nos deputados que mantiveram a coerência. Foram expulsos do PT.
Citei Berzoini, mas a prática é comum a todo mundo. Para se eleger, vale tudo. Pode-se prometer qualquer coisa que o eleitor quiser ouvir. Campanha é campanha, governo é governo, repito.
Por essas e outras é que vale a frase que falo há muito tempo: eleição é o método mais democrático da gente escolher com quem vai se decepcionar num futuro próximo.