Uma profissão cada vez melhor

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Ouvi comentários sobre uma matéria de jornal que eu não li, mas achei interessante o que me contaram. Ela se referia a passeadores de cachorros, que cobram meio salário mínimo por mês para passear com um cachorro duas vezes por semana, meia hora cada vez. Então, o passeador dedica a cada cachorro uma hora por semana. O passeador entrevistado tem oito clientes. De cada um cobra a mesma coisa: meio salário mínimo para passear com o cachorro duas vezes por semana, meia hora cada vez. Quer dizer, somando tudo, ele ganha quatro salários mínimos por mês, por uma carga de trabalho invejável: no total, oito horas por semana. Moleza! E o serviço é só passear com animais. Bem, alguns catam o cocô dos cachorros e jogam no lixo. Muito civilizado. Errado é quem não faz isso. Aliás, donos e donas de cachorros que frequentam a praça em frente à minha casa levando bichos de estimação (falam “pet” agora – a gringofilia chegou ao linguajar relativo a cães e gatos) catam o cocô deles para jogar no lixo. Há desde mocinhas delicadas até homens com cara de doutores, executivos ou empresários, além de alguns aposentados. Um dia desses tive um pensamento irônico, para não dizer perverso: o sujeito estudou, estudou, estudou... e virou catador de merda de cachorro. Repito: quem tem cachorro tem que fazer isso mesmo, errado seria deixar o cocô pros outros pisarem. É só uma brincadeira minha. Voltando ao passeador que ganha relativamente bem para realizar um trabalhinho leve e de pouca duração, ouvi pessoas que torcem o nariz para isso comparando, por exemplo, com trabalhadores braçais que, para ganhar um salário mínimo por mês, têm que ralar no serviço duro quarenta horas ou mais por semana. Eu não tenho nada contra o passeador de cachorros. Se tem quem pague, sorte dele. Pode parecer estranho mas é um tipo de profissional cada vez mais procurado. Sinal dos tempos, diriam umas pessoas que acham que estamos perto do fim do mundo. Na região em que moro há muitas ruas arborizadas e sempre que caminho por elas, há anos, vejo passeadores de cachorro. Ficava imaginando quanto ganhavam por isso. Agora já tenho ideia. Vejo também muitas empregadas domésticas, inclusive diaristas, que têm entre suas funções passear com o cachorro da patroa. Já ouvi conversas de duas delas no ônibus, uma achando que era uma chatice e outra dizendo que achava bom chegar para trabalhar e um cachorro vir ao seu encontro todo alegre, balançando o rabo, sabendo que iria pôr a cara na rua por cerca de uma hora. Mas volto novamente ao passeador profissional. Na mesa de boteco ao lado da que eu estava um dia desses, um homem citava a tal matéria e dizia que a mulher dele era professora do ensino básico e ganhava menos do que o passeador de cachorros, tendo uma carga horária muito maior. E falava uma coisa que eu concordava: para ser professor é preciso estudar muito e a responsabilidade desse profissional é muito grande. Sem contar as barras que enfrentam no ensino público, com moleques que ameaçam professores e chegam até a bater neles. Professor do ensino básico tornou-se uma profissão de muito risco, especialmente na rede pública. Já para ser passeador, argumentava o sujeito, não é preciso estudar nada, basta levar jeito. Por sinal, segundo ele, alguns acabaram fazendo esse trabalho porque estavam desempregados e não conseguiam emprego para fazer o que sabiam, principalmente um pessoal mais velho, para quem o mercado de trabalho vai se fechando. Agora ganham mais e trabalham muito menos. O certo é que as madames querem ter animais de estimação mas não têm tempo pra eles. Podem ter tempo, mas não disposição para satisfazer algumas necessidades do bicho. Até o afeto é terceirizado hoje em dia. Além de tudo, há uma progressiva supervalorização dos cachorros. E isso não é de hoje. Seja como animal de estimação ou de trabalho. Na década de 1980, um executivo de uma indústria multinacional me contou que um prédio da empresa tinha que ficar sob vigilância à noite, e contrataram vigilantes de uma empresa de segurança. Essa empresa tinha cães adestrados, capazes de entender e acatar ordens dos vigilantes que andavam com eles. Eram vigilantes treinados e contratados pela mesma empresa dona dos cães de guarda. E para ser vigilante desse tipo era preciso também uma boa preparação, ser um misto de adestrador e guarda. Ofereciam à empresa “pares” formados por um homem e um cão policial. Quem requisitava esse tipo de vigilância executada pela “dupla” homem e cachorro pagava pelo “conjunto”. Mas tinha um detalhe: o “preço” mensal pago por vigilante era metade do que se pagava pelo cachorro que o acompanhava. Quer dizer: um cachorro ganhava o dobro do vigilante responsável por ele. Valia o dobro do homem! Sinal dos tempos, mesmo, concordo. Mas, repito, não é de hoje.