A falácia da exclusão digital pra fazer com que 46 pessoas decidam a candidatura a prefeito de SP

A eleição de 2020 será totalmente digital. Um partido que diz que não pode fazer prévias porque o digital não é democrático não pode reclamar do resultado eleitoral que provavelmente terá

(Foto: Divulgação)
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Na manhã de ontem escrevi um texto rápido sobre as prévias em São Paulo depois de assistir a uma live com José Dirceu e José Genoíno. Ambos insuspeitos petistas criticavam a forma como poderia ser decidido o candidato a prefeito de São Paulo. Nesta quinta-feira (30), 46 membros do diretório municipal se reunirão e votarão para escolher qual dos sete pré-candidatos a prefeito deve representar o partido. Um jogo de cartas marcadas, porque um dos candidatos, o ex-deputado federal Jilmar Tatto, tem 28 desses membros fechados com ele. Em tese, quem tem mais garrafa pra vender, leva o jogo. Costuma ser essa a regra dos congressos. Mas isso não significa que quem tem mais voto num ambiente fechado é aquele que reúne as melhores condições para a disputa popular. E como o PT não tem nenhum candidato em São Paulo, além de Fernando Haddad, que seja unanimidade, transformar o processo de escolha num grande momento democrático seria a opção inteligente para dar sustentação a quem vier a ser o escolhido. Seja quem for. Com 50 mil pessoas votando numa prévia, o vencedor teria um capital político razoável para fazer uma disputa mais qualificada. Seria um líder de fato. Mas não é isso que a maioria dos que controlam o partido quer. E isso agora se materializou num documento encabeçado pelos deputados federais Alencar Braga, Arlindo Chinaglia e Nilton Tatto e assinado por vereadores como Juliana Cardoso, Alessandro Guedes e Alfredinho. Depois de todo um rodopio para dizer que a democracia interna se estabelece pela representatividade dos membros escolhidos pelo diretório e que a direção nacional autorizou (não obrigou) que as escolhas em cidades com mais de 100 mil habitantes pudessem se dar por membros do diretório municipal etc e tal, os abaixo assinantes do documento afirmam que a exclusão digital impediria as prévias de serem democráticas se fossem digitais. Vejam abaixo um dos trechos do documento: “Distritos como Cidade Tiradentes, Brasilândia, Perus, Parelheiros, Itaim Paulista, São Matheus, Cidade Ademar e tantos outros, nos quais os nossos filiados e filiadas, serão alijados do seu direito legítimo de escolha, porque não conseguiremos assegurar sua participação por intermédio de uma “prévia digital”, pois sabemos que não são todos que usufruem de acesso a um computador ou smartphone com internet, e muitas vezes não estão aptos para utilizar este método.” O Comitê Gestor da Internet (CGI) faz a pesquisa mais conservadora sobre conexão. É uma pesquisa de casa em casa, porta a porta, com milhares de pessoas. Ela costuma dar números bem inferiores aos do mercado. Numa simples busca no Google achei uma de 2016/2017 (três a quatro anos para o digital é um século) e o amigo pode ver como o que o PT usa como proibitivo para prévias digitas não faz o menor sentido. Há, evidente, diferença entre os conectados no Centro, Zona Zul 1, Zona Oeste de zonas como a Leste 2 e Sul 2. Mas a diferença não é tão gritante como os petistas que controlam o Diretório Municipal de São Paulo querem fazer crer. Em 2016/2017 a média geral da cidade (como se pode ver no gráfico) era de 79,7% e a zona menos conectada era a Leste 2, com 70%. A pesquisa inteira mostra que as outras desigualdades são muito maiores do que a de conexão na cidade de São Paulo. Vale a pena lê-la por inteiro. Aconselho por demais àqueles que estão querendo discutir os rumos da cidade. Enfim, não querer fazer as prévias de forma ampla e poder ter a participação de cerca de 50 mil filiados e jogar a escolha para um colegiado de 46 pessoas pode ser a opção do PT e de qualquer outro partido. Mas dizer que não se pode fazer isso por problemas tecnológicos ou porque isso seria antidemocrático com a base mais pobre é por demais falacioso. É um argumento que não resiste a duas buscas no Google ou mesmo a uma ida numa comunidade mais pobre. Se o cadastro dos filiados do PT não tem sequer o telefone das pessoas, este é um grave problema, que também poderia ser resolvido nesta grande primária, que mobilizaria digitalmente milhares de pessoas. A eleição de 2020 será totalmente digital. Um partido que diz que não pode fazer prévias porque o digital não é democrático não pode, por um lado, reclamar do resultado eleitoral que provavelmente terá, e por outro lado só consolida a percepção de que está ficando cada dia mais distante de fato da nova realidade que também é movida a bytes. E onde os “desorganizados” usam loucamente o WhatsApp. Uma pena.