A mídia quer praticar a segunda execução de Lamarca

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A imprensa brasileira que comemorou a execução de Carlos Lamarca em 18 de setembro de 1971 quer assassiná-lo de novo. Pretende transformá-lo num terrorista, desertor das Forças Armadas e sanguinário. Alguém que pretendia transformar o Brasil numa ditadura. Como se à época vivêssemos numa democracia.

É de dar nojo. Há um bando de colunista que anda escrevendo isso. Em geral, não o fazem por convicção, mas porque transformaram-se em jornalistas caça-níquel. Fazem qualquer coisa em troca de mais umas moedas.

Aliás, acabo de recuperar o diálogo que O Globo deu para divulgar a morte de Carlos Lamarca . Está no site do Grupo Tortura Nunca Mais. Vejam:

"Um tiroteio travado entre a polícia e os irmãos de José Campos Barreto, o Zequinha, que acompanhava Lamarca, obrigou-os a iniciar uma longa e penosa rota de fuga, de 28 de agosto a 17 de setembro, com um percurso de quase 300 quilômetros. Ao descansarem à sombra de uma baraúna, foram surpreendidos pela repressão. Lamarca estava desnutrido, asmático, provavelmente com a doença de Chagas.

A imprensa brasileira apresentou na ocasião duas versões sobre o diálogo que teria havido entre Lamarca e o ‘agente federal’. Para O Globo, foram apenas três frases: ‘Você é Lamarca?’ – ‘Sou o Capitão Carlos Lamarca.’ – ‘Era. Agora você vai ser defunto.’. A versão da maioria dos jornais foi um pouco mais longa: ‘Quem é você?’ – ’Carlos Lamarca.’ – ‘Sabe o que aconteceu com a Iara?’ – ‘Ela se suicidou em Salvador.’ – ‘Onde está sua mulher e seus filhos?’ – ‘Estão em Cuba.’ – ‘Você sabe que é um traidor da Pátria?’. Lamarca teria morrido sem responder a esta última pergunta"

A imprensa que hoje se revolta contra uma pensão maior para a viúva de Lamarca, à época comemorou sua execução. É essa mídia que diz defender a democracia, os direitos humanos e as liberdades, incluindo a de imprensa.

Na ditadura militar, enquanto esses veículos se calavam e escondiam o que se passava, muitos intelectuais lutaram contra ditadura como intelectuais. Advogados, como advogados. Operários, fazendo greves. E Lamarca foi a luta como militar. Pegou em armas.

Por isso, ao se insurgir contra um sistema sanguinário, não se torna desertor ou terrorista. Essa versão que vem sendo vendida é de uma desonestidade intelectual asquerosa. Se alguém tem dúvida do que estou dizendo, basta ler o editorial de O Estado de S. Paulo de hoje, sábado. Vão entender porque usei o termo asqueroso.