Egito: quando uma revolução não tem líderes e nem liderados

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Hoje à tarde estava marcada uma grande manifestação na Praça Tarhir, principal palco dos eventos que levaram ao nocaute o ex-presidente Mubarak. Mas o governo de transição, comandado pelas Forças Armadas, afastou alguns ministros remanescentes do governo anterior e isso diminuiu seu impacto. Essa é uma das questões ainda mal resolvidas aqui no Egito, muitos dos que participaram dos protestos e construíram a queda do ex-ditador não aceitam sob hipótese alguma que aqueles que contribuíram com o antigo regime tenham qualquer protagonismo neste novo momento. Mais do que isso, querem que haja uma imediata apuração da corrupção no período anterior, exigem a liberdade de todos os presos políticos e compromissos claros de que um outro Congresso será eleito para produzir uma nova Constituição. Além disso, evidente, exigem eleições diretas para todos os cargos. Em geral, defende-se que este pleito aconteça daqui a seis meses a 1 ano. Não há um movimento popular exigindo eleições já. As pessoas sabem que é necessário certo tempo para que novas forças políticas possam ser articuladas no país. O sociólogo Mohamed Elagati, do Fórum Árabe por Alternativas (AFA), cuja entrevista realizada hoje será publicada na próxima edição impressa da Revista Fórum, avalia que uma eleição direta muito rapidamente só interessa ao capital, que tem condições de se articular rapidamente e apresentar candidatos fortes e com recursos para ganhar o pleito. Mas e os líderes desta revolução? Eles não seriam candidatos natos? Essa é uma história que ainda terá de ser melhor investigada. A revolução do Egito, como as outras que estão ocorrendo no mundo islâmico, não tem líderes. Elas parecem ser filhas desse novo momento onde as relações verticais não são mais aceitas. Ou seja, poderia se dizer que elas são as primeiras revoluções da era da Internet, talvez mais especificamente do tempo das redes sociais. Isso não significa que esses movimentos só existam por conta do Facebook ou do Twitter. Mas ao mesmo tempo é inegável que as redes foram importantes instrumentos de organização e que também trouxeram para o movimento uma nova cultura, a das muitas vozes. Os mais jovens, principalmente, não querem saber de centralidade. E exigem outros modelos de participação. Amir Abau Elkassem, estudante de Administração, 21 anos, disse algo que traduz este sentimento: “Para que um líder? Não queremos um líder. Por isso derrubamos Mubarak. Queremos construir juntos nossa democracia e nosso país”. Na Praça Tarhir, na tarde de hoje, mesmo numa manifestação bem menor do que as que levaram Mubarak a deixar o poder, um outro detalhe chamava a atenção. Não havia um palanque ou qualquer outro espaço de centralidade, também não havia um grupo. Eram vários. As pessoas se aglomeravam e iam fazendo pequenos atos. De repente eram uns 30 atos ao mesmo tempo. Tudo muito atomizado, tudo muito diferente das clássicas histórias revolucionárias. E os depoimentos que obtive até o momento só têm confirmado que durante todo o tempo foi assim. Há um cheiro no ar de que o que está acontecendo por aqui não vai mudar a história apenas para o povo dessa região. Tudo é muito novo e diferente. E tem a ver com um mundo onde as pessoas topam lutar, mas não querem líderes. Porque não querem mais ser lideradas.