Em tempos de redes digitais não existe eleição ganha de véspera

Uma eleição com a diferença atual pode virar em três se um fato novo vier a ser potencializado pelas redes e mesmo que a mídia tradicional tente escondê-lo.

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Outro dia Manuela D'Ávila,  candidata a vice na chapa de Fernando Haddad, disse que a maior fake news deste segundo turno era a de que a eleição já estava definida a favor de Bolsonaro. Em princípio, a frase soa marqueteira. Afinal de contas, neste momento há um oceano a separar os dois candidatos. Dezoito pontos de diferença são quase 20 milhões de votos. E numa eleição em um país continental tirá-la não é tarefa fácil. Tudo isso é verdade, pero no mucho. Porque já foi mais verdade ontem, anteontem do que nos dias de hoje. E mesmo assim, essa verdade vem aos poucos perdendo força. Em 2007,  David Ugarte, especialista em redes digitais, escreveu um livro quase despretensioso que virou clássico: O Poder da Redes -  Manual ilustrado para pessoas, organizações e empresas chamadas a praticar o ciberativismo. No trabalho, ele discorre sobre uma série de temas e vai mostrando como a distribuição e a velocidade têm  dinâmicas não mais descentralizadas e, sim, distribuídas em tempos de redes digitais. Ugarte mostra também como isso pode levar a grandes movimentos de massa e num capítulo cunha a expressão ciberturbas, que seriam movimentos de ruas com multidão organizados via aplicativos. Em outro momento, chama a atenção para a "noite dos celulares" que levou à eleição de José Luiz Zapatero, em 14 de março de 2004, numa virada espetacular após o atentado à estação Atocha do metrô, em Madrid. O atentado se deu no dia 11 de março e o governo, à época do PP, de direita, atribuiu a ação ao ETA, grupo que luta pela independência do País Basco. E num acordo com os grupos de comunicação local garantiu que a versão fosse veiculada como um mantra em  todos os veículos. No entanto, a Al Qaeda assumiu o atentado e registrou que ele foi motivado pela ação do governo espanhol que enviou tropas para a invasão ao Afeganistão. Isso levou o Partido Socialista, de Zapatero, crítico à entrada da Espanha na guerra, à vitória. Mas se a notícia não foi veiculada na mídia como ela chegou à população? Sua circulação se deu fundamentalmente por mensagens de celulares. Ugarte define aquele momento como de ruptura em relação às disputas eleitorais. Mas aquilo não foi nada em relação à vitória de Bolsonaro no primeiro turno com 46% dos votos tendo apenas 8 segundos de TV. O que ocorreu nesta eleição de 2018 foi uma virada completa de página em relação à força dos meios eletrônicos. Eles já não serão mais o centro das estratégias nas próximas disputas. O marqueteiro de TV terá que aprender estratégia de redes se quiser ter emprego nas disputas que virão. Claro, se elas vierem a existir se Bolsonaro for eleito. Mas pau que bate em Chico pode bater em Francisco. Se as redes digitais foram o principal destaque da vitória a Bolsonaro até o momento e o tornam o grande favorito para a eleição do dia 28, também podem ser as responsáveis pela sua derrota. Não há virada impossível nos dias atuais. Uma eleição com a diferença atual pode virar em três se um fato novo vier a ser potencializado pelas redes e mesmo que a mídia tradicional tente escondê-lo. A ausência de Bolsonaro nos debates, por exemplo, tem criado muitas suspeitas sobre o seu verdadeiro estado de saúde. Essas suspeitas cresceram muito nos últimos dias. E se algo mais sério for descoberto até o meio da semana que vem, isso pode vir a mudar totalmente o quadro eleitoral. Trata-se apenas de um exemplo para dizer que não necessariamente algo tão grave quanto o atentado da estação Atocha precisa vir a se dar para o jogo mudar. Não existe mão na faixa antes do tempo. Não existe eleição ganha com três dias de antecedência nos dias atuais. O que aconteceu nas disputas estaduais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais são exemplos. Ainda há muito jogo a ser jogado. Muito mais do que parece.