Felipe González, Lula e uma esquerda à procura de rumo

Ao mesmo tempo que falam em buscar respostas, lideranças como González e Lula parecem ter dificuldade em fazer essa inflexão de forma mais profunda. Se o PSOE e o PT introduziram a esquerda no mapa político das opções de alternância democrática de Espanha e Brasil, também é verdade que eles são parte da crise das respostas dessa mesma esquerda nesses países

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O ex-presidente da Espanha de 1982 a 1996, Felipe González, esteve ontem em São Paulo numa palestra promovida pelo Instituto Lula e que contou com o apoio da Fundação Perseu Abramo e da Fundação Friedrich Herbert. No auditório do Hotel Gran Mercure, umas 80 pessoas. Muitas delas se perguntando por que o Instituto recebia um representante do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE) e não do Podemos, que é a novidade política da esquerda espanhola e que acaba de eleger prefeitas das duas cidades mais importantes do país, Madri e Barcelona. A resposta foi surgindo aos poucos nas apresentações de González pelos representantes dos institutos que os convidaram, no próprio discurso dele e escancarada na de Lula, que acabou fazendo o discurso de encerramento. Felipe González iniciou sua fala dizendo que iria mais fazer perguntas do que oferecer respostas. Talvez para não parecer arrogante. Mas durante sua palestra e nas interações com o público, não pareceu ter tantas dúvidas. Fez uma defesa intransigente da democracia representativa, criticou erros de diagnósticos dos que defendiam um outro mundo possível e achavam que a globalização seria um novo invento do neoliberalismo, apontou melhorias na economia dos países da periferia nas últimas décadas e uma retração na economias centrais, mas ponderou que a renda é mal distribuída entre os cidadãos do mundo tanto quanto a economia cresce, mas ainda mais quando ela se ajusta. Ofereceu números sobre a catástrofe grega, onde, segundo ele, mais da metade da população perdeu de 50% a 60% de sua riqueza nos últimos cinco anos. E onde a dívida que era 120% do PIB antes do “austerícidio”, agora é de 190%. E desceu o sarrafo na Venezuela, que, na opinião do ex-líder espanhol, não tem nada a ver com o Brasil, nem com o Equador e a Bolívia. “Os intransigentes querem sociedades homogêneas e os democráticos têm que saber governar levando em consideração a diversidade”, pontuou. González pode até ter sido convidado antes que a crise brasileira se aprofundasse para essa palestra com Lula, mas o que ficou claro é que sua vinda pode ter caído como uma luva para uma nova estratégia do Instituto: buscar reativar pontes interditadas com outros setores políticos. O ex-presidente espanhol é próximo de lideranças históricas do PSDB, em especial de Fernando Henrique Cardoso. O discurso de Lula de ontem também foi sintomático desse novo possível rumo. O ex-presidente não saiu de pau na oposição, preferiu criticar a burocratização do PT e a necessidade de se reconstruir utopias. Ao mesmo tempo se disse cansado e provocou os jovens a participarem da política, repetiu que o partido tem que se renovar, mas deu sinais de que não descarta a construção de um novo partido no país que reúna novos quadros políticos e novos movimentos. "Que surja um novo partido melhor do que o PT." Lula poderia estar pensando no Podemos, fenômeno que foi relativizado por González, que não destacou as vitórias do partido em Madri e Barcelona e preferiu falar dos 11% dos votos nacionais que a nova agremiação teve. Como se isso fosse pouco. Por outro lado, mesmo não se fazendo de rogado em relação à nova sigla de esquerda, González parece ter aprendido bastante com o uso das novas tecnologias pelos rivais. O ex-presidente espanhol registrou que a internet não pode ser usada apenas para a disputa política. Mas que é preciso monitorar as redes para incorporar suas demandas. E dialogar com elas. Ou seja, buscando também ouvi-las. E não só querer usá-las como um megafone. A partir de uma provocação do blogueiro, classificou a frase de Umberto Eco que a internet abriu o “direito a palavra a uma legião de imbecis” como uma “tonteria”. E disse que vivemos numa sociedade onde a transparência passa a ser um valor da política. González, que já não é protagonista político da cena espanhola há quase 20 anos, não se comportou como um político aposentado. Nem Lula fez um discurso de quem esteja saindo da vida pública. Mas, ao mesmo tempo, a busca por respostas que foi o tom adotado tanto pela fala de González quanto pela questão do seminário, “Novos desafios da democracia”, parece ainda estar passando por uma crise de identidade. Ao mesmo tempo que falam em buscar respostas, lideranças como González e Lula parecem ter dificuldade em fazer essa inflexão de forma mais profunda. Se o PSOE e o PT introduziram a esquerda no mapa político das opções de alternância democrática de Espanha e Brasil, também é verdade que eles são parte da crise das respostas dessa mesma esquerda nesses países. Por um lado, o fato de terem construído programas que dialogaram por demais com políticas de centro e de direita podem tê-los afastado das bases populares que lhes garantiram alguns mandatos. Por outro lado, por terem aceitado a real política, acabaram se tornando atores centrais de um jogo que boa parte da população já não aceita mais. A iniciativa de trazer González para um diálogo com Lula e alguns convidados de diferentes áreas não foi má ideia do Instituto, muito pelo contrário. Neste momento é mais do que necessário ampliar o diálogo. Mas talvez seja sintomático de um tipo de referência. González não é o novo. E nem é o líder que desperta novas utopias no Velho Continente. Há outras invenções políticas mais próximas disso. Mas elas têm tradições bem distintas das do PT. Não se está aqui qualificando isso como melhor ou pior. Mas o caminho para alcançar o novo implica em ir deixando os velhos conceitos, modelos e referências pra trás. E fazer isso é muito mais difícil do que parece. Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula