Vale do Aço: Durval Ângelo diz que jogaram uma cabeça decapitada no quintal de um capitão

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Na última sexta-feira o jornalista Rodrigo Neto foi assassinado em Ipatinga, Minas Gerais, região conhecida como Vale do Aço. O jornalista  foi surpreendido por dois pistoleiros no começo da madrugada. A história mais completa você pode ler aqui. Uma semana antes de ser morto, Rodrigo Neto teria procurado o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas, deputado Durval Ângelo (PT). Nesta entrevista exclusiva para o blog, concedida ao jornalista Felipe Rousselet, Durval Ângelo fala de como a situação no Vale do Aço está completamente fora de controle. E relata a história de um capitão que investigava assassinatos realizados por policiais e que mudou de cidade porque teve uma cabeça decapitada jogada no quintal de sua casa. Trata-se de um relato impressionante.

Deputado, o senhor poderia me falar mais sobre o assassinato do jornalista Rodrigo Neto e sobre a sua atuação no combate aos grupos de extermínio no Vale do Aço?

O jornalista (Rodrigo Neto) nos acompanhava há muito tempo na Comissão de Direitos Humanos. Para você ter uma ideia, eu tenho 19 anos de parlamentar e 19 anos de Comissão de Direitos Humanos, 13 anos como presidente da Comissão. Ele era um jornalista investigativo muito sério, trabalhava em programas de ronda policial e tinha conhecimento da dor e do sofrimento de muita gente. Era um programa muito popular, ouvido por muita gente.  Ele também tinha um tino jornalístico muito grande, daí ele sempre acionava a Comissão de Direitos Humanos.

Acabou que nessas investigações chegou a enfrentar diversas chacinas no Vale do Aço. Uma das mais conhecidas foi a chacina de Belo Oriente, quando depois da morte de um policial, quatro pessoas inocentes parentes de um dos suspeitos foram executadas. Outra foi a chacina de Santana do Paraíso, onde jovens toxicodependentes foram assassinados. E também o chamado grupo de extermínio da moto verde, de Ipatinga e região. Ele denunciou esse grupo de extermínio.

Acontece que a Polícia Militar começou a investigar e isso levou a suspeita a dois cabos da PM que comandariam este grupo. Só para você ter uma ideia, na casa do capitão que apurava o crime, foi jogada na varanda, de madrugada, a cabeça de um toxicodependente. Não preciso dizer que as investigações foram encerradas.

Uma coisa em particular que o Rodrigo investigou foi sobre o sindicato do crime no Vale do Aço. Grupos que mandavam migrantes para os EUA e depois eram assassinados se não pagassem as dívidas. Chegaram a ser levantados 16 assassinatos deste grupo. E ele entrevistou um pistoleiro que foi baleado em uma dessas ações, chamado Adriano Pitbull, que  disse que tinha recebido 100 mil para me matar e para matar o delegado Lemos. A partir disso comecei a andar direto com escolta policial.

Fato mais recente é que um cabo que estaria ligado a este sindicato do crime, que não foi punido, foi assassinado em Santana do Paraiso. Uma semana depois do assassinato deste cabo suspeito, o pai de um suspeito de tê-lo assassinado foi também assassinado, e de novo a moto verde apareceu na história.

E o Rodrigo ligava pra gente, cobrava. Ele me disse que estava escrevendo um livro chamado “Crimes Perfeitos”, onde defendia a tese de que crime cometido por policial não tinha interesse de ser apurado. Ele denunciava as chacinas. Ele disse que iria dar nomes aos bois. Para mim, a morte dele foi vingança e queima de arquivo, não tenho dúvidas.

Na última vez que ele procurou a Comissão de Direitos Humanos para denunciar o assassinato do pai do suspeito de matar o cabo em Santana do Paraíso, ele relatou ao senhor estar sofrendo alguma ameaça?

Olha, dessa última vez não. Mas ele recebia ameaças sempre. No próprio programa dele,  falava dessas ameaças. Ele chegou há uns anos  a prestar depoimento na Corregedoria da PM para falar destas ameaças. Isso era uma constante na vida dele. Ele sabia dos riscos que corria. Era um jornalista e advogado muito bem preparado. Contraditoriamente, estava se preparando para prestar concurso para a Polícia Civil. Então, sabia do risco.

Quais as providencias que podem ser tomadas, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, para cobrar a correta apuração do assassinato do jornalista e a punição dos responsáveis?

Fiquei sabendo da morte dele na sexta de manhã. Nós acionamos, imediatamente, o governador do Estado. Inclusive ele soltou uma nota, provocado por nós, em solidariedade a família.  E cobramos providências do Secretário de Defesa Social e da Polícia Civil e Militar.

Para você ter uma ideia, na própria sexta-feira, o chefe da Polícia Civil designou uma equipe de homicídios de Belo Horizonte, que no sábado já estava lá apurando este caso.

Na terça-feira (hoje), ás 14 horas, a Comissão de Direitos Humanos estará em Ipatinga para se reunir com o chefe de polícia de lá e com o delegado que preside o inquérito. Nós vamos ter lá também o pessoal do Sindicato dos Jornalistas e a OAB. A Ministra Maria do Rosário designou uma comissão, do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, para estar em Ipatinga também, mas nós hoje, 11, fizemos um convite para a ministra estar pessoalmente lá.

Para nós a perda de uma vida é extremamente grave, mas no caso é a de um jornalista que estava prestando um serviço a sociedade. Que estava comprometido com a verdade e com sua profissão. Calar a voz de um jornalista que denuncia é um atentado a democracia. Eu tenho repetido com essa morte do Rodrigo aquela frase do Rui Barbosa, “a imprensa livre é o pulmão da democracia”.

Quando um jornalista com essa coragem e com essa firmeza é morto, é a democracia que corre risco. Não é a toa que o Vale do Aço é a região mais violenta de Minas Gerais. Com essa impunidade toda, o crime fala mais alto. Se você tem uma polícia que em vez de defender, ataca, é a sociedade que fica no meio do fogo cruzado. Do fogo dos bandidos e do fogo dos bandidos que escondem-se atrás de uma farda.

São Paulo enfrentou uma grave crise de segurança pública em 2012. O governo estadual paulista foi duramente criticado por ser omisso quanto a participação de policiais em grupos de extermínio. Como o senhor avalia a atuação do governo mineiro nestes casos?  

Em Minas não é diferente. Aqui até os comandantes tem medo destes grupos de extermínio. Esse capitão, que teve uma cabeça decapitada jogada no quintal de casa, suspendeu a investigação e mudou de cidade.

Esta situação que culminou com a morte do jornalista, é fruto da omissão do governo de Minas Gerais. Eu fiz mais de dez audiências publicas sobre ameaças contra jornalistas. Eu acho que a impunidade é a raiz disso tudo. Espero que agora, com a tragédia da morte do Rodrigo Neto, nós consigamos avançar e acabar com isso.

E mais, diferente de São Paulo, aqui se matam familiares, por vingança, na maior covardia. E agora com a morte do jornalista, você vê a ousadia que este grupo chegou. Nós vivemos uma situação pior que a de São Paulo.