A comunidade evangélica não é vítima dos seus representantes

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Nas últimas eleições no Brasil as Igrejas Evangélicas mostraram-se motivadas para disputar votos. Ninguém mais tem dúvida quanto à existência de uma Bancada Evangélica no Congresso Nacional. A representação política evangélica é fato consolidado. Esse fenômeno é muito comentado, mas pouco estudado. A impressão que tenho é que tal representação não sofre qualquer tipo de monitoramento sério. Os escassos estudos acadêmicos ou independentes não repercutem na comunidade cristã por três motivos básicos: (1) falta de interesse dos ouvintes; (2) bloqueio dos canais de comunicação; (3) silêncio dos descontentes. Na condição de cientista político que pesquisa este tema por quase vinte anos, sempre tentei separar eleitos dos eleitores. Na minha avaliação tradicional, o vereador esperto não merecia o voto do povo puro. Errei na minha ingenuidade. Aquele moço que “desfez” o gato e regularizou a parte elétrica do templo em troca de votos para a Câmara Municipal não é pior, nem melhor, do que os seus eleitores da paróquia eclesiástica. Tendia a achar que as retóricas políticas embaladas em textos bíblicos encontravam crentes bem-intencionados, mas vulneráveis. Comunidades de fé das quais os seus representantes políticos não eram dignos. Acho que chegou a hora de dizer que em questão de ética a Igreja Evangélica no Brasil não é padrão. Tenebrosas transações são realizadas nos pátios dos templos há anos. Se quase ninguém diz nada ou faz nada, é porque se acostumou com o cheiro das coisas podres que estão sendo preparadas para o ato litúrgico. Que não me venham dizer que não estão vendo! Não acredito mais que no meio de meigas ovelhas transitam lobos políticos camuflados. O exercício do mandato político é público. Quem quiser saber o desempenho do seu representante consegue chegar aos fatos. Até mesmo para ficar bastante satisfeito. Portanto, a chamada Igreja Evangélica é sim responsável pelas suas bancadas municipais, estaduais e federais. Pastores celebridades chancelam candidaturas em período eleitoral. Ficamos então com a esperança que o crente responda: gosto tanto de ouvi-lo pregar, mas em questão de escolha política prefiro seguir o meu próprio pensamento porque quero ser responsável pelas minhas decisões. O ingênuo sou eu. Entre os evangélicos brasileiros existe sim o voto de cabresto, o clientelismo religioso e a promiscuidade eleitoral. Ninguém é inocente neste jogo. Originalmente o voto de cabresto ocorria em contextos rurais em que o pobre sofria sérias reprimendas caso não seguisse o mando do capataz. E o cabresto evangélico, medo de que ou de quem? Duas generalizações que definitivamente eu abandono nas minhas análises: (1) todo político evangélico é mal intencionado ou despreparado para as questões republicanas; (2) todo rebanho evangélico é bem intencionado e age politicamente visando o bem público. Quando eu era menino, pensava, sentia e agia como tal. Mas agora que fiquei grisalho, acho que o crescimento numérico dos evangélicos no Brasil não correspondeu diretamente ao seu aperfeiçoamento ético. Isto é, traduzimos nas nossas relações sociais as nossas debilidades de formação. Gostaria, do fundo do coração, que essas estruturas de poder com os seus mandatários não fossem representativos da Igreja Evangélica. No entanto, não dá para defender mais. É isso aí. Os partidos políticos nos seus planejamentos não veem os “evangélicos” como uma reserva moral e há muito identificaram a diferença entre o discurso de grife e o discurso de mesa de trabalho. A pergunta que não quer calar: qual será a moeda de troca? Pela sua crescente institucionalidade e regularidade numérica a Frente Parlamentar Evangélica aumenta a sua visibilidade no Congresso Nacional. Mas não é só isso, aumenta também a percepção daqueles que a observam de que tal frente política é sim uma amostragem das Igrejas Evangélicas brasileiras: discurso ético marcado pelas ambiguidades e contradições. Foto: Vitor Mazuco/CC BY-SA 4.0