Entre o texto do Henfil e a caricatura do Noblat

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Diante dos fatos recentes em que o país retrocede e descobrimos que a nossa democracia era tão frágil quanto a índole dos conspiradores, lembrei do Henfil. Os mais novos talvez só ouviram este nome na célebre canção de Aldir Blanc e João Bosco: “Meu Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil”. Trata-se de um cartunista que na sua vasta produção, entre 1977 e 1980, a pedido do então redator Mino Carta, assumiu a última página da Revista Isto É (de saudosa memória). O curioso é que o cartunista não desenhava neste espaço. Escrevia Cartas da Mãe. Em plena ditadura, o Henfil tematizava a reabertura democrática. Ênfase na anistia. Referia-se aos exilados, entre outros, principalmente, ao seu irmão Betinho. Genial, com uma pauta tão arriscada, o cartunista resolveu escrever. E ainda, escrevia para a mãe. Angustiado com a situação imposta pela ditadura, Henfil falou de dores, rancores, náuseas, traumas, tumores, torturas, desaparecidos, porões, orfandade, tirania, bosta do cavalo do Figueiredo, mijo do Geisel e biscoito de farinha da Dona Maria. Enfrentar os anos de chumbo com biscoitos amanteigados da mãe. Eita cabra criativo! Pois quando o nó na garganta parece que vai nos enforcar, quando o chão é puxado, quando a manipulação da informação atinge gente que amamos, quando assistimos o duro trabalho de uma geração ruir com sopros de banguelas, quando reputações são destruídas, eis que pronunciamos MÃE! A realidade sócio-política não muda, mas com a simples lembrança da mãe nos sentimos acolhidos. Podemos lutar as batalhas duras, mas preservaremos a ternura, a graça, a esperança, o humor, o deboche, o afeto, a generosidade, a amizade, a fé, a paciência, a roda de samba, a paz! Estar atento e forte sem TEMER! Encontrar o ponto de equilíbrio que nos inspira a continuar com firmeza e leveza. Acreditar que na sua essência, a participação da política é a busca do bem comum. Longe de ser uma disputa partidária ou choque de ideologias, hoje, no Brasil, está em curso um assalto à mão armada da elite ressentida. Impuseram uma nova ordem na “moral” com disfarces risíveis de “legal”. Furaram a bola porque perderam o jogo. Às vezes pode “rolar” uma inveja daqueles que por puro oportunismo aderiram ao golpe e se deram bem. A pergunta “Por que prosperam os ímpios?” é tão antiga quanto o ressentimento daqueles e daquelas que se consideram just@s. Nossa responsabilidade é na medida do possível com a coerência e correção. Quanto aos resultados, não temos tanto controle assim. Continuar inquietos é sinal de vida. Quanto ao fator Noblat, tenho preguiça para analisar. Portanto, contento-me com uma breve referência: “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime. ” (Hannah Arendt) Em terra em que a realidade já é caricata em si, cartunistas recorrem ao texto como recurso terapêutico. Assim como a situação pode ser uma piada pronta, também, pode a realidade transformar-se em caricatura pronta. “A bênção Mãe!” Valdemar Figueredo Filho Twitter: @ValdemarDema2 Instragram: valdemarfigueredo2