Retorno a este espaço com um propósito bem definido: repercutir as pesquisas e análises do Observatório da cena política evangélica. A formação do observatório é iniciativa do Instituto Mosaico, do qual sou o idealizador.
Destaco dois extremos deste fenômeno: (1) Por um lado, parcimônia em falar a respeito por puro pudor religioso; (2) Por outro, impropérios são ditos numa discussão tão viciada quanto agressiva.
Diversas pautas do debate público são polarizadas pelas “bancadas evangélicas” nas câmaras municipais, estaduais e federal. No que se refere aos direitos civis das minorias, os discursos nas casas legislativas confundem-se com púlpitos de igrejas. Eventualmente ouvem-se “améns” e “aleluias” como aceno de aprovação para os oradores exaltados que desancam o que consideram perversidades.
Enquanto se discute a laicidade tendo por parâmetro os usos ostensivos dos símbolos religiosos nos espaços públicos, pouco se sabe, e quase nada se comenta, sobre o que acontece nos espaços de cultos para construção de projetos de poder.
Invocam-se poderes seculares nos espaços sagrados e poderes divinos nos espaços públicos. O mito da Torre de Babel ecoa no Brasil. Falação danada em que os argumentos caminham na direção de buscar financiamento público para construção de TORRES que potencializem o alcance das redes de comunicação.
Permita-me compartilhar um fato prosaico. Quando defendi a minha tese de doutorado no IUPERJ pelos idos de 2008, disse convictamente que a dita “bancada evangélica” defendia uma agenda moralizante em plena luz do dia e pedia concessões de radiodifusão nas sessões noturnas. Mas falar em projeto de poder, na época, parecia-me exagerado. Pois bem, não demorou muito. No mesmo ano, o Bispo Edir Macedo publicou pela Thomas Nelson o livro Plano de poder: Deus, os cristãos e a política. Não lembro bem do miolo, bastou a capa para me contradizer.
De lá para cá a coisa não parou de crescer. As redes de comunicação evangélicas são os principais protagonistas deste tipo de representação política. Não é o irmãozinho assíduo e fervoroso que senta no primeiro banco da igreja que é ungido para representar a comunidade de fé na câmara municipal, muito menos a irmã que se desdobra na ação social assistindo aos necessitados do bairro. A representação da qual estamos tratando tem a ver com cantores gospel, radialistas, concessionários de rádio e tv, proprietário de editoras, gestores de gravadoras, animadores de portais na Internet, figuras célebres incensadas com a fumaça do gelo seco no altar. Redes de comunicação que não param de crescer nos seus alcances e na construção de suas estruturas políticas.
Sem entrar no mérito das fontes e dos critérios de verificações numéricas, apreciemos o quadro que serve como uma amostragem desse fenômeno que sabidamente não para de crescer no Brasil. Deixemos as inferências para os próximos artigos divulgados aqui na coluna da Fórum e nas redes sociais do Instituto Mosaico. Por enquanto, fiquemos apenas com o quadro numérico frio. Representação política evangélica no Congresso Nacional (1983-2018)
Legislatura |
Titulares |
1983-1987 |
12 |
1987-1991 |
32 |
1991-1995 |
23 |
1995-1999 |
30 |
1999-2003 |
52 |
2003-2007 |
61 |
2007-2011 |
44 |
2011-2015 |
79 |
2015-2019 * |
203 |
Minha esperança é que através destas iniciativas modestas, a coluna na Fórum e o Observatório através do Instituto Mosaico, muitas pessoas se apresentem para efetivarmos o necessário contraponto ao que se convencionou chamar de representação política evangélica. A democracia madura prima pela valorização da pluralidade e quando alguns assumem o discurso que estão atuando na política em nome de Deus, devemos exigir a procuração, com papel timbrado, com a assinatura de Deus com firma reconhecida.
Não é pecado perguntar para esta turma “investida” do poder secular, mas que se pronuncia com sotaque do céu, o mesmo que Jesus indagou aos seus discípulos que estavam seduzidos pelo poder: “De que espírito sóis?”