Saúde e dieta na Ilha Marajó (PA)

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Vi uma lancha ambulância em 32 horas de navegação. Souberam que na nossa embarcação havia médicos. Pediram-nos para atender ao ribeirinho acidentado. A ambulância em questão faz o transporte, mas seria "exigir demais" que nela houvesse médicos. Os tripulantes disseram-nos que, caso não os acudíssemos, teria quatro horas a mais até chegar ao posto. Não quer dizer, necessariamente, que encontrariam médicos no posto. Quando muito, com sorte, encontram enfermeiros dispostos a se aventurarem. Culpa de quem? Não sei o que responder. Não sei mesmo. Contudo, por esses cantões ninguém quer saber se o médico é cubano ou baiano. Desde que seja médico e esteja no posto. Impressionante como a classe média do sudeste brasileiro, pós-graduada e apegada às versões fáceis, desconhece o Brasil. Nosso déficit social passa pela precariedade da assistência médica a população que vive na "periferia". Navegar é preciso. "VEJA" bem, o "GLOBO" terrestre é mais complexo que um "ESTADÃO" qualquer. As repetições de mantras liberais para explicar o Brasil precisam do mínimo de honestidade. As simplificações teóricas construídas em salas aquecidas nada tem que ver com as realidades dos povos da floresta amazônica. Repetir na segunda-feira as opiniões dos peritos FANTÁSTICOS dominicais é de uma mediocridade... Vi que a despeito das precariedades as famílias mantêm dieta alimentar farta. A caça na mata profunda é esporádica. Segundo o Rubem, cada vez mais é necessário ir mais longe para encontrar os bichos. Grupos que ficam três dias amotinados esperando oportunidades e ângulos adequados para abater as presas. crian marajoDas águas profundas e escuras do Rio Canaticu retiram os peixes. Coleta de castanha e açaí exige perícia. Imagino que as crianças que aprendem a andar, simultaneamente, adestram-se a nadar e subir nas árvores. A procura por comida não chega a ser tarefa penosa. Pareceu-me uma coreografia natural e divertida. Só o fato de não guardarem em celeiros já provoca nos "civilizados" comparações. Uns disseram que a pobreza dos ribeirinhos decorre da sua indolência, enquanto outros perceberam que a felicidade deles decorre da "preguiça". O olhar do colonizador via os índios da terra brazilis como indolentes, apáticos e improdutivos. Ainda hoje o nosso olhar é colonizado. Infelizmente julgamos que o único mundo possível é aquele que foi construído a partir do século XVI na Europa pela classe burguesa. Disposição dos infernos que quando vê gente pensa em consumo; quando vê rios e mares pensa em tráfico comercial; quando vê folhas pensa em patente; e quando vê ambiente de fé pensa em instrumentalização ideológica.