Os três comandantes das Forças Armadas, do Exército, Marinha e Aeronáutica divulgaram uma carta em conjunto nesta sexta-feira (11), sobre as manifestações antidemocráticas e golpistas que ocorrem, diante dos quarteis, em várias capitais.
O texto é digno do Sargento Pincel, personagem fictício dos Trapalhões, cujo ator veio a falecer, por infeliz coincidência, dias atrás.
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Não diz nada. Não quer dizer nada. Não aponta para nada. É uma carta diplomática vazia.
Por outro lado, pensando bem, há nela também um certo grau de astúcia, que é justamente o de, não dizendo nada, cumprir o que talvez seja o seu objetivo: empurrar com a barriga a ridícula "crise", artificialmente inflada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, com seu silêncio criminoso de mau perdedor, por mais alguns dias ou semanas, até o fim da atual administração e a posse do novo governo.
Há um grau de risco na operação, naturalmente, e tenho minhas dúvidas até que ponto as Forças possam calculá-lo.
O silêncio sobre as eleições, sem mencionar urnas, TSE, relatório, também é prenhe de significados. É um contraponto um tiquinho mais lúcido e responsável que a presepada em que se meteu o Ministério da Defesa, que soltou um relatório onde não aponta nenhuma irregularidade nas eleições, mas, pra atender as pressões golpistas, acena para uma "fraude de Schrödinger", aquela que não existe e existe ao mesmo tempo.
O texto alerta para a necessidade de que as "manifestações" se mantenham ordeiras e respeitadoras dos direitos fundamentais, ao condenar "excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública". Com isso, o texto condena bloqueios de estradas ou qualquer coisa parecida, o que é importante.
Entretanto, não poderia faltar o velho apito de cachorro, o que é o tributo para agradar o presidente Jair Bolsonaro e sua matilha de fanáticos e fascistas, ao lembrar que "para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação".
Não há propriamente erro no texto. Mas nunca vimos as Forças lançar nota similar para defender expressamente manifestações populares em defesa de seus direitos trabalhistas, previdenciários, entre outros. O timing da nota, a deferência para com as manifestações golpistas, esse é o apito.
Por outro lado, a matilha nas ruas já ouviu tanto apito nos últimos meses, ou mesmo anos, que não seria esse que fará a diferença. A essa altura, o ouvido da cachorrada deve ouvir apito mesmo quando ele não existe.
Ademais, à parte esse apito, inserido talvez como uma pequena ferramenta de guerra híbrida para atrair atenção do público-alvo, o documento é muito ruim para os subversivos de terceira idade que acampam e oram diante dos quarteis, porque ele enterra categoricamente qualquer possibilidade das Forças atenderem o que é a sua única demanda: a "intervenção militar", ou o seu novo apelido esquizofrênico, "intervenção federal".
A nota pode ser considerada o apito de despedida das Forças aos manifestantes, a maneira mais sofisticada que elas encontraram para explicar o óbvio: elas não irão fazer nada e é hora de todo mundo voltar pra casa.
Próximo aos quarteis, há pessoas morando, e crescem os relatos de irritação com o ruído constante, especialmente com os hinos militares tocando 24 horas por dia, junto com buzinaços, orações em voz alta e gritarias.
Ontem uma forte tempestade varreu e destruiu barracas no acampamento golpista em Brasília. Esperamos que alguns manifestantes tenham, ao menos, interpretado isso como irritação divina contra a violência política que eles vêm praticando contra mais de 60 milhões de brasileiros que votaram em Lula.
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Abaixo a íntegra da nota, publicada nos sites das Forças:
NOTA À IMPRENSA
Às Instituições e ao Povo Brasileiro
Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime [...] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.
Brasília/DF, 11 de novembro de 2022.
Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha
General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército
Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR
Comandante da Aeronáutica