Tautismo fonoaudiológico da Globo quer legitimar capitalismo de desastre

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Depois de entrar em metástase e, a partir das “hardnews” dos telejornais, contaminar o jornalismo esportivo, teledramaturgia e entretenimento, encontramos uma das origens da doença do tautismo (autismo + tautologia) da TV Globo: o método fonoaudiológico responsável há décadas pela fala dos atores, repórteres, radialistas e âncoras da emissora. É o chamado “Método do Espaço Direcional” cujas estratégias vocais reforçam subliminarmente a descrição que a Globo faz de si mesma - a crença de um destino manifesto que na fase metastática atual assume um delirante messianismo religioso: tons de voz graves, ressonância e ritmo da fala cada vez mais lúgubres e patibulares dos âncoras como se a Globo testemunhasse algo que já foi profeticamente gravado a ferro e fogo nas pedras da História desde tempos imemoriais:  “Vejam, já estava escrito!”. Cânone do “Método”, é sintomático que Cid Moreira tenha virado um apóstolo bíblico que decidiu levar o Evangelho “até os últimos dias”. Afinal, esse é o subtexto diário das inflexões de voz dos apresentadores globais que procuram conformar os telespectadores ao atual “capitalismo de desastre” implantado no País.

“O apresentador não pode representar as palavras. Tem de ser parcial e exprimir as ideias da empresa em que trabalha. Esse profissional tem de sentir a palavra na sua forma, mas a essência empregada vem da casa. Por exemplo, a palavra cadeira é dita da mesma forma por todo mundo, mas se ela é confortável ou desconfortável, é a empresa que vai dizer. Em qualquer emissora, os apresentadores são escravos, têm que parecer imparciais e, ao mesmo tempo, ser parciais, de acordo com a vontade da empresa”.
Essas palavras não foram ditas por algum semiólogo ou sociólogo da comunicação esquerdista que pretendia denunciar as manipulações na grande mídia. É a filosofia pragmática, dura e direta por trás do chamado “Método de Espaço Direcional” criado pela fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller - clique aqui
Ela foi a preparadora da voz de mais de mil atores e atrizes do teatro e televisão. Mas, principalmente, foi a responsável pelo padrão da fala de repórteres, radialistas e âncoras da TV Globo.
Mais além, foi a responsável por aquilo que o publicitário Washington Olivetto, no documentário Brasil: Muito Além do Cidadão Kane (1992), chamou de substituição do português pelo “globês” – uniformizou a fala de repórteres e âncoras das afiliadas da Globo nas mais diferentes regiões do País, anulando sotaques e regionalismos.
Fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller
Em postagens recentes esse humilde blogueiro vem tentando fundamentar a hipótese de que a Globo foi acometida pela metástase do tautismo (autismo + tautologia) – seja por defesa contra as ameaças externas (Internet e dispositivos móveis), seja como efeito do gigantismo e monopólio, a emissora fechou-se ao mundo exterior que existe do outro lado da sua cenografia, passando a interpretar a realidade a partir da descrição que a Globo faz de si mesma.

Destino manifesto

 Em postagem anterior constatamos que essa auto-imagem global fundamenta-se numa espécie de uma secreta crença num destino manifesto de que, se a História existe, é somente para criar acontecimentos para que a Globo possa transmiti-los. Mesmo que essa mesma História a contradiga, como no caso da “inesperada” vitória eleitoral de Donald Trump nos EUA e a resposta tautista da Globo em um processo de negação da realidade – clique aqui.
O tautismo contamina atualmente todos os setores da produção global: começou no telejornalismo das hardnews, para depois se expandir em metástase para a dramaturgia (clique aqui), jornalismo esportivo (clique aqui) e programas de entretenimento (clique aqui).
A dura franqueza profissional da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller revela o início da relação tautista da Globo com a realidade: apresentadores não podem falar sobre a cadeira como ela é, mas como a empresa sente a cadeira - desconfortável ou não.
A novidade aqui é a descoberta das origens do tautismo na própria estética vocal: ressonância, ritmo, inflexão, velocidade da fala, qualidade vocal etc. O padrão Globo de qualidade vocal parece querer sempre comprovar o destino manifesto pelo qual a Globo se vê. 
A estética vocal de apresentadores e locutores sempre parece sugerir o seguinte: “Vejam o que aconteceu, querido telespectador. Assim estava escrito!”.  Como se os apresentadores da emissora apenas confirmassem algum destino há muito gravado com ferro e fogo na pedra da História desde tempos imemoriais.

Retrospectiva tautista

É sintomático que Cid Moreira, a referência vocal da emissora, tenha se tornado um apóstolo bíblico (gravou áudios de leitura da Bíblia para aplicativos de smartphones e vídeos da sua visita a Israel) e anunciou: “Vou levar o evangelho às pessoas até o último dia da minha vida”.
Um exemplo dessa inflexão de voz, por assim dizer, messiânica (o tautismo em delírio metastático) pode ser observada na chamada para a indefectível Retrospectiva 2016, com a voz do ator Milton Gonçalves.
“Nasci em primeiro de janeiro já sob um ataque de mosquitos e fanáticos religiosos”, inicia a fala em tom de voz grave e impostado, com o acento vocal longo em artigos, principalmente “a” e “o”, no melhor estilo patibular de Cid Moreira.
O ano de 2016 já nasceu sob ataques, dando um tom profético do que aconteceria até o fim – “fim de uma era”, “perto de fim posso ver o fim da minha vida”, com voz como que embargada e vibrante, sempre no tom grave próprio da locução de sentenças, destinos e profecias.
É notório como ao longo do tempo as vozes de apresentadores globais vão se tornando cada vez mais grave, patibular, lúgubre e soturna ao longo do tempo na emissora. Seguindo, claro, o padrão canônico Cid Moreira.

Bonner, Waack e o capitalismo de desastre

 
William Bonner é um exemplo. Dos tempos de locutor da Rádio USP FM nos anos 1980 até tornar-se a nova voz da emissora no telejornal nacional da Rede Globo, seu tom assume uma progressiva gravidade na medida em que o projeto político da emissora prevê o abismo para o País – estética vocal obrigatória para narrar o projeto do chamado “capitalismo de desastre” (conceito criado pela jornalista canadense Naomi Klein) que hora se impõe ao Brasil como forma de exploração da crise mediante à renúncia forçada de direitos e conquistas trabalhistas e sociais.
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