2013: o ano em que o País tirou o Diabo para dançar na Primavera que jamais chegou

Em mais um artigo para Cinegnose, Wilson Ferreira fala que cientistas sociais no futuro ainda detalharão e documentarão as Jornadas de junho de 2013, que deram no que que deram

Fotos: Reprodução
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Os quinze primeiros dias de 2020 foram marcados por dois acontecimentos ironicamente ligados no tempo e no espaço, presente e passado: os atos de Movimento Passe Livre em São Paulo (com esperada repressão policial) e o inacreditável vídeo plágio-nazi-Goebbles do demitido secretário da Cultura, Roberto Alvim. Enquanto os protestos no Centro de São Paulo mostravam que o MPL voltou à sua condição inicial, desconhecida para a maioria dos brasileiros, capaz de mobilizar algumas dezenas de pessoas (nada parecido com 2013 em que foi a centelha da explosão de um barril de pólvora), o vídeo de Roberto Alvim apenas tornou explícito por que aquilo deu nisso – o vídeo simplesmente revelou que a “primavera” das chamadas “jornadas de junho” de 2013 jamais chegou: ao invés de um futuro melhor, abriu caminho para a extrema direita. Sem perceberem, as manifestações de 2013 tiraram o Diabo para dançar – basta revisitar os bastidores e a localização geográfica dos usuários das redes sociais daqueles dias inebriantes para percebermos que as primeiras notas da trilha de Wagner do vídeo de Roberto Alvim já estavam sendo tocadas pela guerra híbrida.   Este ano começou com três atos no centro de São Paulo do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da tarifa do transporte público. Bloqueios de policiais com escudos, integrantes do protesto e black blocs tentando invadir estações de metrô, dispersões com bombas de gás lacrimogêneo, coquetéis molotov, faixas negras com os dizeres “R$ 4,40 não dá!” estendidas diante dos policiais, spray de pimenta usados pela polícia para a dispersão, atos de vandalismo, ativistas detidos e levados a distritos policiais... Mas... nada de imagens aéreas ao vivo e extensivas sobre os protestos, nada de a Globo sacrificar comercialmente seu horário nobre para transmitir protestos aos vivos, nada de black blocs fazendo poses épicas e gestos desafiadores para cinegrafistas e fotógrafos. Apenas coberturas jornalísticas resumidas, sem sonoras, reportagens burocráticas e protocolares. E muito menos, matérias com estimativas da PM e do MPL sobre o número de participantes... Nada parecido com um passado recente no qual o MPL produzia manchetes, estava no centro dos holofotes da política e da mídia, produzindo fotos e vídeos icônicos circulando no Facebook e Twitter. Parece que o MPL (fundado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005) voltou à sua condição inicial, desconhecida para a maioria dos brasileiros, capaz de mobilizar algumas dezenas de pessoas para causar apenas aborrecimentos no trânsito e ser ignorada pela grande imprensa. Os sociólogos e cientistas políticos de plantão em junho de 2013, quando o MPL e os protestos contra o aumento das tarifas levaram 100 mil pessoas para as ruas de São Paulo na noite do dia 13 (com violenta repressão policial), falavam em “crise de representatividade dos políticos”, “aumento da percepção da corrupção” e de um governo que não conseguia oferecer serviços públicos de qualidade para a população como educação, transporte e saúde. Por isso, comemoravam o “novo” na política e que “a classe política deveria aprender a lição”. Ao que consta, as questões apontadas em 2013 não só permanecem como pioraram, somadas ao desemprego e depressão econômica. Então, o que mudou? Por que então tudo o que vemos são imagens melancólicas dos atos do MPL nas quais ironicamente vemos mais policiais com escudos do que manifestantes? Por que, apesar de tudo, a conjuntura atual não é mais aquela do “barril de pólvora” (como analistas da época descreviam) à espera da “centelha” em que se transformou a primeira semana de junho daquele ano, na qual um obscuro grupo de estudantes universitários acendeu o rastilho que fez explodir o País? [caption id="attachment_203557" align="alignnone" width="500"] Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil[/caption] “Democracia vibrante” Por quê? Alguns analistas políticos falam algo sobre “ressaca política”, depois de tanta turbulência e polarização que chegaram ao grau máximo em 2018, rachando o País ao ponto de relações familiares, conjugais e de amizades ficarem muitas vezes irremediavelmente estremecidas. Ninguém parece mais querer falar em política, protestos ou atos... cansou! Até as “Jornadas de Junho de 2013”, os únicos protestos comparáveis na história brasileira tinham sido os de até então 21 anos atrás – as manifestações de 1992-93 pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor. Em termos de opinião local e internacional, o País era celebrado até aquele momento como uma história de sucesso - uma democracia vibrante, uma economia latino-americana que crescia a taxas semelhantes às da China, além de ser o "B" no Brics. De que maneira essa conjuntura se transformou de repente num barril de pólvora à espera do fogo do rastilho que transformasse o Brasil em sinônimo de disfunção, instabilidade e crise sistêmica econômica e moral? Cientistas sociais no futuro ainda detalharão e documentarão os eventos daquele ano que... deram no que deram. Acompanhamos diariamente as manchetes: cada notícia, em última instância, tem uma relação causal com aquele ano de 2013 – até mesmo o inacreditável vídeo-plágio-nazi-Goebbles do demitido secretário da cultura, Roberto Alvim. [caption id="attachment_203558" align="alignnone" width="500"] Vídeo de Roberto Alvim: dançando com o Diabo[/caption] Revisitando aquelas jornadas, principalmente pelo ponto de vista de jornalistas e pesquisadores estrangeiros que cobriram os eventos, podemos reunir aqui e ali indícios, sincronismos, coincidências que apontam para uma cadeia de eventos produzida, provocada, incitada ou plantada – o conceito militar de “guerra híbrida”, na época considerada apenas uma “teoria conspiratória”. Mas, hoje, admitida com atraso por cientistas sociais à esquerda como, por exemplo, Jessé de Souza, com o lançamento em março do livro “A Guerra Contra o Brasil”. Revisitando a “Primavera Tropical” Vamos ver alguns desses indícios. “Foi uma surpresa...  Estamos há oito anos nisso. Este ano esperávamos mobilizações... mas não 100 mil pessoas nas ruas!”, disse Douglas Belome, ativista do MPL, ao repórter da agência de notícias Reuters, Asher Levine, em junho de 2013. Em artigo pela Reuters, o jornalista compartilhava essa surpresa: “O Brasil não teve um histórico recente de protestos políticos e vem de um histórico boom econômico na última década” – clique aqui. A reportagem de Asher descrevia como a surpresa dos ativistas do MPL tinha uma relação direta com a gradativa perda do papel de liderança do Movimento depois de quatro manifestações naquele mês. >>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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