Enquanto o jornal Charlie Hebdo foi repentinamente arrancado da crise financeira e da ameaça de fechamento para a condição de “pièce de résistance” da liberdade de expressão ocidental, em São Paulo as costumeiras árvores que caem a cada tempestade de verão também repentinamente foram elevadas da cobertura local aos telejornais diários de rede nacional como o fenômeno generalizado das “árvores-que-caem-e-matam”. O que há em comum nesses dois eventos que dominam a atual pauta midiática? A bomba semiótica diversionista, cujas origens estão nas táticas militares dos campos de batalha desde a Antiguidade. Hoje é a principal arma na luta pela conquista da atenção da opinião pública. Tática manjada e canastrona pelo seu evidente sendo de oportunismo, timing e conveniência. Porém, continua sendo a mais eficiente no desvio de atenção dos problemas reais.
“Aquele que aprender a usar o artifício do diversionismo será um conquistador. Eis a arte de fazer manobras”( Sun Tzu)
Nas táticas militares, o diversionismo é uma das mais antigas. Para ganhar a guerra de Tróia, um comandante grego criou a ilusão de oferecer um cavalo de madeira de presente para distrair o inimigo e afrouxar a segurança. Na Arte da Guerra, Sun Tzu falava em seguir uma rota longa e circular para ludibriar o inimigo e fazê-lo se afastar do caminho.Quando as guerras passaram dos campos de batalha para as mídias (sejam elas as telemétricas e telemáticas que transformaram as guerras em videogames letais, ou então as mídias de massas), tudo transformou-se em uma guerra de comunicação onde os oponentes lutam para decidir o que está na alça de mira do inimigo ou na pauta das discussões na imprensa.
[caption id="attachment_972" align="alignright" width="300"] Norman Mailer: coincidências como "espasmos da realidade" antes de grandes acontecimentos[/caption]
Assistindo ao telejornalismo da grande mídia nesse início de ano assistimos a um verdadeiro surto de táticas diversionistas. Se o escritor Norman Mailer estiver correto ao afirmar que no despertar de grandes eventos sempre ocorrem grandes coincidências como fossem espasmos da realidade, então estamos na iminência de algo significativo. Assistindo a filmes como Mera Coincidência (Wag The Dog, 1997, onde o presidente dos EUA na reta final da sua reeleição envolve-se em escândalo sexual forçando a Casa Branca inventar uma crise internacional para desviar a atenção da opinião pública), percebemos que a essência da tática militar do diversionismo continua presente no contínuo midiático: iludir, desviar a atenção do inimigo do centro estratégico para a periferia das ações.
Charlie Hebdo e as árvores de São Paulo
Qual a relação entre o polêmico e mal contado atentado ao Charlie Hebdo em Paris e a verdadeira contagem diária dos números da queda de árvores em São Paulo que a grande imprensa repentinamente começou a reportar em tons histéricos? Se aproximarmos esses dois fatos que tomam conta da pauta de início de ano, perceberemos que são flagrantes exemplos de táticas diversionistas: tal como Sun Tzu concebia, tática para fazer a opinião pública percorrer uma grande rota em círculo para enganá-la. Charlie Hebdo foi a tática diversionista do “choque das civilizações”: o tema da liberdade laica do Ocidente contra a religiosidade intolerante islâmica. Com todas as sua lacunas e ambiguidades que transformaram em uma história mal contada para, assim, atiçar a curiosidade conspiratória e ganhar ainda mais repercussão (sobre isso, clique aqui), serviu para concentrar os olhos de todos em Paris, enquanto o centro das ações está a alguns milhares de quilômetros ao Leste: o estreito de Bab el-Mandeb, gargalo do fluxo do transporte de petróleo. Região entre o Iêmen e a Somália, ponto de interesse geopolítico na interligação entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico. A conexão entre Charlie Hebdo e um suposto braço da Al-Qaeda no Iêmen é o pretexto para a militarização da região e o controle estratégico do fluxo do petróleo.
Por que o súbito interesse pelas árvores?
Enquanto isso, a grande mídia em São Paulo faz um monitoramento diário inédito da queda de árvores na cidade, suas consequências mortais, prejuízos e contratempos para o trânsito.O que intriga nessa súbita atenção pela queda das árvores, é que elas caem todo verão pela típica ação das chuvas e ventos da estação. Ao longo desses 28 anos que moro na cidade de São Paulo, os transtornos das quedas de árvores nunca mereceram grande atenção midiática, a não ser algumas matérias restritas aos telejornais locais. Isso, apesar do evidente culpa pelo descaso das sucessivas administrações públicas municipais.Mas nesse ano, equipes de reportagem em terra, helicópteros e fluxo de imagens por celulares dos telespectadores ganham amplo espaço nos primeiros blocos de notícias.E de forma inédita, a mobilização e comoção pelas árvores chegam aos telejornais de rede, como um fato de relevância nacional – transformaram-se nas “árvores-que-caem-e-matam”.Tal como nos chamados “ataques do PCC” em 2006 na cidade de São Paulo onde nos telejornais o mesmo ônibus incendiando era mostrado repetidas vezes em ângulos diferentes criando a sensação de incêndios generalizados por todos os bairros, o mesmo efeito é criado na cobertura da queda das árvores: as quedas mais espetaculares são repetidas em diversos ângulos, por diversas edições, criando a percepção de um fenômeno generalizado que se aproximaria das catástrofes meteorológicas como tufões.Por que agora esse interesse pelas árvores?Em tempos ecologicamente corretos marcado pelo etérico conceito de “sustentabilidade”, “árvore” é a bomba semiótica perfeita: assim como o Charlie Hebdo (que caminhava para o esquecimento e irrelevância) se transformou de uma hora para outra em pièce de résistance da liberdade de expressão, a queda das árvores em São Paulo se transformou numa espécie de catalização simbólica – alusão às supostas mudanças climáticas globais (e as tempestades em São Paulo seriam uma amostra disso) combinado com uma hipotética prova da incompetência das administrações de petistas eleitos, assim como o prefeito Haddad.Perfeitas bombas semióticas: são exemplos de como eventos podem ser recortados, editados e encaixados em uma pauta pré-estabelecida nas reuniões dos “aquários” das redações.
A tática diversionista
Por que as “árvores-que-caem-e-matam” se tornaram uma tática diversionista? Simples! As tempestades diárias com as costumeiras inundações estão criando um quadro surreal para os paulistanos: após atravessar enchentes e chegar encharcado em casa, o paulistano abre a torneira e não cai um pingo d’água. Liga o interruptor e as luzes não acendem...As “árvores-que-caem-e-matam” são perfeitos dispositivos semióticos para a municipalização dos problemas da esfera estadual. Falta água por que “chove no lugar errado” (como repetem como um mantra as “moças do tempo” na TV) pois a cidade fica muito quente e por isso só chove na área urbana... esquentam porque não tem árvores... porque estão caindo pelo descaso... e caem nos fios elétricos... cortando a luz... porque o prefeito não está nem aí para o problema das árvores...>>>>>>>>>>Leia mais>>>>>