Em "Ele Está de Volta" o século XXI recebe Hitler de braços abertos

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O que aconteceria se Hitler reaparecesse hoje graças a algum estranho fenômeno temporal que o fizesse escapar da morte em seu bunker em 1945? A resposta que o filme “Ele Está de Volta” (Er Ist Wieder Da, 2015), disponível no Netflix, dá é no mínimo preocupante. Combinando ficção e documentário, o desconhecido ator Oliver Masucci fez uma turnê pela Alemanha – em 300 horas de gravação somente duas pessoas reagiram negativamente. A maioria tirava selfies com Hitler e confessavam sua preocupação com estrangeiros e refugiados que, para eles, estariam destruindo a Alemanha. Borrando a fronteira entre ficção e realidade, Hitler é recebido como um comediante que não consegue sair do papel e vira uma celebridade midiática. Mas embora ninguém pareça estar levando a sério, ele prepara planos para finalmente construir o Terceiro Reich através da melhor invenção que veio depois do cinema: para Hitler, a TV.  

Tanto Hitler quanto Mussolini eram obcecados por cinema. Mussolini chegou a interpretar ele mesmo em uma produção hollywoodiana chamada The Eternal City em 1928. Por isso, muitos historiadores afirmam que suas performances histriônicas e dramáticas em suas aparições públicas tinham um quê de Chaplin, Gordo e o Magro e todos os galãs canastrões do cinema mudo. Uma canastrice estudada e autoconsciente.
Por exemplo, para o historiador Michael Stürmer Hitler foi subestimado: ele parecia ser uma caricatura de alguma coisa que existia antes dele. Por isso, não foi levado a sério no início e todos acreditavam que o frisson nazi “iria passar”. Mas todos acabaram se acostumando com ele, com a sua familiaridade fílmica, para tudo terminar em tragédia com uma nação inteira acompanhando um líder canastrão.
No filme Ele Está de Volta, baseado no best-seller homônimo de Timur Vermes, Hitler reaparece magicamente em um conjunto habitacional em Berlim, ao lado do local onde estava o bunker onde ele teria se matado no final da Segunda Guerra Mundial. Depois de um encontro casual com um produtor de TV, os executivos da emissora começam a elaborar um plano para torna-lo uma celebridade midiática.

Todos acreditam que aquele homem é um comediante que não consegue sair do papel, uma caricatura do antigo Hitler, enquanto ele traça planos para utilizar uma nova mídia que descobre ser mais poderosa do que o cinema: a televisão. O objetivo do diretor David Wnendt não era ser historicamente preciso, mas tomar traços conhecidos da personalidade de Hitler e transformá-los em comédia.
Essa é a parte engraçada do filme, a ficção. Ator pouco conhecido, Oliver Masucci, caracterizado como Hitler, fez uma turnê pela Alemanha para rodar o filme se infiltrando em situações banais do cotidiano alemão em praças, supermercados e parques de diversão. 
Agora, essa é a parte assustadora: surpreendidos com uma réplica perfeita de Hitler em seu quepe e uniforme, as pessoas desandam a tirar selfies com o “comediante” e a confidenciar para ele a bagunça que está o país com os estrangeiros e a invasão de refugiados. Muitos deitam a falar mal dos políticos e da democracia e clamam por alguém que “faça a coisa certa”.
Lembrando o filme Borat de Sacha Cohen, o filme mistura ficção e realidade, atores com anônimos das ruas, e humor com Hitler numa combinação politicamente incorreta. Cada cena do filme parece provar que a Alemanha de Angela Merkel (“uma mulher robusta com o carisma de uma macarrão molhado”, fala a certa altura o impagável Hitler), da crise econômica do Euro e da austeridade estaria pronta para receber um novo Hitler de braços abertos.
E o que é pior: tal como no século passado, todos o veem como um palhaço inofensivo, como uma caricatura de todos os Hitlers encenados pelo cinema, enquanto o verdadeiro Hitler ressuscitado trama a volta ao poder através da TV, seguindo passo a passo as teses do seu livro Mein Kampf
E como fala a certa altura do filme, ele tem um “bom material de trabalho pela frente”: uma sociedade totalmente midiotizada e idiotizada. Para ele, a Direita nunca leu seu livro e skinheads não passam de “fracotes”. Hitler vê na TV a única novidade promissora para finalmente construir o Terceiro Reich.

O Filme

Estamos em Berlim de 2014. Hitler acorda em um terreno baldio, envolto em fumaça, sujo, com uma grande dor de cabeça. Olha para o céu e, surpreendido, não vê aviões bombardeiros cruzado o céu e nem ruínas. Tudo está limpo e organizado. Vê crianças com estranhos aparelhos colados nos ouvidos. Confuso, procura informações de como chegar na Chancelaria e lamenta por não contar com sua esposa, seu amigo Himmler e a SS.
Assustada, uma mãe levando seu bebê joga spray de pimenta nos olhos de Hitler que acaba esbarrado numa banca de jornais, olha para as capas de revistas e toma pé da situação: de alguma forma escapou da morte em seu bunker em 1945 e acordou no futuro.
Fabian Sawatski, um aspirante a produtor de TV demitido de uma emissora de televisão chamada MyTV e que vive às custas de dinheiro emprestado pela mãe, descobre o “comediante” perambulando pelas ruas e vê nele a chance de produzir um vídeo que lhe abriria as portas da TV.
Com um furgão emprestado da floricultura da mãe, Fabian roda a Alemanha com seu insólito artista registrando suas interações com as pessoas. Em mais de 300 horas de filmagem, somente duas pessoas reagiram negativamente à presença do Hitler do ator Oliver Masucci. Todos reagem com emoção e diversão – posam para fotos e executam a famosa saudação com o braço levantado para ele.
Uma mulher confessa a Hitler que todos os problemas da Alemanha estão com a chegada de estrangeiros. Outro homem diz que a chegada de imigrantes africanos está rebaixando o QI do alemão em 20%. E em uma cena particularmente preocupante, Hitler facilmente convence um grupo de torcedores de futebol a atacar um ator que fazia comentários anti-alemães. Para o diretor, a produção não esperava que o Hitler de Masucci convencesse tão rapidamente aquele grupo, colocando em risco a vida do ator e obrigando técnicos e câmeras intervirem imediatamente.

Hitler politicamente incorreto

Enquanto isso, Hitler desfila linhas de diálogo de impagável humor politicamente incorreto. Expressa o choque pela existência da Polônia (“Ainda existe! E dentro da Alemanha!) e manifesta sua aversão à democracia moderna, apoiada pelos anônimos que cruzam seu caminho. Para Hitler, o único partido que lhe inspira simpatia é o Partido Verde porque “defender a natureza é defender a Pátria...”. Quanto à Direita, “não leem e são todos uns fracotes”.
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