Esperando Glenn Greenwald: um réquiem para o jornalismo brasileiro

Greenwald tornou-se o “Senhor do Tempo”, com os prometidos vazamentos em conta-gotas, trazendo pânico para empresários, políticos e, porque não, para os promíscuos jornalistas que se lambuzaram por anos com os vazamentos das fontes na Justiça e Polícia Federal

Fotos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el
O terremoto provocado pelo vazamento de conversas comprometedoras entre o então juiz Sérgio Moro e autoridades da Lava Jato e Polícia Federal está cercado de ironias. O site “Intercept Brasil”, do premiado jornalista Glenn Greenwald, revelou relações promíscuas de Moro ironicamente dias depois do caso do jornalista esportivo Mauro Naves no caso Neymar, outro caso de relações perigosas. Mas Greenwald não revelou apenas a parcialidade da Justiça. Expôs internacionalmente o provincianismo e paralisia do jornalismo brasileiro – foi necessário um “gringo” para abalar a paz de cemitério mantida por jornalistas sabujos com rédeas e antolhos mantidos pelas “famiglias” de proprietários midiáticos. Agora, Greenwald tornou-se o “Senhor do Tempo”, com os prometidos vazamentos em conta-gotas, trazendo pânico para empresários, políticos e, porque não, para os promíscuos jornalistas que se lambuzaram por anos com os vazamentos das fontes na Justiça e Polícia Federal.

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Num modorrento final de domingo (como de costume), depois de uma entediante goleada do Brasil sobre o time de Honduras num amistoso, eis que a paz de cemitério brasileira é interrompida por um terremoto: o site Intercept Brasil colocou no ar as primeiras reportagens com base em enorme quantidade de arquivos provenientes de uma fonte anônima – uma série de dados vazados do Telegram apresentando conversas comprometedoras do então juiz Sérgio Moro com as autoridades da força-tarefa da Lava Jato. Comprometedoras, porque os chats revelam colaboração proibida de Moro com Deltan Dallagnol. Conversas privadas inéditas que revelam que o juiz fez muito mais do que julgar casos da Lava Jato – sugeriu que trocassem as fases da Lava Jato, cobrou agilidade nas operações, deu conselhos estratégicos, pistas informais de investigação, antecipou uma decisão sua aos procuradores, além de dar broncas como fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal. Segundo o premiado jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do Intercept Brasil, o que foi publicado é apenas uma ínfima parte de um conjunto de arquivos (chats, áudio, vídeos etc.) ainda mais extenso do que o do caso Snowden. E certamente a sua declaração, de que a família Marinho é “sócia, agente e aliada de Moro e Lava Jato”, deve ter conhecimento de causa, tendo em vista a dimensão do que ainda vai ser revelado. [caption id="attachment_176721" align="alignnone" width="500"] O jornalista Glenn Greenwald e o ministro Sérgio Moro[/caption] Crime cibernético? E a Globo sentiu o golpe. Primeiro, no domingo, jogou a notícia do vazamento para o final do programa Fantástico, dando todo destaque ao escândalo Neymar. E, no dia seguinte, elevou ao noticiário de rede nacional o caso do assassinato do ator Rafael Miguel e seus pais em São Paulo e o acidente de um ônibus de turismo na serra da Mantiqueira. Ocuparam em primeiro lugar nas escaladas dos telejornais, jogando o vazamento do Intercept para o final como apenas um caso de crime cibernético contra juiz e procuradores. Foi, no mínimo, curioso e constrangedor ver o analista de política Gerson Camarotti na GloboNews tecendo comentários sobre o assassinato do ator pelo pai possessivo da namorada... Em todo esse terremoto político há diversas ironias. Primeiro, acontecer dias depois da suspensão do repórter esportivo Mauro Naves por promiscuidade com a fonte no caso Neymar. A carta aberta dos ex-advogados da modelo que denunciou agressão e estupro do jogador, revelou involuntariamente um modus operandi que não é um caso isolado – faz parte da promiscuidade estrutural do próprio jornalismo da emissora – clique aqui. Segundo, de imediato a Globo reagiu com a narrativa do “crime informático” (em comunicado oficial do Telegram, a empresa ressalta que “não há nenhuma evidência de invasão hacker na ferramenta”, clique aqui), acusando a maneira “ilegal” do vazamento. Como se a Globo, e o próprio então juiz Sérgio Moro, não tivessem usado e abusado dos mesmos dispositivos, seja no grampo das conversas entre Lula e a presidenta Dilma ou nos vazamentos ilegais diários das operações da Lava Jato no telejornalismo global. Ora, se o conteúdo é comprometedor, pouco importa a forma. Afinal, diziam, o País vivia um “momento excepcional”... Sabujos empedernidos Mas a terceira ironia é a mais série e preocupante, dessa vez para o próprio jornalismo brasileiro: toda a crise política começou, há mais de uma década, pela ação do Departamento de Estado dos EUA ao treinar quadros de juízes e procuradores brasileiros no combate à lavagem de dinheiro que, supostamente, alimentaria o terrorismo. Álibi para iniciar uma guerra híbrida que criou, entre outras coisas, manifestações de rua igualmente híbridas. Chegando ao ápice no impeachment de 2016. E, agora, foi necessária outra “ação gringa” para iniciar algum movimento de transformação política em um cenário de verdadeira paz de cemitério – um jornalista norte-americano (premiado com o Prêmio Pulitzer pela reportagem sobre o programa de espionagem da NSA dos Estados Unidos em território brasileiro, em parceria com Edward Snowden) revela com provas toda estratégia para levar à prisão o líder das últimas eleições e mantê-lo em silêncio, deixando livre o caminho para Bolsonaro. >>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.