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OPINIÃO
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“Acho que o PT não tem que fazer o jogo rasteiro que eles fazem. Contra a raiva deles, precisamos vender sorrisos...”. Dessa maneira, Lula jogou um balde de água fria nas pretensões de que a esquerda poderia pensar em uma virada na guerra da comunicação. A entrevista concedida ao blog “Nocaute”, do jornalista Fernando Moraes, foi sintomática por expor dois erros fundamentais em como a esquerda avalia a questão da Comunicação: (a) o poço de lama em que se transformaram as redes sociais seria intrínseco à militância digital – a única maneira de fazer política digital seria por meio de baixarias, porque rende mais cliques e audiência do que a “verdade”; (b) o que ocorreu nas eleições de 2018 teria sido uma novidade tecnológica, cara e bancada ilegalmente. A questão é que não há nada de novo sob o Sol, a não ser a tecnologia digital que turbinou uma descoberta de 70 anos atrás nas pesquisas em Comunicação e que a esquerda insiste em ignorar: apesar de todo poder hegemônico, as mídias não têm o poder em massificar conteúdos – as informações somente circulam na sociedade quando líderes de opinião sancionam conteúdos em suas redes de influência social. Enquanto a esquerda continua na ilusão da massificação a direita domina o campo viral dos líderes de opinião, sejam eles analógicos ou digitais.
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Muito tem se falado do fenômeno global da ascensão do populismo de direita (Brexit, Trump, Bolsonaro, Zelenski etc.) através do domínio tecnológico das estratégias digitais – mineração de Big Data, fabricas de memes, fake news, deep fake etc.
E, mais preocupante, o quanto os seus concorrentes à esquerda ou de centro insistem em se manterem analógicos, sem perceberem como as plataformas de mídias digitais se tornaram o novo espaço público da sociedade. Porém, dominado por ideias anti-iluministas ou anti-humanistas, pelo nacionalismo mais tosco, intolerante, alimentando um total desprezo até pela Ciência e o conhecimento.
A avaliação que a esquerda parece fazer de tudo isso lembra aquela estória do rei que matou o mensageiro que veio de uma terra distante com uma má notícia. Em outras palavras, ainda a simples menção da necessidade estratégica da esquerda compreender o que aconteceu nas redes sociais durante a eleição de 2018 para utilizá-las como meio efetivo para a transmissão de conteúdos progressistas, significaria “fazer o mesmo jogo rasteiro da direita”.
Porém, esta “novidade” na estratégia de comunicação do populismo de direita não é tão nova assim. Na verdade, essa suposta novidade já tem quase 70 anos.
Todo o atual hype em torno da instrumentalização política das mídias digitais, redes sociais e mineração de big data como fosse uma grande novidade, nada mais faz do que amplificar tecnologicamente uma descoberta da sociologia da comunicação no pós-guerra do século XX: a revelação de que na circulação de informações na sociedade a influência social é mais decisiva do que a manipulação direta da propaganda transmitida pelos meios de comunicação de massas.
[caption id="attachment_199233" align="alignnone" width="500"] Paul Lazarsfeld e a influência social na comunicação[/caption]
Divisor de águas na Comunicação
Esse verdadeiro divisor de águas no campo da Ciência da Comunicação veio através das pesquisas do sociólogo com especialização em matemática e métodos quantitativos, Paul Lazarsfeld (1901-1976).
Talvez a questão da comunicação para a esquerda seja um problema ainda mais sério: não se trata apenas de não ter compreendido um fenômeno supostamente novo e inesperado. Na verdade, há no mínimo 70 anos a esquerda vem ignorando aquele divisor de águas proposto por Lazarsfeld que mudou toda a compreensão da comunicação social. Desde a utilização revolucionária do rádio e do cinema pela propaganda nazifascista que culminou com a Segunda Guerra Mundial – voltaremos a esse ponto adiante.
Toda essa reflexão que esse humilde blogueiro começa aqui a fazer foi originada por um verdadeiro balde de água fria jogado pela resposta de Lula dada em uma entrevista feita na redação do blog Nocaute, do jornalista Fernando Moraes – clique aqui.
Uma das participantes, Ana Roxo, perguntou se Lula e PT haviam entendido o que aconteceu nas redes sociais no Brasil durante as eleições de 2018. A resposta não poderia ter sido mais inquietante para um pesquisador em Comunicação: “Acho que o PT não tem que fazer o jogo rasteiro que eles fazem. Contra a raiva deles, precisamos vender sorrisos...”.
E que a batalha da comunicação será vencida com a “democratização dos meios” e com o “apoio aos blogs sujos”.
E parece que está levando a sério essa tese de “vender sorrisos”: em vídeos aparece de chapéu Panamá, bronzeado e camiseta com gola em “V”, semblante feliz, conclamando: “em vez de nos escondermos em casa, temos que ir às ruas!” – semioticamente, há um incômoda dissonância entre a urgência da mensagem transmitida por um protagonista que inspira uma impressão inversa: tranquilidade, estabilidade e felicidade – clique aqui.
Enquanto, ao mesmo tempo, lança o livro organizado por Mauro Lopes “Lula e a Espiritualidade: oração, meditação e militância” com o mote de que “no coração de Lula pulsa a espiritualidade do povo brasileiro”.
Claro, um discurso de espiritualidade ecumênica ao gosto de convertidos (principalmente da “esquerda namastê”) e também motivadora para elevar o moral da militância – perdida desde que Lula foi levado preso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC como prêmio pela Polícia Federal para, mais tarde, Bolsonaro reencarnar o fantasma da ditadura militar.
Onde direita e esquerda se encontram
Nesse ponto, o jornalista Ricardo Kotscho concorda: “num ponto direita e esquerda se encontram (...) em entrevistas e discursos, sem novidades, esquerda e direita se equivalem na mesmice de mensagens, falando para os já convertidos”.
Porém, se cada lado corresponde a um terço do eleitorado, segundo Kotscho, os outros 40% estão esquecidos e nem prestam mais a atenção. É a “maioria silenciosa que decide as eleições que bestificada assiste a esse diálogo de surdos”.
Mas Kotscho cai na mesma cilada de Lula ao falar que o problema de comunicação é de “conteúdo”: para se tornar digital, a esquerda teria que abrir mão de seus princípios e “partir para a baixaria, que é o que rende cliques e audiência na selva da Internet”. Para ele, seria impossível concorrer com o mesmo nível de baixaria de um Bolsonaro Salles, Damares, Weintraub e congêneres.
Depois de um ano da vitória de Bolsonaro por meio das falcatruas digitais já bem conhecidas e alvos de uma CPMI no Congresso, a esquerda continua ou negligenciando a questão da comunicação política ou recitando os velhos mantras conteudistas, sempre pensando como alvo da conquista de corações e mentes entidades abstratas como “povo”, “ruas” etc., para as quais deve ser levada “alegria” para se contrapor ao discurso de ódio da Internet.
A esquerda incorre em dois erros fundamentais:
(a) Matando o mensageiro: mídia digital é baixaria
Acreditar que as baixarias, atrocidades e o ódio incitado por memes, fakes news e deep fakes são intrínsecas às mídias digitais de convergência. Como se não fosse possível domar os algoritmos e fazê-los trabalharem a favor de outros valores ou ideologias.
Exemplos vão desde os aplicativos desenhados exclusivamente para a campanha presidencial de Barack Obama em 2008 (em que a “usabilidade” – imediaticidade visual, controle intuitivo, simplificação de tarefas e clara definição de objetivos – passa a ser o principal quesito de um novo tipo de ativismo político – clique aqui) ou a proposta de um aplicativo de relacionamento para usuários de esquerda, o PTinder – ferramenta importante quando o próprio Lula admite naquela mesma entrevista ao Nocaute que “o PT não tem controle nem dos números de celular de seus milhões de afiliados e apoiadores”.
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