"Novos tradicionalistas" são mão de obra da revista "Veja"

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[caption id="" align="alignleft" width="320"] (Reprodução)[/caption]
Um repórter da revista “Veja Brasília” invade um condomínio em São Paulo disposto a fabricar provas para uma pauta inventada. Pego com a boca na botija, é levado pela polícia, e a família vítima da “reportagem investigativa” faz um BO na delegacia. Além do episódio ser mais uma contribuição à pesada atmosfera política atual (a pauta era sobre uma suposta festa infantil de 200 mil reais pagos em dinheiro vivo pelo ex-presidente Lula), há algo mais: curiosamente, o repórter é um dublê de jornalista e DJ de festas privadas no Lago Sul de Brasília e clubes que fervem na noite daquela cidade. Está para ser feita uma pesquisa etnográfica dos novos tipos-ideais do atual neoconservadorismo. Alguns já podem ser detectados: “coxinhas”, “coxinhas 2.0” e “simples descolados”. E o intrépido repórter da “Veja” pertence a um novo tipo-ideal: os “novos tradicionalistas”.
Tudo começou com uma nota da revista Veja Brasília redigida por um repórter chamado Ulisses Campbell sobre festa em buffet infantil na cidade, de um suposto sobrinho do ex-presidente Lula. O custo da festa teria sido de 200 mil reais pagos em dinheiro pelo ex-presidente. Com os desmentidos feitos pelo Instituto Lula e comprovada a mentira, o repórter foi para São Paulo disposto a produzir provas que sustentassem sua bizarra pauta.
Usando nomes falsos, passou a assediar a família de “Frei Chico”, como é conhecido o irmão de Lula, através de ligações telefônicas como representante do buffet de Brasília ou como estudante da USP fazendo uma suposta pesquisa. Após ameaças de que “publicaria o que quisesse”, invadiu o condomínio da família passando-se por um entregador de livro para obter de uma babá informações sobre horários de chegada dos moradores, além de obter RG e CPF dela.
Tudo terminou em um B.O. registrado pela família em uma delegacia, e o repórter foi localizado pela Polícia Militar após fugir do condomínio.
Não importa a vertente política ou ideológica: temos que admitir que, em termos de técnica jornalística, a atitude do repórter da Veja foi ética e moralmente abominável – para sustentar uma pauta, inventam-se afirmações, arrancam-se declarações a fórceps mediante ameaças, para depois colocá-las no contexto que o redator quiser. Mas nada disso é surpreendente. Deixou de ser escandaloso por já ter-se transformado em modus operandi diário da grande mídia nesses tempos em que ela obrigatoriamente assumiu o papel de oposição política ao Governo Federal, diante de uma oposição parlamentar inepta.
[caption id="" align="alignright" width="292"] Brasil: um caldo sociocultural que está entrando em ebulição[/caption] O mais preocupante de toda essa história é a figura do repórter Ulisses Campbell: de qual ovo ele foi chocado? Esse modus operandi da grande mídia só pode funcionar se ela encontrar uma farta mão de obra de jornalistas dispostos a mandar às favas qualquer lastro ético que ainda resta à profissão. Uma tipologia do neoconservadorismo
Casos como esse de um repórter pego com a boca na botija tentando fabricar “provas” para uma pseudonotícia são apenas a ponta do iceberg de um caldo sociocultural que está sendo gestado já há algum tempo, e que começa a entrar em ebulição com a atual temperatura política.
Está ainda para ser feita uma pesquisa etnográfica da tipologia do neoconservadorismo: os novos tipos ideais, grupos ou tribos urbanas que foram incubados e que agora estão florescendo em uma atmosfera de polarização e radicalização.
Faz-se urgente realizar um verdadeiro inventário dos tipos da fauna humana atual, algo como fez o cartunista Angeli no final da década de 1990 com uma série de tirinhas chamadas “República dos Bananas”: representações cômicas de tipos urbanos cotidianos dos meios culturais, corporativos, privados e políticos – ressentimentos, frustrações, fantasias e mediocridades de todas as classes, como advogados, artistas plásticos, jornalistas e flanelinhas.
Este blog já vem tentando iniciar esse esforço de mapeamento dos novos tipos ideais no neoconservadorismo, traçando o perfil dos “coxinhas”, “coxinhas 2.0”, “simples descolados” etc. – sobre isso clique aqui.
[caption id="" align="alignleft" width="400"] Angeli e a República dos Bananas: tentar descobrir os tipos-ideais do "Brasil profundo"[/caption] Certamente a carreira e estrepolias do repórter Ulisses Campbell apresentam características e sintomas de um novo tipo ideal dentro da atual onda neoconservadora. Poderíamos chama-lo de “Novo Tradicionalista”. Hal Niedzviecki, no seu livro Hello, I’m Special: How Individuality Became The New Conformity, sustenta que o novo tradicionalismo prospera em uma espécie de sensibilidade pós-milênio de que alguma coisa foi perdida na atual sociedade tecnológica – algum propósito ou conexão que a geração anterior possuía e que a atual obviamente perdeu.
Nostalgia por épocas que não foram vividas e o gosto estético pelo retro fazem parte desse novo tipo-ideal que acaba transformando esse inclinação para o passado em pretexto para o reacionarismo e práticas políticas golpistas como únicas formas de combater um contexto atual que, acredita, esteja corrompido. Esses traços podem ser encontrados no destemido repórter Ulisses Campbell, como veremos.

Jornalista e DJ

[caption id="" align="alignleft" width="209"] (Divulgação)[/caption]
O que chama a atenção no repórter “investigativo” Ulisses Campbell é que ele é um dublê de jornalista e DJ nas baladas de clubes e festas privadas nas noites de São Paulo e Brasília. Segundo o próprio repórter, em uma entrevista concedida ainda nos tempos do jornal Correio Brasiliense, após ganhar dois prêmios Esso regionais com matérias sobre prostituição infantil nas grandes cidades e crianças mutiladas em carvoarias, ficou “estressado com o trabalho”. E a partir de 2003 passou a se aventurar na carreira de DJ.
Começou então a ser “super requisitado para festas particulares e o preferido do 'pessoal fervido' do Itamaraty e dos jornalistas baladeiros de Brasília". "Uma vez por mês, Campbell toca no Gate’s Pub, na festa concorrida chamada Cabaret, no sábado”, diz o lead da entrevista de 2006 – clique aqui para ler.
Sua marca é a discotecagem com discos de vinil por ser “um som mais puro e vibrante” e o repertório dos anos 80 e 90 por serem “musicalmente as décadas mais ricas”. E disponibiliza sets musicais completos gravados com LPs para download no SoundCloud.
Um curioso mix de conservadorismo estético, com a prática da reportagem “investigativa” e discotecagem de festas privadas no Lago Sul de Brasília.
Campbell aparece em muitas fotos ao lado da sua coleção de antigos discos de vinis, usando t-shirts com motivos sobre as velhas bolachonas, posando ao lado de pick-ups com vinis coloridos – que até lembram a velha coleção da Disquinho, pequenos vinis dos anos 1970 com histórias infantis.
A marca dos novos tradicionalistas é inclinar-se para o passado para querer entender o presente. Para eles, “tradicional” e “inovação” não são excludentes – estranhamente, ser “cool” é ser tradicional.
[caption id="" align="alignright" width="320"] Ed Motta: um novo tradicionalista que tem horror ao "Brasil feio".[/caption] O cantor e compositor Ed Motta é outro Novo Tradicionalista, com sua coleção de 20 mil vinis organizados em ordem alfabética. É notório também pelo seu apreço a antiquários, objetos e roupas “de bom gosto” do passado, e pelo apego à “gente bonita do Sul”, para onde gosta de ir de avião para fugir do “povo feio brasileiro”.