O autoproclamado presidente José de Abreu e a “Carta Roubada” de Allan Poe

Na noite do dia 25 de fevereiro, José de Abreu se proclamou presidente do Brasil numa série de publicações no Twitter, ironicamente dizendo que seguia o exemplo do líder da oposição venezuelana

Fotos: Reprodução
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Teve repercussão internacional, ele chamou o autoproclamado presidente Juan Guaidó para o debate e o Google o reconhece como presidente do Brasil. Estamos falando de uma perfeita bomba semiótica de trolagem (“culture jamming”): através do Twitter, o veterano ator José de Abreu se proclamou presidente do Brasil e vem postando resoluções executivas tais como convocar Chico Buarque para o ministério e Marcelo D2 se colocou à disposição para o novo governo. Uma trolagem perfeita num momento em que a grande mídia vive a saia justa de tentar dar naturalidade e lógica a eventos arbitrários na atual guerra híbrida no Brasil e Venezuela. O impacto estratégico dessa bomba de trolagem está na semelhança da questão semiótica proposta pelo conto “A Carta Roubada”, de Edgard Allan Poe: o que procuramos pode estar na frente do nosso nariz – na intransitividade dos signos da grande mídia, tão vazios quanto uma nota de três reais. Este “Cinegnose” vem insistindo em postagens e workshops nos quais participa que diante de um contexto de guerra híbrida, no qual a grande mídia combinado com a chamada “cultura de convergência” (redes sociais digitais e dispositivos móveis) têm papel central, as táticas de guerrilha semiótica são as primeiras formas de ativismo político. Se no Brasil foi fácil as táticas de guerra híbrida encontrarem o gatilho cognitivo ideal para chegar ao impeachment de 2016 (a apropriação das manifestações de rua a partir de 2013, antipetismo e polarização da opinião pública), na Venezuela as coisas fugiram ao script. Mesmo depois da mídia corporativa internacional e agências de notícias baterem nos “indicadores macroeconômicos em colapso”, no “aumento da desnutrição” e “regressão epidemiológica” (que, de resto, o Brasil apresenta o mesmíssimo quadro) transformando a Venezuela em “tragédia humanitária internacional” e enquadrar o presidente Maduro como “ditador”, o governo insiste em não cair. A perplexidade é tão grande que o Comandante Sul das Forças Armadas dos EUA, general John Kelly, em entrevista à CNN, apontou explicitamente que o interesse norte-americano na Venezuela é ter o controle sobre as maiores jazidas de petróleo do planeta (clique aqui), mandando às favas qualquer prurido moral. Golpe virtual Como acompanhamos, recentemente, a última cartada foi o líder opositor Juan Guaidó se proclamar presidente da Venezuela: se do lado dos EUA, sem vacilar, as intenções se tornaram explícitas, então do lado midiático o jogo de cena acabou – se o golpe não deu certo, a mídia empossa Guaidó como novo presidente e cria um golpe virtual, contando até com apoio internacional. Para começar, do inacreditável clã Bolsonaro. E o Dia D foi 23 de fevereiro, no qual o auto empossado presidente lideraria a entrada de “ajuda humanitária” pelas fronteiras da Venezuela, através do Brasil. Um Cavalo de Tróia, para colocar dentro daquele país armas e agentes mercenários para tentar desestabilizar o governo Maduro. Esperavam-se soldados desertando para o lado brasileiro e um povo aliviado dando apoio à causa “humanitária”. Porém, nada aconteceu! A não ser a figura do presidente virtual acenando para a claque midiática. Enquanto isso, a grande mídia brasileira vive uma dupla saia justa: de um lado assumiu a missão de dar alguma racionalidade, método ou um mínimo de seriedade nas intenções em um governo brasileiro no qual ministros e generais batem cabeça e falam barbaridades em série; e do outro, dar sua cota internacional de ajuda ao autoproclamado presidente Juan Guaidó e encontrar também alguma racionalidade em um político que repentinamente se autonomeia alguma coisa. A trolagem de José de Abreu Em meio a esse cenário no qual jornalismo corporativo parece ter perdido totalmente o pudor, eis que o veterano ator José de Abreu dispara uma bomba semiótica de trolagem – “culture jamming”, ativismo semiótico de guerrilha que visa romper ou subverter conteúdos midiáticos, expondo suas verdadeiras intenções ou artificialismo. Na noite do dia 25 de fevereiro, José de Abreu se proclamou presidente do Brasil numa série de publicações no Twitter, ironicamente dizendo que seguia o exemplo do líder da oposição venezuelana. “A partir de hoje (25) eu sou o autodeclarado Presidente do Brasil. Igual fizeram na Venezuela. Lula está nomeado chefe da casa civil, militar e religiosa do Brasil”, escreveu o ator. Desde então, publica suas decisões como presidente. Minutos depois, alguém foi à página da Wikipedia no verbete Brasil e mudou a linha referente ao presidente e colocou: “em disputa”, com uma nota de rodapé na qual lê-se que Zé de Abreu é o “presidente interino constitucional”, visto que “a posse de Jair Bolsonaro seria sem efeito”. Sentindo o impacto da explosão dessa bomba semiótica, a mídia corporativa brasileira tenta minimizar seu estrago – enquadra a notícia em editorias como “Celebridades”, “Famosos” ou “Televisão”. Enquanto em sites internacionais a repercussão é como notícia política, como na “Brasil Wire”: “Meet Brazil’s new President: José de Abreu”... clique aqui. Uma bomba perfeita Uma perfeita bomba semiótica de trolagem. Se não, vejamos: >>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

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