Repórter é punido pelo tautismo da Globo (e também um conto de autodestruição)

O que acionou as medidas de autoproteção da Globo foi que o caso expôs a promiscuidade estrutural de jornalistas e diretoria não só com as fontes, mas com as próprias notícias

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O veterano repórter esportivo Mauro Naves foi imolado de forma exemplar, em rede nacional, pela “carta aberta para a imprensa” lida por William Bonner no JN, que anunciou o afastamento do repórter. Naves teria “contrariado a expectativa da empresa com a conduta dos jornalistas”. O problema é que uma outra “carta aberta”, dessa vez dos ex-advogados da modelo Najila (revelando a intermediação do jornalista entre o pai de Neymar e os advogados), alarmou a diretoria da Globo. Não porque contrariou uma suposta expectativa ética da empresa. Na verdade, o episódio revelou ao público o “modus operandi” tautista (tautologia + autismo midiático) da emissora. A Globo vive uma “promiscuidade estrutural”. O caso de Mauro Naves não foi desvio de conduta individual. É decorrência do próprio sistema de comunicação tautista da Globo. Devido à hipertrofia e obesidade sistêmica, todos os acontecimentos devem ser moldados à sua autodescrição interna. E também nessa postagem, um “conto de autodestruição”, como bônus... Inscreva-se no nosso Canal do YouTube, ative o sininho e passe a assistir ao nosso conteúdo exclusivo. O leitor deve conhecer a fábula do escorpião e do sapo. Um escorpião pede para o sapo que o leve nas costas até o outro lado de um rio. O sapo nega. Afinal, tem medo de ser picado pelo aracnídeo no meio da travessia. Mas o escorpião argumenta que jamais faria isso pois, se picá-lo, ambos iriam se afogar. Cedendo ao argumento, o sapo começa a carregar o escorpião, até que no meio do caminho sente a ferroada, condenando os dois. Desesperado, o sapo pergunta o porquê daquilo. E o escorpião confessa: “Esta é a minha natureza, e nada posso fazer para mudar o destino”. Essa sabedoria sombria da fábula pode ser facilmente verificada na decisão da Globo em punir o veterano repórter esportivo Mauro Naves, um “inesperado” efeito colateral envolvendo a crise do caso Neymar Jr, talvez o principal produto esportivo da emissora que não vem vingando há tempos. Desde o naufrágio na Copa da Rússia: a principal atração, que deveria dar o brilho especial na vitrine do jornalismo esportivo da emissora, caiu no ridículo em todo o planeta, transformando-se em memes impagáveis. Naves foi afastado da cobertura esportiva com uma humilhação exemplar e impiedosa, com direito à nota lida por William Bonner em rede nacional no JN. Se na fábula acima, a natureza do escorpião é ferroar, no caso da Globo é ser tautista (tautismo + autismo midiático), não poupando qualquer acontecimento revelando em público essa viciosidade que estrutura o poder global. E esse acontecimento foi uma carta dos ex-advogados da modelo Najila Mendes de Souza, suposta vítima de agressão e estupro que teria sido cometido por Neymar Jr. A carta descrevia que a reunião deles com o pai do jogador teria sido realizada a convite de Mauro Naves. Carta tautista à imprensa Para a “carta aberta para a imprensa” divulgada pelo JN, a atitude de Naves “contraria a expectativa da empresa sobre a conduta de seus jornalistas”. Hipocritamente, a cúpula da emissora pune o repórter pela sua suposta promiscuidade com a fonte, em busca de exclusividade. Como vimos em postagens anteriores (veja links ao final), a Globo sofre do mal que aflige todos os sistemas que se hipertrofiam, segundo pesquisadores das chamadas Teorias dos Sistemas, como Nikas Luhmann, Humberto Maturana e Francisco Varela. Quando sistemas crescem e se tornam complexos, a tendência é a auto-organização e fechamento. Em rápidas palavras: o sistema tende a se fechar ao mundo exterior. Ou melhor, qualquer informação externa é traduzida por uma descrição que o sistema faz de si mesmo. Segundo Varela, formada uma rede fechada (assim como os neurônios que atuam em paralelo uns sobre os outros de forma recursiva), acaba a distinção entre interior e exterior. Não mais existiria distinção entre percepção e alucinação. Apenas, fechamento. A Globo cresceu à sombra da ditadura militar, concentrou o mercado publicitário nos intervalos da sua grade de programação. Concentração que ajudou a emissora construir uma estrutura hollywoodiana de cidades cenográficas, gigantescos estúdios e um “cast” de atores, apresentadores e profissionais caríssimos. E tornou-se um sistema complexo de interesses políticos e econômicos. Em sua complexidade, todo sistema hipertrófico tenta a todo custo manter a homeostase (equilíbrio), prevenindo-se de qualquer informação do ambiente externo que possa desestabilizá-lo. Esse “fechamento operacional” leva o peculiar sistema midiático global a adotar uma postura predatória com as informações provenientes do ambiente externo, como fosse um predador no topo da cadeia alimentar. Paranoia global No caso do jornalismo, a Globo não pode simplesmente se limitar a reportar acontecimentos como fosse apenas uma “testemunha ocular da História”. O jornalismo global deve ser dono exclusivo dos acontecimentos que produzirão notícias – os acontecimentos são imprevisíveis demais para serem apenas reportados. Para a paranoia global, podem se tornar ameaçadores. Por isso, devem ser geridos, gerenciados, controlados, contidos. Em síntese, se tornam tautológicos (confirmam ad eternumo script pré-estabelecido nos “aquários” das redações) e autistas (midiaticamente confirmar autoimagem da emissora). Isso implica que a Globo deve manter uma incessante intimidade e promiscuidade com as fontes das informações. Os exemplos não faltam em todas as áreas do jornalismo da tautista emissora. A forma como Galvão Bueno sempre mostrou intimidade e exclusivismo com Ayrton Senna, Gustavo Kuerten, Hortência, Neymar, Anderson Silva etc. As ligações de todo o departamento esportivo da Globo com a CBF, Conmebol e FIFA. Sem falar nas ligações suspeitas e perigosas de Galvão Bueno e Ricardo Teixeira. Ou ainda, como os diligentes analistas de política e economia da GloboNews como Miriam Leitão, Andreia Sadi, Valdo Cruz ou Natuza Nery fazem questão de salientar exclusividade e proximidade: “liguei para o ministro...”, “O presidente da Câmara me disse...”. Ou, como chamam ministros ou deputados pelo primeiro nome ou por “você”. Repórteres da Globo que namoram ou namoraram políticos tucanos ou até um ex-presidente... bom... é melhor pular esse parágrafo! Promiscuidade estrutural A carta aberta dos ex-advogados de Najila alarmou a diretoria da Globo não porque contrariou uma suposta expectativa ética da empresa com seus jornalistas. O episódio revelou ao público o modus operandi tautista da emissora que nada tem a ver com imparcialidade ou objetividade jornalística. Segundo Daniel Castro, da coluna Notícias da TV do Uol (clique aqui), Naves não pretendia apenas garantir a exclusividade ou o furo de reportagem ao firmar um pacto entre fonte e repórter, passando o contato do pai de Neymar aos advogados. Naves saberia antes de todo mundo que o camisa 10 da seleção estava sendo acusado de agressão e estupro, mas tentou abafar o caso. Naves teria se oferecido como intermediador como uma tentativa de acordo entre a modelo e o jogador. O que acionou as medidas de autoproteção da Globo foi que o caso expôs a promiscuidade estrutural de jornalistas e diretoria não só com as fontes, mas com as próprias notícias. >>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>
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