Trump e Bolsonaro desconstroem a lógica do Papai Noel na Propaganda

Leia no blog Cinegnose: Trump e Bolsonaro ridicularizam não apenas a política, mas a própria Propaganda ao expô-la como uma piada. Um exemplo: a forma proposital como o presidente expõe os currículos fraudados de seus indicados

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Até aqui as estratégias de comunicação da chamada “direita alternativa” vêm sendo bem-sucedidas. Fala-se muito no poder de eleições viciadas, cheias de aplicativos, robôs e fake news com postagens automáticas em grupos de Whatsapp e mineração de dados pessoais de usuários de redes sociais. Porém, essas ferramentas somente são potencializadas através de uma deliberada desconstrução do campo da Política. Principalmente de duas instituições que são a alma dessa esfera pública: a Propaganda e a Publicidade – através de discursos hiperbólicos cheio de pegadinhas e iscas para jornalistas fisgarem, desconstrói o seu núcleo: a “Lógica do Papai Noel”. A eficácia da Propaganda e Publicidade sempre esteve muito menos na persuasão e muito mais na fábula e adesão. Trump e Bolsonaro ridicularizam não apenas a política, mas a própria Propaganda ao expô-la como uma piada. Um exemplo: a forma proposital como o presidente expõe os currículos fraudados de seus indicados.

Em 2014 esse humilde blogueiro teve a oportunidade de assistir a uma palestra com um CEO de Estratégias de Comunicações e Marketing Corporativo da Hitachi Data Systems. O tema era “Marketing Digital, Comunicação B2B, Big Data/Dark Data e o impacto no Profissional de Marketing e Comunicação”.

Uau!!! O título do evento parecia alguma coisa como a “Teoria de Tudo”... Os mundos futuros que o CEO descrevia pareciam tornar as denúncias de Edward Snowden sobre a espionagem digital da NSA fichinha: um novo mundo onde o marketing estimulará a produção de novos produtos e serviços a partir da forma inteligente de armazenar dados sobre tudo e todos através da chamada internet das coisas (sistema global de registros de bens em um sistema wireless e nanotecnologia) - o desafio do armazenamento e análise estratégica de dados para encontrar pistas do comportamento e confiança do consumidor, geolocalização e padrões de tráfego que podem auxiliar no planejamento do negócio – clique aqui.

A fé e entusiasmo do alto executivo na livre iniciativa e pragmatismo comercial eram impressionantes – o pesquisador canadense Arthur Kroker chamava isso de “Capitalismo Pentecostal”. Para ele, tudo moralmente bom, porque voltado para o lucro. Via tudo com positividade, assim como Justin Rosenstein, o inventor do botão do “curtir” no Facebook, que inocentemente pretendia “espalhar positividade pelo mundo”. Mas tudo o que conseguiu foram comportamentos de usuários entre a depressão e a viciosidade por trás do lucrativo mercado da “Economia da Atenção”.

Esse blogueiro mal sabia que estava assistindo ao início de uma brutal mudança no paradigma de engenharia social e política: dois anos depois, assistíamos a antessala da destruição da democracia liberal – a manipulação de algoritmos, Big Data e psicometria que deu a vitória à campanha do Brexit. E, no mesmo ano, a vitória da campanha de Donald Trump, sob os auspícios da mineração ilegal de dados privados de usuários pela Cambridge Analytica.

E em 2018, o Brasil entra no admirável mundo novo da erosão da Política com a vitória de Bolsonaro com a luxuosa assessoria de Steve Bannon e seu movimento internacional alt-right assentado nas ferramentas dessa nova engenharia social.

A Política e a Democracia nunca mais serão as mesmas. 

Fazendo um rescaldo dessa catástrofe planetária, o que assistimos foi um autêntico movimento de desconstrução pós-moderna da Política (no sentido dado por Lyotard e Derrida, como vimos em postagem anterior – clique aqui). 

Campanha milionária não dá voto

Para começar, desconstrução começou primeiramente com a questão do dinheiro: campanhas milionárias ganham uma eleição? Trump e Bolsonaro provaram que não: Trump venceu as eleições investindo apenas a metade dos gastos da sua principal adversária, a democrata Hillary Clinton.

No Brasil, as coisas foram mais radicais: Bolsonaro, com apenas 8 segundos na TV e gastando R$ 1,2 milhões, conseguiu 49 milhões de votos. Enquanto Geraldo Alckmin gastou R$ 51 milhões e o maior tempo na TV, ficando com pouco mais de 5 milhões de votos.

Claro, o leitor poderá dizer que a figura “picolé de chuchu diet” de Alckmin não ajudou muito e que foi uma eleição viciada, cheia de aplicativos, robôs e fake news com postagens automáticas em grupos de Whatsapp.

Porém, uma eleição desconstruída a partir da nova engenharia social: a hegemonia das estratégias de viralização sobre as de massificação – a aplicação na política dos princípios mercadológicos descritos por aquele CEO da palestra.

Mas há um segundo movimento de desconstrução, acredito que mais radical porque atinge o próprio núcleo da instituição da Propaganda e da Publicidade na esfera pública política.

A eficácia da Propaganda e da Publicidade nunca foi uma questão de poder de condicionamento pela repetição ou da lógica do convencimento mediante provas. Mas foi, principalmente, uma questão da lógica de fábula e adesão.

A Lógica do Papai Noel

O pensador francês Jean Baudrillard chamava jocosamente essa lógica de “Lógica do Papai Noel”. Ele via na Propaganda e na Publicidade muito mais uma lógica da fábula, semelhante o que as crianças fazem com seus mitos sem se interrogar sobre a existência deles.“A crença no Papai Noel é uma fábula racionalizante que permite preservar na segunda infância a miraculosa relação de gratificação pelos pais (mais precisamente pela mãe) que caracteriza a relação da primeira infância. (...) se fundamenta no interesse recíproco que as duas partes têm em preservar a relação. O Papai Noel em tudo isso não tem importância e a criança só acredita nele porque no fundo não tem importância.” (BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos, São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 176).

A Propaganda e a Publicidade funcionariam pela mesma lógica: nem slogans, textos ou informações são decisivos para a compra – seja mercadológica ou de discursos políticos. As pessoas não acreditam em Propaganda e Publicidade mais do que acreditam em Papai Noel. Então para quê elas servem? Para racionalizar a compra ou o voto. 

“Portanto ele não ‘acredita’ na Publicidade mais do que a criança no Papai Noel. O que não impede de aderir da mesma forma a uma situação infantil interiorizada e de se comportar como ela. Daí a eficácia bem real da Publicidade, segundo uma lógica, apesar de não ser do condicionamento-reflexo, não é menos rigorosa: lógica da crença e da regressão”, conclui Baudrillard. 

Slogans e toda a retórica publicitária nada mais seriam do que Papais Noeis oferecidos para o consumidor/eleitor criar uma “desculpa” a si mesmo e aos outros do porquê da aquisição. Um motivo nobre (acabar com a corrupção, com a pobreza etc.).

Em outras palavras, a instituição da Propaganda e a Publicidade funciona por meio de uma lógica cínica: elas fazem de conta que levam a sério e acreditam nos enunciados vendidos, enquanto o eleitor/consumidor finge que crê nas promessas políticas e de consumo. Funcionam como álibis para outros motivos menos confessáveis e, por isso, invisíveis nesse pacto: compulsão e viciosidade (sociedade de consumo); raiva e ressentimento (eleições).

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*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum