Trump X Biden: a desconstrução pós-moderna de um debate político

Trump foi o grande “vencedor” do debate porque a “magia do caos” é o fio condutor de uma estratégia “desconstrutivista” que vai muito além da mentira ou das “fake news”

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Toda a desconstrução pós-moderna de Wittigenstein, Lyotard e Derrida ironicamente se transformaram em “pratical joke” nas estratégias semióticas da chamada “direita alternativa”. É o que foi mostrado ao vivo, como uma espécie de show metaliguístico de desconstrução de um debate político: o tão aguardado debate entre o republicano Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden.Trump foi o grande “vencedor” porque a “magia do caos” é o fio condutor de uma estratégia “desconstrutivista” que vai muito além da mentira ou das “fake news” – orienta-se pelo fenômeno da pós-verdade na qual a comunicação e a linguagem foram pulverizados em jogo e performance. O caos semiótico metodicamente criado através de cinco estratégias: Comunicação Indireta, Técnica de Dissociação, Desautorização do Interlocutor, Roll Over e forçar ao limite os pontos fracos das regras.

“Tempos interessantes” era uma maldição chinesa, atribuída a Confúcio, em que significava profetizar tribulações, agitações e mudanças. Certa vez, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello encerrou uma ação penal afirmando que “tudo é possível porque os tempos são muito estranhos”, certamente parafraseando a máxima chinesa. Só que num tom acima.

Tempos em que os sinais parecem trocados, nos quais os significantes parecem deslizar metonimicamente, sem mais lastros ou correspondências em significados. Tempos em que, por exemplo, o militar e evangélico alucinado Cabo Daciolo foi eleito deputado federal pelo PSOL, um partido supostamente de esquerda, em 2014. Tempos em que uma emissora como a Globo (que por décadas, na sua teledramaturgia, shows e entretenimentos, mostrou um país no qual negros e classes subalternas não tinham lugar) de repente dá visibilidade a movimentos sociais e identitários.

E também tempos em que a grande mídia, depois de anos de jornalismo de guerra baseado na destruição sistemática de reputações, quer liderar uma cruzada contras as “fake news” e celebra parcerias com “agências de checagem” de notícias. 

“Globo lixo!” é agora um slogan também da extrema-direita e as teorias conspiratórias em torno da Globalização e Nova Ordem Mundial, no espectro político, deslizaram da esquerda para a direita.

O velho Brizola pressentia esses “tempos interessantes” e vaticinava: “Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem: se a Rede Globo for a favor somos contra. Se for contra, somos a favor”.

São discursos cujos signos se tornaram voláteis como fossem apenas peças intercambiáveis e intransitivas – não transmitem mais significados porque parecem bastar a si próprios, sem mais a necessidade de objetos para lastrear o sentido.

Ao mal-estar desses tempos interessantes e estranhos definiu-se como “pós-moderno”. Alguns dos seus principais teóricos, como Lyotard e Derrida partiam da hipótese da “desconstrução” na produção do conhecimento e do método científico.

Retomando o pensamento lógico de filósofos como Wittigenstein, reduziam o conhecimento e a noção de verdade ao jogo de linguagens, à pragmática da comunicação que firma os vínculos sociais. Para eles, perguntar se um enunciado é falso ou verdadeiro não tem mais sentido para o sujeito pós-moderno. A questão é outra: saber se o enunciado tem legitimidade pela sua operacionalidade dentro de um sistema, pela sua performance. Ou seja, o enunciado “funciona”? Se sim, então ele é “verdadeiro”. 

O consenso não reside mais na verdade do enunciado (seja ele ético ou moral) mas na aplicação pragmática das ideias, na sua comunicabilidade, ou se quiser, na sua “credibilidade”. A noção de “Verdade” cede lugar aos jogos de linguagem com ideias e conceitos desconectados do mundo empírico. Mais ainda, apenas legitima conhecimentos e decisões dentro de um mercado comunicacional – leia LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998 e DERRIDA, Jacques. Margens da Filosofia. Campinas, Papirus, 1991.

Contextualizar o debate

Este humilde blogueiro fez essa longa introdução para contextualizar o tão aguardado primeiro debate entre Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden, realizado nessa terça-feira (29) diante das câmeras da rede Fox News a 35 dias das eleições presidenciais.

A grande mídia vem apontado que o resultado foi “caótico”, “confuso” e que as regras dos próximos debates deverão ser mudadas. Tudo para segurar a metralhadora giratória de Trump: o presidente não parava de falar, avançando sobre as falas do seu rival e até em cima das falas do moderador, o veterano jornalista Chris Wallace – aos 71 anos, era o mais novo entre os debatedores.

Trump foi o grande “vencedor” porque a “magia do caos” (sobre esse conceito, mais profundo por conectar a política alt-right com movimentos esotéricos, clique aqui) é o fio condutor de uma estratégia “desconstrutivista” que vai muito além da mentira ou das “fake news” – orienta-se pelo fenômeno da pós-verdade na qual a comunicação e a linguagem foram pulverizados em jogo e performance. Encontrar pontos fracos e empurrá-los ao limite, até encontrar a intransitividade de qualquer regra, da linguagem e comunicação à eleitoral.

E isso não uma genialidade de Donald Trump. 

Trump teve no ex-produtor de Hollywood e chefe da plataforma da direita alternativa Bribert News, Steve Bannon, muito mais do que o estrategista da campanha presidencial vitoriosa em 2016. Bannon treinou Trump dentro do modus operandi da cultura alt-right de membros de sites como AltRight.com, Alternative Right e Infowars, além da “habitus” da geração NEET (Not Currently Engaged in Employment, Education ou Training) de comunidades on-line como o 4chan.

Essa, digamos assim, “cultura” (Bannon aspira criar uma universidade alternativa para formar cidadão conservadores, cuja sede seria na Itália – novamente, por fatores esotéricos – clique aqui) ironicamente realiza na prática os diagnósticos de “desconstrução” da linguagem e da hermenêutica Ocidental feitos por Derrida e Lyotard.

Se o fenômeno pós-moderno foi o impacto na superestrutura cultural decorrente das alterações radicais ocorridas na infraestrutura econômica e produtiva da sociedade (flexibilização, informatização, financeirização, globalização), o fenômeno alt-right é a decorrente desconstrução que agora alcança a democracia liberal, começando pela comunicação política – coisa que nem o melhor propagandista nazi-fascista do século XX poderia imaginar.

Desde os primeiros minutos do debate, Trump abriu sua caixa de ferramentas semióticas de desconstrução/manipulação – quatro estratégias bem definidas que se sucedem em relação causa-efeito: Comunicação Indireta, Dissociação, Desautorização do Interlocutor, Roll Over e Forçar Pontos Fracos das Regras. Essas cinco estratégias transitam nesse novo campo aberto pela alt-right: a Pós-verdade.

(a) Comunicação Indireta

Técnica em que o emissor não quer falar nem com o espectador e muito menos com o interlocutor. Seu alvo é a “maioria silenciosa”, os não-convertidos: aqueles que não compõem o “núcleo duro” de nenhum dos lados.

Para entender essa estratégia, um exemplo didático é o filme Obrigado Por Fumar (2005). Nele vemos uma sequência em que o porta-voz da indústria do tabaco, Nick Naylor, dá uma pequena aula de relações públicas para o seu filho Joey. 

Sentados no quiosque em um movimentado calçadão conversam: “Convença-me de que o melhor sorvete é o de chocolate”, desafia Nick. “Eu acho que é o de baunilha!”, completa. “Mas você não me convenceu!”, reage Joey. “É por que eu não estou falando com você, estou falando com eles...”, diz Nick apontando para as pessoas ao redor.

Repare, caro leitor, enquanto Joe Biden o tempo todo se dirigia diretamente ao espectador (“E você? Está faltando alguém na mesa da sua cozinha?” – indagava Biden ao espectador que perdeu familiares na pandemia), Trump endereçava suas frases a um receptor genérico – “Vejam... ele não encontra palavras para terminar!”, “Percebam”, “Olhem...”.

Enquanto o destinatário de Biden estava na segunda pessoa, para Trump seu espectador era uma terceira pessoa do plural. 

Trump, assim como Bolsonaro (Brasil), Viktor Orbán (Hungria), Matteo Salvini (Itália), sabem que a polarização política cria o fenômeno da maioria silenciosa – excluindo as terças partes dos convertidos, o restante forma a massa silenciosa, conquistada pela “magia do caos”.

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