Livro TV Digital

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Fruto da minha Dissertação de Mestrado em Mídia Cultura, o livro aborda os aspectos relativos à recepção de produtos ficcionais na TV Digital em uma sociedade em rede.

O texto é dividido em seis capítulos, nos quais são discutidas algumas hipóteses referentes ao ato de recepção dos produtos audiovisuais na TV Digital e os aspectos ligados à sua produção e comercialização.

O texto foca a questão da tecnologia da informação, a convergência entre as mídias e a interação entre homem e máquina.

Transfere para o espectador da TV Digital as mesmas características dos três tipos de leitores do ciberespaço apresentados por Santaella (2004), sublinhando habilidades e competências necessárias para se navegar no ciberespaço que poderão ser requisitadas para a recepção dos produtos audiovisuais da TV Digital.
Analisa também, os aspectos da recepção, ampliando o conceito de leitor para além do leitor apenas de palavras e traça as linhas teóricas da Estética da Recepção.

Por fim, é apresentado e analisado o Projeto Brasileiro de TV Digital, assim como, segundo Barbero & Rey (2001), a hegemonia do audiovisual na sociedade contemporânea e a tendência da fragmentação da audiência pelos novos dispositivos tecnológicos como alternativa contra esta hegemonia.

Prefácio do Livro
Por :Edgard Rebouças

São as lógicas sociais que determinam as mudanças tecnológicas? Ou são as lógicas da tecnologia que determinam as mudanças sociais? Tal questionamento vai muito mais além do que os infindáveis debates sobre ovos e galinhas. Há algumas poucas décadas pesquisadores do campo da Comunicação têm se aventurado, se encantado, se desiludido, se batido e até se mordido diante de tal enigma lançado pela Esfinge da busca científica. Para quem estiver começando a ler este livro com a intenção de encontrar tal resposta, um alerta: desista logo neste primeiro parágrafo! Aconselho até a dar uma olhada ao longo da prateleira que se segue desta mesma estante na livraria ou biblioteca onde estiver. O que não faltam ai ao lado são gurus de plantão, futurólogos de ocasião ou conselheiros de auto-ajuda para aqueles que só querem se iludir confirmando conclusões pré-fabricadas.

Tenho orgulho em ver que, neste livro, Francisco Machado Filho não se deixou cair na armadilha das belas sereias. Muitos navegantes, com mais mares percorridos, não tiveram a mesma sorte... ou a mesma força de vontade. Orgulho maior ainda, por ter podido acompanhar de perto ou de longe, ao longo dos últimos 10-11 anos, a evolução e o amadurecimento deste pesquisador meio mineiro-capixaba-paulista..., que todos conhecemos mais como Kiko.

Tratar do tema TV digital é um desafio para qualquer pesquisador. O objeto é fluido, escorregadio, mutante. Ainda mais que envolve questões não somente tecnológicas, como também políticas, econômicas, sociais e culturais. O mais interessante neste livro, é que Francisco Machado, digo, Kiko, conseguiu pincelar todos estes aspectos, abrindo uma porta de observação e análise mais voltada para a recepção; não somente para os processos de produção e distribuição que vêm sendo levantados – muitas vezes rasteiramente – por sistematizadores da nossa área.

Principalmente ao longo do recente período de estabelecimento do modelo de TV digital a ser adotado no Brasil, é instigante observar como Kiko não se deixou levar pelas armadilhas da conjuntura, e soube navegar pelas idéias e/ou especulações lançadas por Marshall McLuhan e Manuel Castells, passando por Lúcia Santaella e Steven Johnson, chegando a Jesus Martín-Barbero, para amarrar a análise de suas inquietações.

Interessante também observar como esse aficionado em cinema utiliza seu conhecimento apurado para ilustrar com exemplos de David Griffith, Sydney Pollack, Steven Spielberg, Sidney Lumet e Stanley Kubrick, o que pretende mostrar em relação aos novos usos da produção audiovisual.

Ao longo dos anos 80 e 90 alguns pesquisadores europeus e canadenses se voltaram para observar as mudanças ocorridas nos meios de comunicação a partir das instabilidades sociais, econômicas e políticas geradas com a crise do petróleo. Suas análises avançavam além dos conceitos ético-filosóficos lançados pelos frankfurtianos e chegavam a uma nova configuração das indústrias culturais. Não havia ainda a discussão em torno da televisão digital, mas os fenômenos ligados às mudanças nos modos de produção e distribuição de setores como o livro, o disco, o rádio, a televisão (generalista ou por assinatura), a imprensa e o cinema, careciam de novos parâmetros teóricos e metodológicos de observação e análise. A conclusão foi a de que as lógicas sociais estão sempre diretamente ligadas aos fenômenos tecnológicos, não como fator determinante ou determinado, mas como parte de um processo.

Quando Kiko diz que após uma grande procura não encontrou publicações que se propunham a analisar as questões relativas à recepção da TV digital sob o ângulo do receptor, não quer dizer que não procurou no lugar certo, mas que realmente não há estudos mais profundos sobre o tema. O que se encontra são textos isolados com destaque nos processos de produção e de distribuição. Mesmo não sendo um especialista nos processo de recepção, tenho que concordar que a TV digital mudará completamente o modo de se fazer e ver televisão. No entanto, os produtores não estão dando a devida atenção a isso, se concentrando na qualidade da imagem e do som, pouco se preocupando com os desafios dos conteúdos e das linguagens.

Outro ponto que tem ficado intencionalmente de fora, e neste livro podemos confirmar isso, é a necessidade de uma regulamentação específica para esta nova realidade. A adoção de um modelo – qualquer que seja – sem o estabelecimento de um marco regulatório para o setor das telecomunicações, associado aos setores da radiodifusão e do audiovisual, só faz confirmar a existência de uma política da não política. Um estado de anomia que só favorece ao fortalecimento da corporocracia em detrimento de uma sonhada democratização das comunicações.

Quanto aos usos, o que pode ser observado quando analisamos outras “novas” tecnologias é que as lógicas de apropriação dos receptores não são nada previsíveis. É o que vem ocorrendo no mundo games, onde uma nova geração dotada de inteligências múltiplas começa a chegar à idade adulta carregada de elementos da modernidade líquida, com relacionamentos líquidos, valores líquidos e realidades abstratas. Se isso é bom ou ruim, ainda não há respostas. E o que dizer dos jovens de várias periferias pelo país que lotam as lan houses não apenas para se hiponotizarem diante de jogos cada vez mais violentos, mas para navegarem na internet e saírem da invisibilidade por meio dos orkut, msn, skype...

O que acontecerá com a TV digital? As pessoas vão assistir à novela de uma forma diferente? Vão interromper o Jornal Nacional para acessarem a um hipervídeo com o histórico do PCC? E o que vai acontecer com a publicidade? Tudo tende a passar por uma grande mudança comportamental que vai envolver os modos de produção, de distribuição e de consumo dos bens culturais.

Como outro grande amigo, Vicente Gosciola, fez em seu livro de 2003, Roteiro para as novas mídias, publicado pela editora Senac; Francisco Machado lança aqui um olhar aprofundado nesse universo que se abre para os próximos anos. Foi ousado em tratar de tal temática em uma pesquisa de mestrado, defendida na Universidade de Marília no início deste ano, e mostrou que tem competência para alçar vôos mais altos em uma futura – espero que em breve – pesquisa de doutoramento.

O que deve ficar claro, e isso Kiko soube mostram muito bem, é que, independentemente da “nova” tecnologia adotada, o grande abismo econômico-cultural-político-sócio-psico-tecnológico só tende a crescer ainda mais nos próximos anos. Nosso papel como observadores e analistas de tal fenômeno tem que ser, mais do que nunca, redirecionado para colaborarmos para que a sociedade não seja pega de surpresa. Que não se encante com as maravilhas tecnológicas, que, por traz das promessas de uma dita “sociedade da informação”, não conduz ninguém a uma necessária sociedade do conhecimento, pouco menos a uma sociedade de saber, mas a uma sociedade cada vez mais hegemônica de poder.


Edgard Rebouças*
Recife, “inverno” de 2006.

*Jornalista, doutor em Comunicação Social, professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, membro do Groupe de Recherche sur les Enjeux de la Communication (Gresec) da Université Grenoble 3, coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas e Estratégias de Comunicações da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e co-editor da Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação.



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