A morte de João Pedro e o racismo estrutural que mata tanto quanto o fuzil

É hora dos brancos assumirem sua responsabilidade sobre o racismo que leva, diariamente, a vida de crianças e jovens negros

João Pedro (Foto: Reprodução)
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Quando Ágatha Félix, de 8 anos, morreu baleada no Complexo do Alemão em setembro do ano passado, eu chorei. Mesmo sem ter um filho negro. Mesmo sem ser uma mãe negra. Sem ser uma mãe do complexo. Sem ser uma mãe sem chão.
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Hoje foi a vida de João Pedro, 14 anos, no Complexo do Salgueiro. Não consegui chorar o nó na garganta. Hoje senti raiva, indignação, uma náusea. Mesmo sendo uma mãe branca. Uma mulher privilegiada. Que estudou. Come. Tem trabalho, escola pra molecada, rede de apoio.
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"Não é meu lugar de fala" tem virado muleta. Passa da hora, cara gente branca, da gente tomar consciência e fazer o mínimo. De saber que a culpa não é somente de um governo que mata, como o do Wilson Witzel. Nem só da necropolítica de homens como ele e o presidente da república, Jair Bolsonaro. Não apenas desses policiais.
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A responsabilidade é de todos nós. Não dá mais pra ser imaturo de achar que é exagero e depois usar a hashtag "somos todos João Pedro" achando que tá fazendo bonito.
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Não. Nós não somos Ágatha, nem João Pedro. Não somos Kauã, Kauan, Kauê, Victor, Jenifer, Marco, Yuran - crianças e adolescentes mortos em tiroteios no Rio entre 2019 e 2020.
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Não sabemos o que é a dor dessas famílias. Nem hoje, na morte, nem no luto diário, nas perdas que elas enfrentam.
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Se tem uma coisa que nós, brancos, somos é responsáveis. Pela manutenção do racismo estrutural, da desigualdade que mata as crianças e adolescentes negros muito mais que nos tiroteios.
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Responsabilidade daqueles que seguem repetindo que "podia ter sido qualquer um".
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É responsabilidade de quem, com seu voto, leva ao poder homens que endossam barbáries como essa. Gente ligada à milícia.
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Quando Ágatha morreu a sensação de impotência e violação que borbulharam em mim me fizeram crer que o tiro que matou aquela menina fez sangrar uma ferida aberta do nosso país. Que sangrou de novo hoje.
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Enquanto continuarmos a fingir que não é conosco, enquanto não curarmos essa dor ancestral, teremos sempre esse fuzil apontado pras nossas crianças. Pronto pra disparar.