DIÁRIO DA CHINA

Minha experiência com a política zero-covid do governo chinês

Como tem sido para uma brasileira governada por um presidente negacionista e sádico seguir os protocolos sanitários da China para o enfrentamento à pandemia

Créditos: Xinhua - Exército de funcionários do governo chinês no enfrentamento contra a Covid-19
Créditos: Acervo pessoal - O segundo sinal verde para embarcar para a China
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Como brasileira, minha experiência com o enfrentamento à pandemia da Covid-19 é de verdadeiro horror. Vivenciei o negacionismo de um presidente inapto e cruel, que desacreditou a gravidade do coronavírus e chamou a doença de 'gripezinha" em cadeia nacional, fez chacota das pessoas doentes e com falta de ar, boicotou a compra das vacinas e acredita que a economia deve estar acima da vida humana. Além de muitos outros absurdos que nem cabem neste texto.

Eu, por uma mistura de sorte, privilégio de poder trabalhar de casa e não precisar encarar transporte público e autocuidado, nunca tive covid. Tão logo as vacinas ficaram disponíveis, eu me imunizei. Sempre usei máscara, mesmo quando o governo da minha cidade, Brasília, a capital brasileira, encerrou a pandemia por decreto, segui adotando as medidas sanitárias.

Um dos requisitos para participar do programa do governo chinês para jornalistas estrangeiros que me trouxe até a China era estar devidamente imunizada, me submeter a vários testes de covid e aderir às normas sanitárias em vigor no país.

Meu primeiro teste PCR foi feito em um laboratório em Brasília no dia 15 de julho: negativo. O segundo teste foi feito em uma instituição no Aeroporto Internacional de Guarulhos: negativo. 

Com os dois laudos negativados e uma série de documentos, entre eles o agendamento do teste PCR duplo que deveria fazer em Amsterdam, submeti tudo a uma plataforma on-line do governo chinês que avalia cada um dos viajantes para emitir um sinal verde em formato de QR Code. Há uma equipe de plantão na Embaixada da China no Brasil que escrutina todas as informações. É um processo um pouco complicado, mas contei com a preciosa ajuda da equipe da diplomacia que tem me acompanhado na viagem e passei por essa primeira fase.

Em Amsterdam,  mesmo com o meu voo marcado para às 19h40, às 6h30 eu já estava no Aeroporto Internacional de Schiphol. Eu pernoitei em um hotel na região do aeroporto para não correr o risco de atraso nem tampouco me contaminar num país que já acabou com a pandemia mesmo com variantes da Ômicron correndo soltas.

Fiquei bastante mal impressionada com tudo o que vi no aeroporto. Por lá não existe mais pandemia. Pouquíssimos passageiros - pessoas do mundo todo - usavam máscaras e os funcionários se mostraram extremamente grosseiros e desinformados. Cheguei a ir às lágrimas por não conseguir acessar a área de embarque onde deveria realizar o meu teste duplo de covid previamente agendado. Foi a chave para um imigrante de África que trabalha no local se solidarizar comigo e me ajudar.

Ele me conduziu a um local para guardar as minhas bagagens e me orientou até o laboratório, onde fui extremamente bem-recebida e acolhida e consegui fazer o teste duplo. Em menos de três horas recebi o resultado negativo, novamente submeti a documentação à plataforma do governo chinês que monitora a saúde dos viajantes e em poucos minutos a Embaixada da China na Holanda (informada de que eu estava em trânsito) já tinha emitido meu segundo sinal verde.

Feito o check in e o despacho da bagagem, fiquei horrorizada com a fila gigantesca para acessar a área de segurança e desembaraço alfandegário: a maioria das pessoas sem máscaras e um grotesco festival de perdigotos e narizes escorrendo. 

Finalmente no meu portão de embarque, parecia estar em um outro mundo. Todos os passageiros e equipe de terra com máscaras. Mais uma vez precisei mostrar o meu QR Code verde e tive que preencher um formulário via WeChat (o WhatsApp da China) sobre meu estado de saúde. No avião, a tripulação usava macacão, face shield, máscara e luvas. Máscaras só eram retiradas para beber água ou comer.

Ao aterrissar em Chengdu, fui uma das primeiras a desembarcar da aeronave, junto com dois diplomatas, um deles acompanhado da esposa e do filho pequeno. Um ônibus nos conduziu para uma área de triagem. Minha temperatura foi medida, fiz outro teste de covid e apresentei meu formulário de saúde preenchido ainda no avião. Todos os funcionários usavam macacão, face shield, máscara e luvas. Nas costas há adesivos que identificam a função dessas pessoas. 

Depois de passar pela área de alfândega, peguei minha bagagem e fui conduzida para um ônibus rumo ao hotel de quarentena. No hotel, que se chama Serengeti, novamente tive a temperatura medida e meus documentos de saúde inspecionados. Eu e minhas malas fomos borrifados com álcool e só então pude finalmente chegar ao meu apartamento, que fica no vigésimo andar.

Três vezes por dia eu recebo as refeições na porta do apartamento. Duas vezes por dia minha temperatura é medida. A cada dois dias eu me submeto a um teste de covid. Nessas ocasiões tenho que estar sempre de máscara. Inicialmente a quarentena seria de 21 dias, mas recebi a notícia de que ficarei 10 dias aqui no hotel e poderei seguir para Beijing. 

Eu sou acompanhada via WeChat por uma intérprete do hotel, por uma funcionária do programa e pela Embaixada da China no Brasil. Eles não deixam que nada me falte. 

Até agora, o difícil é a solidão e a saudade dos meus filhos, da minha cachorrinha, dos meus amigos, de refrigerante e de misto quente. Confesso que choro muitas vezes ao longo do dia. Mas tenho certeza de que a experiência vai enriquecer minha visão de mundo e me proporcionar vivenciar essa civilização milenar que tanto admiro e sobre a qual tenho enorme curiosidade. E o vazio da quarentena eu preencho com música brasileira e chamadas de vídeo com os meus amados.

Até a próxima!