Sobre o trabalho

O trabalho danifica o homem. O trabalhador é aquele que, com o suor do seu trabalho, lubrifica a máquina que o estrangula.

Retirantes chegam para a construção de Brasilia. O caminhão repleto deles passa próximo ao futuro prédio do Congresso Nacional, em 1959. (Foto: Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF)
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o homem se tornou um animal doméstico.

em troca de casa e comida ele abana o rabo para o seu senhor/patrão e lambe-lhe as mãos, mesmo que este lhe dê umas pancadas de vez em quando.

no Brasil, por séculos, trabalho era coisa para pretos.

e os pretos o faziam por obrigação, por ordem expressa e debaixo de vara.

aliás, a tortura está na origem da palavra trabalho, tripalium.

na entrada do campo de concentração e extermínio de Auschwitz, lia-se: a libertação pelo trabalho.

o trabalho ali, ao contrário do que possa parecer, era uma punição; a única libertação era a morte.

todos os povos do mundo que foram escravizados: eslavos (origem da palavra slave) como russos e poloneses, e também hebreus, africanos, ucranianos, finlandeses… o foram como mão-de-obra a ser explorada.

o trabalhador é aquele que, com o suor do seu trabalho, lubrifica a máquina que o estrangula.

Deus obrigou Adão a trabalhar, como um castigo.

o trabalho danifica o homem.

em 1957, milhares de camponeses arruinados pela seca iniciaram uma marcha para o trabalho no Brasil profundo.

deixaram o semiárido nordestino e foram para o planalto central, persuadidos por aliciadores na ilusão de que na proto-Brasília eles encontrariam trabalho remunerado e paz de espírito.

afinal, rumavam para uma terra nova de onde jorraria leite e mel.

aqueles pobres camponeses sonhavam com uma vida melhor, enquanto sacolejavam nos paus-de-arara que os transportavam.

faziam a histórica transição da vida rural para vida (sub)urbana.

trabalharam, aqueles infelizes, de dez a doze horas por dia, e ainda faziam viradas e serões, debaixo de um sol inclemente e castigados por um clima mais seco que o do deserto do Saara.

muitos se lembram do cafezinho batizado que vinha, sempre, no final da tarde, quando todos já estavam exaustos.

tomavam drogas no café e despertavam como um Hércules.

no nordeste, esses joões-de-barro viviam em casas de adobe feitas com as próprias mãos.

o diabo é que esses pobres trabalhadores rurais jamais haviam visto toda a perigosa maquinaria existente naquele canteiro de obras.

mesmo assim, adaptativos, erigiram em tempo recorde a cidade mais moderna do Brasil.

e, veja que curioso, eles não tiveram nenhum treinamento, aprenderam a fazer fazendo.

por conta da pressa e das péssimas condições de trabalho e segurança - veja as fotos da época e verás operários sem luvas, de chinelo de dedo e chapéu de palha - muitos morreram e tantos outros ficaram mutilados.

quantos? até hoje ninguém fez essa conta.

estes candangos moravam, em barracos minúsculos, dentro de uma cratera onde mais tarde se inundaria um lago.

estavam ali, provisoriamente, a construir palácios e residências.

em seguida, seriam jogados fora, expelidos como restos de construção.

durante o último carnaval, antes da inauguração de Brasília, os trabalhadores explorados por empreiteiras reclamaram mais uma vez da comida ruim e pouca.

por essa insubordinação, centenas deles foram metralhados pela milícia da GEB dentro do refeitório da construtora.

quantos foram fuzilados? até hoje ninguém fez essa conta.

esses trabalhadores aprenderam com a cidade que fizeram nascer que o nome do trabalho é exploração.

até hoje se diz que foram JK, Niemeyer e Lúcio Costa que construíram Brasília, embora nenhum destes sujeitos tenham dado uma única martelada em um prego.

não há registros na história das pessoas que construíram as pirâmides egípcias, as cidades astecas e incas ou a capital do Brasil.

porque o trabalhador é apenas uma ferramenta.

e toda vez que ele luta por melhores condições de trabalho, descanso remunerado e paz no final da vida, sempre virão os exploradores privilegiados a gritar que eles já têm direitos demais.

não basta o trabalhador morar longe e ser obrigado a despertar mais cedo que os pássaros, não basta que ele chegue todos os dias em casa exausto, não basta que seu salário mal dê para terminar o mês.

querem ainda lhe sufocar pela garganta, espremer suas forças até exauri-las.

agora, ameaçam lhe tirar até a aposentadoria e escrever em sua carteira de trabalho a frase da fachada de Auschwitz, o trabalho liberta.

desde que o sujeito trabalhe até a morte.

palavra da salvação.

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