Machos e machucados

O machismo mata milhares de mulheres todos os anos, mas também mata e adoece inúmeros.

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Por Antônio Modesto*  “Homem não vai no médico”, dizem. “Só vai quando tá nas últimas. Convencer a fazer um check-up, então, é uma luta.” Pois alguém se pergunta por quê? Existem muitas formas de ser homem, e cada vez mais. Ainda assim, existe uma masculinidade que chamamos “hegemônica”, que oprime não só as mulheres mas também outras vivências de masculinidade – como a de homens gays, por exemplo. Todo mundo sabe a fórmula dessa masculinidade: ser forte, exitoso, provedor, um tanto agressivo, não dever satisfação a ninguém, resistir à dor, não demonstrar fraqueza. “Chorar é coisa de mulher.” É um modelo impossível de alcançar em sua completude, mas esses valores influenciam sobremaneira a forma como os homens lidam com seus pares, seus corpos e com os serviços de saúde. “Já vai embora? Que fraco!” Comportamentos insalubres são uma forma clássica de demonstrar masculinidade – beber até cair, por exemplo. Não usar equipamento de proteção individual é outra: pilotar sem capacete ou usar uma britadeira sem protetor auditivo é macheza para muita gente. Mais ainda para quem não tem outras formas de demonstrar masculinidade, como dirigindo um carrão ou pagando jantares caros para sua parceira. Enquanto isso, ficamos os profissionais de saúde esperando que uma iluminação (ou, mais comumente, a intercessão feminina) faça os homens terem hábitos mais saudáveis ou desperte neles o interesse por exames e ações preventivas. Para complicar, funcionamos geralmente das oito às cinco, das segundas às sextas, bem quando o “provedor inesgotável” está gerando o sustento da sua família e da sua hombridade. Fazemos campanhas de câncer de próstata, que matou 13.772 homens em 2013, enquanto no mesmo ano morreram quase 125 mil de tiro, facada, suicídio, acidente de trabalho ou de trânsito e outras causas externas. Deveria ser a próstata nossa principal preocupação quanto à saúde dos homens? O machismo mata milhares de mulheres todos os anos, mas também mata e adoece inúmeros. Indivíduos e famílias precisam pensar nisso, e os profissionais de saúde devem estar atentos às questões de gênero para organizar melhor o serviço e responder às suas necessidades – sem dizer que “homem não chora” quando lhes aplicar uma vacina e sem achar que é por covardia que não fazem um toque retal. *Antônio Modesto é Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Carioca de sotaque e paulistano de coração, vive entre Botafogo e Pinheiros. Adora entender não ditos. Escreve poesia quando está triste, prosa quando está feliz, e questiona a Medicina regularmente.