"Trincheira da Solidariedade": Entrevista com um acampado contra o julgamento da AP470, vulgo Mensalão

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Eles já foram ameaçados de morte, sofrem humilhação pública. A direita os acham cúmplices, os ridicularizam,  parcela da esquerda ressentida com PT, geralmente ex-petistas, os classificam de diversas formas, uma delas Dir$$elistas. Muito embora ninguém os tenha ouvido, todos têm uma opinião sobre eles.

Entrevistei por e-mail um dos acampados, o jovem Pedro Paulo, para saber o que move esses militantes petistas a dedicarem seu tempo acampados primeiro em frente ao presídio da Papauda onde se encontram encarcerados desde o dia 15 de novembro políticos petistas condenados na ação AP470, vulgo Mensalão, (políticos não petistas igualmente condenados continuam soltos) depois em frente ao STF onde passaram natal, ano novo e prosseguem mobilizados meses a fio, solidários aos presos políticos, mesmo sob ameaças de despejo do STF. 

Para eles é importante a continuidade da luta para que consigam inserir questionamentos sobre o julgamento da AP470 em diversos espaços, para ampliar o debate e apontar as falhas de todo o julgamento. Leia abaixo a entrevista:

Blog Maria Frô: Quem teve a ideia do Acampamento?

Pedro Paulo: No dia da chegada dos companheiros à Brasília (no feriado de 15 de novembro), após aquela performance midiática com jatinhos, esperávamos os companheiros na porta da PF e falamos que deveríamos sair dali e ir para frente da Papuda. Quando voltei para casa, tomei um banho e postei na minha página do Facebook que estava indo e que quem quisesse me acompanhar poderia ir que eu estaria esperando, foi aí que o João Paulo apareceu. Como ele estuda Direito, passamos a noite conversando sobre os erros da AP470. Mas quando iniciamos a vigília lá em frente à Papuda nunca imaginamos que se tornaria um movimento com tamanha adesão. Éramos apenas eu e o João Paulo naquele sábado, tomando um chimarrão. No domingo à tarde já começaram a chegar novos companheiros e aquilo foi se tornando um espaço de solidariedade e apoio, foi de fato se tornando um movimento. Não foi uma ideia premeditada, foi algo que foi acontecendo, as pessoas foram chegando e participando.

BMF: Quem organiza? Há um comando?

PP: Hoje mais de 2 meses que estamos acampados e manter um espaço como aquele por tanto tempo requer no mínimo organização. Não há um centro de comando, aonde alguém dá a ordem e os outros cumprem sem questionar. Há um espaço de deliberação coletiva e os que vivem a vida do acampamento opinam sobre seu dia a dia. Mas temos algumas referências, por exemplo, tem uns três que se encarregam de fazer a comunicação sobre o que acontece lá (o que nos ajuda muito quando somos atacados e temos a vida ameaçada), tem duas pessoas responsáveis por receber as doações e fazer as compras, mais duas que ficam responsáveis pela logística interna e em uma reunião que fizemos ontem à noite fiquei responsável por fazer o diálogo para fora do acampamento. Todas as pessoas que vão lá tem direito a dar opinião e sugestão e colocamos em discussão a viabilidade daquela proposta, como o farinhaço na Câmara, o baldaço no STF, uma roda de samba ou uma de formação política.

BMF: Quando o acampamento começou?

PP: Como respondi no primeiro item, ele começou sem ser pensado em um acampamento, pelo menos não na proporção que tomou (já tivemos momentos com 30 acampados lá). Penso que ele começou assim que foi decretada a prisão dos companheiros, que eu e todos e todas que aderiram a ideia, fizemos isso para mostrar solidariedade, porque por mais que os caras não nos vejam, não nos conheçam ou saibam quem somos, sabem que tem gente lá fora que abdicou da sua vida para prestar solidariedade diante das arbitrariedades da AP 470, que estamos ali em reconhecimento e gratidão por tudo o que esses caras fizeram pelo país, pela democracia brasileira e pelo Partido.

BMF: Se é um acampamento de solidariedade aos presos por que mudaram da Papuda para o STF?

PP: O acampamento tem uma função de existir. Nossa proposta em ficar em frente à Papuda era até que o Genoíno pudesse receber os cuidados médicos. Ali, apesar da hostilidade de alguns funcionários que passavam xingando, tínhamos a visibilidade que a imprensa proporciona e era extremamente mais seguro (aquele jovem de Águas Claras, cidade satélite de alto poder aquisitivo aqui, não teria tido coragem de ir lá com um canivete cortar nossas bandeiras se estivéssemos na Papuda, porque não teria rotas de fuga e a imprensa ficava à espreita na porta da Penitenciária, vigiando quem entrava e saía e incitando os familiares dos presos). É importante ressaltar que nunca recebemos hostilidade dos familiares dos presos, ao contrário, eles iam lá perguntar o que estávamos fazendo e conversavam sobre as condições dos seus familiares. Muitos diziam que talvez agora as pessoas iam olhar para a situação das pessoas dentro das cadeias, que nas condições que viviam era muito difícil se reabilitarem para viver em sociedade. Quando o Genoíno foi internado e logo depois recebeu autorização para ficar em regime domiciliar, sabíamos que era o momento de ir para outro lugar. Fomos para o quintal do STF para que todos e todas que passam pela Esplanada possam saber que tem gente que discorda dessa AP 470 e pede um novo julgamento e para os juízes responsáveis pelo Tribunal também terem ciência que apesar deles não serem escolhidos pelo povo, tem gente de olho no trabalho deles, exercendo o controle social, e estamos lá para apontar todas as falhas no processo.

BMF: Quantos são? O acampamento aumentou diminuiu?

PP: Nosso número é relativo, depende muito. Tem fins de semana que vem delegações de outros Estados, então ficamos lotados. Tem muitos que trabalham durante o dia e vão para lá à noite, fazer vigília. Mas nosso contingente sempre aumenta. Por questões de segurança prefiro não quantificar em quanto somos, até porque já recebemos muitos ataques e ameaças às nossas vidas.

BMF: Quem são vocês? O que mobiliza cada um de vocês a fazer isso?

PP: Na maior parte somos militantes de esquerda e dos movimentos sociais e o que nos motiva é desmontar essa farsa midiática que o STF criou junto da imprensa. Não posso responder por cada um, mas acredito que de modo geral o que motiva aquelas pessoas a estarem ali é não apenas mostrar solidariedade aos companheiros por tudo o que eles fizeram pelo país e pela nossa democracia, mas apontar também os erros que a nossa mais alta corte comete, inclusive com o criador da teoria do domínio de fato criticando o modo como sua teoria foi usada nesse processo e tantos outros grandes juristas que apontam as inúmeras falhas. Temos o entendimento que queriam condenar o Partido dos Trabalhadores e não podemos aceitar esse golpe.

BMF: Todos os acampados são de BSB? Vocês trabalham? Como mantêm um acampamento 24 horas por dia?

PP: Os que cuidam do acampamento são de Brasília, mas recebemos muitos companheiros de fora (como o Beto Mafra, militante petista de Belo Horizonte) o tempo todo. Os que trabalham cumprem sua jornada em seus respectivos empregos e voltam após o expediente. Os que não trabalham se revezam em cuidar do acampamento. Tem gente que vai lá pela manhã, tem gente que vai na hora do almoço e tem gente que só dá uma passada à noite. Mantemos o acampamento pela organização que criamos, aonde as pessoas vão chegando e colaborando sem precisar serem demandadas.

BMF: Quais são os custos? Há banners, as pessoas precisam de alimentação, precisam sobreviver dentro e fora do acampamento. De onde vem os recursos? De onde vem os recursos para cartazes como estes? Os familiares dos presos contribuem? O PT contribui?

Foto do cartaz extraído do Facebook

PP: Como não poderia falar em um movimento de solidariedade, sobrevivemos de solidariedade. Acredito inclusive que é a principal característica da esquerda, a solidariedade. Os custos são principalmente referentes à alimentação de quem está lá e água, os valores são depositados em uma poupança e fazemos um balancete para prestar contas. Recebemos doação do país inteiro, de dinheiro a presunto defumado. E também pedimos para as pessoas que temos relação, como no caso do banner, que foi uma doação. No geral, gerador, ônibus, tenda, barraca, fogão, jaca, panela, tudo doação ou empréstimo. Mas o nosso principal financiador foram as camisas que mandamos rodar e vendemos principalmente no Congresso do PT. Tivemos um custo de R$10 e vendemos por R$20 e tinha gente que pagava R$50, muita gente comprou várias para presentear em seus Estados. E as pessoas compravam porque elas não pagavam necessariamente por uma camisa, quando ela compra a camisa com a imagem dos caras, ela está automaticamente aderindo ao movimento, alimentando a roda, nos ajudando e elas sabem disso. Para não dizer que os familiares dos presos não contribuem, recebemos uma lentilha no ano novo da Miruna. Esse não é o foco do acampamento, ser financiado pelo PT ou pela família dos caras. Foi um movimento voluntário e sobrevive de voluntariado (tempo, dinheiro, braço, abraço), não teria lógica a família dos caras nos financiarem, não existiria razão de ser se fosse assim. O PT não se sente na obrigação de contribuir porque o movimento não é uma deliberação partidária, não foi pensado em nenhuma instância, apenas existe. Acontece independente da vontade do Partido. BMF: Quanto tempo pretendem ficar?

PP: Creio que vamos ficar o tempo que for necessário. Se os caras nos dissessem que o Movimento os prejudica, nós iríamos embora. Mas não é o caso. Solidariedade de gabinete não é solidariedade. Você tem estampar na cara as suas convicções, ter coragem de defender seus pontos de vista e até mesmo de voltar atrás, se for o caso. Os e as parlamentares que os visitaram na cadeia viram as condições em que eles estavam se sensibilizaram, mas tem medo de se pronunciar na maioria dos casos. É medo da mídia distorcer tudo e as pessoas julgarem na rua, julgarem as suas famílias, como acontece com a gente que está no acampamento. As pessoas se sentem no direito de nos ofender e agora ser petista é sinônimo de ser mensaleiro. Antes diziam que a gente comia criancinha, depois que éramos baderneiros e agora somos todos ladrões. Escuto de tudo, mas não me dou ao trabalho de ler o que comentam nas matérias, até porque as pessoas hoje acham que a internet lhes dá direito de vomitarem qualquer coisa a qualquer hora, que isso é democracia. Mas estão errados, eu poderia processar várias, mas não o faço. Só aciono a polícia para as ameaças de morte que venho recebendo desde o jantar da AP 470.

BMF: O que esperam conseguir com esta ação?

PP: Penso que a gente espera que os erros que estão sendo apontados sejam analisados. Que os juristas e órgãos que já se pronunciaram sobre os erros e arbitrariedades sejam ouvidos, pelo bem da nossa democracia. É muito leviano uma juíza em seu voto dizer que não tem nenhuma prova, mas que vai condenar a pessoa porque a Lei permite que ela faça isso. O que foi feito com a inversão do ônus da prova abre um precedente perigoso na Justiça brasileira e sinceramente, ser pautado pela mídia não é ser isento para julgar ninguém. Vários direitos foram negados e vários erros cometidos. Há denúncias improcedentes, como o desvio do Visanet que já foi auditado pelo BB e nada foi encontrado. Colocam que foi desviado dinheiro público, mas se o Visanet é público a pergunta que fica é quando abre concurso para seleção de servidor. Várias publicações já estão sendo disponibilizadas para esclarecer as pessoas e tem um site com vários materiais.

BMF: Essa foi a primeira iniciativa em defesa dos condenados?

Não! No começo do ano passado organizei um jantar para arrecadar fundos para os hoje condenados na AP 470. Logo depois fui na OEA entregar um pedido de revisão da AP 470 e um representante esteve aqui questionando ao STF o que protocolei lá. Vários atos de esclarecimentos sobre a AP 470 foram realizados no país, principalmente pela juventude e pelos movimentos sociais.

 BMF: Você não tem nenhum receio de estar à frente de um movimento desse?

PP: Não. Apesar de ser ofendido, creio que as pessoas tem suas opiniões formadas e é um direito delas tê-las, lutamos muito para que hoje elas tivessem esse direito. Eu posso não concordar com o que falam, mas defendo o direito delas de falar, desde que esse direito não ultrapasse os meus, porque elas não têm o direito de me ofender nem atentar contra a minha vida ou da minha família. Nas manifestações em junho eu fui pra rua manifestar também e como as coisas estava muito soltas, acabei ficando à frente de algumas coisas e quase fui linchado quando a imprensa colocou que eu era o cara que tinha feito jantar pra mensaleiro. As pessoas acham que porque faço a defesa dos caras e sou do PT, não tenho direito de protestar contra as coisas que considero que mereçam ser revistas no país, mesmo o meu partido estando à frente do governo. O direito delas é superior ao meu e a sua limitação construída muitas vezes com o que a grande mídia diz faziam elas acreditarem que eu estava à mando de alguém, quando na verdade fui pra rua porque considerei que aquele movimento era legítimo e que eu deveria estar junto porque tenho insatisfação com as reformas estruturantes que deveriam ter sido promovidas e não foram. Fui ameaçado de morte e penso que a única coisa que passa na cabeça de uma pessoa que quer matar ou espancar outra porque ela pertence a um Partido, é o ódio, ódio de classe disfarçado de uma luta "sem partido".