Chacina: mais três jovens são assassinados na zonal leste de SP: Alguns relatos apontam que ocupantes do automóvel vestiam fardas da Polícia Militar

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Chacina: mais três jovens são assassinados na zonal leste de SP

Por Lúcia Rodrigues, especial para a Comissão de Direitos Humanos da Alesp, via  Brasil de Fato 30/01/2014

Fotos: Hélio Augusto

Todas as vítimas foram alvejadas por homens abordo de um automóvel sedan de luxo HB 20, branco, que passaram atirando contra os jovens

Por volta das 2h30 desta segunda-feira (27), três jovens foram executados com tiros na cabeça e no peito nas duas comunidades da Ilha e do Elba, no Parque Santa Madalena, zona leste da capital paulista. Outro permanece internado em estado grave no hospital de Vila Alpina, também na zona leste.

Todas as vítimas foram alvejadas por homens abordo de um automóvel sedan de luxo HB 20, branco, que passaram atirando contra os jovens. Alguns foram atingidos em frente às suas casas. É possível identificar que pelo menos um disparo atingiu a parede de uma residência no local em que ocorreu uma morte.

A descrição do modus operandi relatado pelos moradores é a mesma para todos os casos. Primeiro passou uma viatura SpaceFox da PM, na sequência o automóvel HB 20 e em seguida o carro da polícia retornou para recolher as cápsulas deflagradas. Alguns relatos apontam que os ocupantes do automóvel HB 20 vestiam fardas da Polícia Militar.

O deputado Adriano Diogo (PT-SP), que preside as comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e Estadual da Verdade, visitou na tarde desta segunda-feira, 27, moradores e familiares das vítimas da chacina que aconteceu de madrugada nas comunidades da Ilha e do Elba, no Parque Santa Madalena, zona leste da capital paulista.

Ele permaneceu no local por mais de três horas e ouviu relatos de moradores sobre a violência sofrida.

“As chacinas viraram regra nas periferias. Não é possível que isso continue ocorrendo. É a barbárie… Por isso, a Comissão da Verdade é tão importante. Serve para sabermos como o passado continua a se refletir nos dias atuais. A violação dos direitos humanos é cotidiana”, ressalta o parlamentar.

Toque de recolher

Pânico e terror. Esse é o clima na comunidade da Ilha desde que um policial militar foi assassinado no final do ano passado na região.  “Disseram que não vão parar”, frisam os moradores ao se referir aos comentários feitos por policiais. Quando um dos feridos entrou no hospital, um dos policiais também teria dito: “Chegou mais uma carniça e vai chegar mais.”

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O anonimato é a condição exigida por todos, para as entrevistas. Eles temem serem vítimas de uma próxima chacina. “Isso aqui virou um inferno depois que esse policial morreu. Tá terrível.”

Os argumentos justificam o temor. Vários deles já foram abordados por policiais que disseram que ninguém deve ficar na rua depois das dez da noite. “Falaram que não vão se importar se é trabalhador ou não.”

Até o churrasco feito pelos moradores nas lajes das casas passou a ser questionado pelos policiais. “Ameaçaram jogar bomba.” Música alta também está proibida quando as viaturas passam pela comunidade.

Os comerciantes também se dizem perseguidos. De acordo com eles, os policiais militares já decretaram várias vezes que os estabelecimentos sejam fechados. “Dizem que é para guardar luto do policial que morreu.”

Os que se recusam a fechar os comércios são ameaçados. “Ou fecha por bem ou fechamos na bala.” As ameaças quase sempre vêm acompanhadas de palavrões.

Segundo informações, logo após a morte do policial, os estabelecimentos tiveram de permanecer 15 dias com as portas arriadas

A violência física também é uma constante. “Vários amigos já levaram tapa na cara.” Os moradores também reclamam que muitas vezes estão conversando em frente às suas casas e os policiais atiram bombas para dispersá-los.

Não deixaram cobrir corpo

O clima de insegurança na comunidade da Ilha torna ainda mais sofrida a vida no cenário de ruas de terra e esgoto a céu aberto que corre pelas estreitas vielas que cortam o bairro. A violência se apresenta por todos os lados de maneira nua e crua.

O corpo de Dentinho, um dos mortos na chacina, ficou exposto várias horas debaixo de sol quente, antes da chegada do IML. Os policiais, segundo vários relatos, não permitiram que um lençol fosse estendido sobre o corpo.

“Um monte de crianças tavam vendo, mas eles (policiais) não cobriram e não deixaram a gente cobrir. Um pedaço do cérebro saiu pra fora, mas eles (PMs) não quiseram saber. Falaram rindo, que a vontade deles era cortar o corpo no meio.”

Deputado intercede para liberar corpo

A espera pela liberação dos corpos é outro sofrimento para as famílias das vítimas.

Edeilton dos Santos Ferreira foi socorrido por parentes. Morreu logo depois de dar entrada no hospital de Vila Alpina. Mais de 12 horas após sua morte, o corpo não havia sido liberado para seguir para autópsia no IML.

Só após a intermediação do deputado Adriano Diogo, que acompanhou o sofrimento dos familiares, é que o corpo de Edeilton foi encaminhado para o IML de Artur Alvim, na zona leste.

O parlamentar também ligou para assessores do secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, para cobrar providências no esclarecimento das mortes dos jovens.

“Registramos o que está acontecendo na periferia de São Paulo. Os relatos são gravíssimos, são tantas violações, tantos abusos, que parece que não estamos no Brasil”, lamenta Adriano.

Barbárie é regra

O medo atinge até mesmo quem zela pela preservação dos direitos humanos. Representantes do Cedeca de Sapopemba e do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba também só aceitaram conversar com a reportagem na condição de anonimato.

Eles moram na região e temem ser retaliados por policiais em função de suas declarações. Relatos de moradores apontam que até uma criança de sete anos teve uma arma apontada para sua cabeça por policiais que queriam intimidar os pais.

As entidades de direitos humanos já organizaram, em parceria com outros movimentos sociais da região, duas audiências públicas após a morte do PM, para debater a violência policial que atinge as comunidades. Uma ocorreu no final de dezembro e outra no início de 2014.

“Essas mortes poderiam ter sido evitadas, foram mortes anunciadas”, critica o deputado ao se referir a falta de respostas por parte da Secretaria da Segurança Pública para conter a escalada de violência nas comunidades.

“Estamos pedindo uma intervenção que garanta a vida da população de Sapopemba”, clama uma liderança do Cedeca.

Apoio na luta

As entidades convidaram o deputado Adriano Diogo para ajudá-los a pensar soluções. “(A polícia) não pode continuar matando e decretando toque de recolher”, completa a liderança defensora de direitos humanos.

As entidades também pretendem encaminhar um documento para a Secretaria da Segurança Pública relatando a violência a que os moradores da região são submetidos. “É uma guerra da polícia contra moradores”, define um dos moradores da comunidade da Ilha.

Não foi possível confirmar o nome completo de todas as vítimas. Edeilton dos Santos Ferreira e Dentinho foram mortos na comunidade da Ilha e Cícero Pereira de Camargo, na do Elba. Sérgio, baleado na Ilha, continua internado em estado grave.