Marcelo Uchoa: Politização do Judiciário

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POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO

Por: Marcelo Uchoa no Ato dos Juristas em Defesa da Democracia Contra o Golpe

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(Sérgio Moro, Gilmar Mendes e Conselho Nacional de Justiça)

A discussão sobre a politização do Judiciário tem sido tema recorrente na Academia. Consoante é consabido, o modelo de Estado brasileiro, não diferentemente dos modelos tradicionais de Estados constitucionais, herdou os contornos físicos prelecionados pelas teorias de fracionamento e limitação dos Poderes, sobre as quais se debruçaram, ao longo da história, importantes pensadores. Aristóteles, Hobbes, Locke, Montesquieu e Sieyés são só alguns exemplos.

Em síntese, optou-se no Brasil por consagrar uma estrutura estatal baseada na filosofia da tripartição funcional dos Poderes, os quais distinguidos em Legislativo, Executivo e Judiciário, encontraram fundamento no pensamento divisional de Montesquieu e de seu correlato sistema de limites, isto é, de freios e contrapesos entre si. Contudo, o modelo nacional, no que pese haver consagrado fundamento em Montesquieu, também carregou consigo farta influência do francês Benjamin Constant, a partir de suas reflexões sobre a necessidade de um Poder neutro, o qual foi, inclusive, experimentado na história política nacional, no Segundo Império, pela existência do Poder Moderador.

O Poder Moderador ruiu junto com a monarquia, mas o imaginário acerca da importância de sua função como Poder neutro, conciliador de arestas, facilitador da inter-relação entre os demais Poderes, permaneceu e perpassou a República. Lecionam estudiosos do tema que, durante o século XVIII, a tônica da luta do homem em seu processo de emancipação política girou em torno da busca pela limitação do Poder dos Reis. No século XIX, pela limitação do Poder do Parlamento, e, a partir do século XX, pela limitação do Poder dos Juízes. De uma forma ou de outra, se há algo que a história deixa claro, é que as ações políticas dominantes nunca estarão infinitamente imunes ao revide social. A sociedade se impõe em defesa ou a favor de certo Poder, a depender da identificação que mantem com o mesmo.

É óbvio que é incoerente imaginar-se uma perfeita divisão de Poderes com existência de supremacia de um sobre o outro, pois todos devem estar em igual plano de harmonização e convivência, em especial na hora de decidir sobre os fundamentos políticos da nação ou os direitos fundamentais situados no entorno da dignidade humana, o que normalmente acontece num conflito normativo de ordem político-constitucional. No entanto, por diversos motivos, o Judiciário brasileiro herdou a nota qualificadora de “poder moderador”, sendo compreendido como o mais conciliador, neutro, isento, dentre os três existentes.

Inicialmente, porque seria inapropriado ao Legislativo dirimir um conflito normativo constitucional, já que, sendo órgão criador da norma, estaria decidindo em seu próprio favor; por outro lado, o Executivo estaria também tendente a decidir em seu benefício próprio, já que não raramente estaria diretamente obrigado às consequências da dirimição normativa. O Judiciário, por sua vez, devido às suas funções naturais resolutivas em conflitos de interesse, e estando, em tese, alheio às interferências da política, ver-se-ia mais reservado para decidir melhor o conflito entre normas constitucionais.

Até 1988, isso aconteceu sem maiores repercussões para o conjunto, porque a hipertrofia do Executivo enquadrava tanto o Parlamento, como o Judiciário, ao cumprimento de funções específicas. O Judiciário, tradicionalmente o Poder mais ausente, sempre reservou seus espaços para os filhos da aristocracia nacional, não demonstrando qualquer pudor com o hermetismo funcional de sua estrutura, tampouco com a marcante nota conservadora de seus membros. Em termos gerais, o Judiciário brasileiro sempre esteve voltado para a legitimação dos interesses jurídicos da classe dominante. Não por acaso, foi meteórico em legitimar o golpe civil-militar de 1964. Que jamais seja esquecido que, em plena madrugada da virada do dia 1º para o dia 2 de abril daquele ano, Ribeiro da Costa, então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), empossou no cargo recém-declarado vago, de Presidente da República, no lugar do desposto João Goulart, o então Presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli, o qual, dias depois, seria substituído pelo general Castelo Branco, consumando-se, a partir daquele “ato legal”, o período ditatorial.

A Constituição de 1988 permitiu que se sonhasse com algo diferente. Não só porque doravante resultaria o Judiciário munido de instrumentos difusos e concentrados de conformação constitucional, isto é, procedimentalmente aparelhado para ler a Constituição, mas porque a própria Constituição se estruturou normativamente em forma de princípios, eventualmente compreendidos como mandatos de otimização, que cobrariam interpretação aplicada, isto é, aplicação no caso concreto pelo Juiz da demanda. Somado a isso, os novos ares da democracia e a conscientização social sobre a importância de seus direitos motivou um legítimo interesse pela rediscussão sobre o papel do Judiciário, o qual deveria converter-se de Poder omisso em Poder ativo, para entregar à sociedade os direitos que a norma, sem a cobrança do Legislativo e o interesse do Executivo, dificilmente entregaria, salvo se pela força impositiva da espada da Justiça. Foi assim, em resumo, que o Judiciário foi conduzido da esfera tipicamente judicante para a esfera da jurisdição constitucional, passando, desse modo, a ler, soletrar, e, inclusive, reescrever a Constituição, pari passu, desmedidamente, com o apoio e o incentivo da sociedade brasileira.

O que talvez ninguém jamais imaginasse é que a tirania na aplicação do Direito não é uma qualidade negativa limitada apenas a um Executivo despótico ou a um Parlamento autocrático. Qualquer Poder pode tornar-se tirânico, a partir da interpretação que concede ao Direito. Atualmente, vive-se, no Brasil, uma tirania judiciária motivada por interesses políticos. E, pior, com o apoio da opinião pública, maciçamente hipnotizada pela força anti-intelectiva e usurpadora de raciocínio dos meios de comunicação de massa.

Este processo não começou de agora. Foi um erro dos governos populares de Lula e Dilma não terem dado a devida atenção ao Poder Judiciário, no tempo em que poderiam mudar o curso dos acontecimentos. A Reforma do Judiciário de 2004 falhou. Vingou uma ideia equivocada, minimalista, acerca da força que o ativismo judicial poderia adquirir, amenizada por um sentimento pueril de que a meritocracia dos concursos, por si só, selecionaria os mais honestos na aplicação do Direito. Além disso, não se deu a devida atenção às reais possibilidades de oxigenação judiciária oportunizadas pelos Quintos Constitucionais e as aposentadorias no STF, optando-se por nomear magistrados claudicantes com a importante tarefa de transformação judiciária. Por fim, houve omissão no acompanhamento do processo de formação humano-conteudístico do estudante de Direito. Tudo isso, somado, protagonizou a hipertrofia judiciária que ora se vê em detrimento dos demais Poderes, personificada numa profusão de tecnocratas jurídicos, capazes de, em um só tempo, serem PHD em decorar Vade Mecum, e nota ZERO em compreender sobre a Justiça. O Ministério Público pouco foi pensado durante a Reforma de 2004. Talvez por isso o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), até o presente momento, não tenha justificado a contento sua existência.

Qualquer equívoco, porém, que tenha havido por parte dos governos populares do PT, relacionado ao ajustamento ou reajustamento do papel das instituições na democracia brasileira, fato é que, de maneira alguma, é possível ser admitida a aberração jurídica que ora leva o nome de pedido de impeachment, e que anda em curso contra a Presidenta Dilma. Basicamente, por quatro razões:

Primeiro, porque não encontra fundamento jurídico, uma vez que pedalada fiscal não é crime, muito menos de responsabilidade praticado com ânimo de fraudar, de intensa gravidade, requisitos necessários a um extraordinário impeachment presidencial. A medida adotada pela Presidenta Dilma, que não é uma invenção dela, posto que aplicada e reaplicada, repetidamente, em governos anteriores, nunca redundou em perda econômica para o erário (nem para o Tesouro, nem para os bancos públicos envolvidos), e foi posta em efetivação, apenas momentaneamente, para custeio de programas sociais voltados à atenção do povo mais sofrido do país, sem corrupção, diga-se passagem. A propósito, se crime fosse, igual responsabilidade deveria recair sobre quase duas dezenas de governadores estaduais, que efetuaram a mesmíssima estratégia nas gestões de suas finanças. Aliás, deveria recair, inclusive, sobre o Vice-Presidente Michel Temer, que assinou, em exercício da Presidência, decretos a título de pedaladas fiscais.  Registre-se, apenas a título de ilustração, que entre novembro de 2014 e julho de 2015, Temer havia assinado decretos de liberação em valores três vezes superiores aos assinados, até então, pela Presidenta.

Em segundo lugar, porque se trata de um pedido proposto desde os dias iniciais do segundo mandato da Presidenta Dilma, quando os ânimos eleitorais ainda estavam acirrados e o reconhecimento da derrota eleitoral obstruía a garganta, clarevidenciando que o objetivo da ação oposicionista nunca foi (e, obviamente, não é) realizar justiça, mas, única e tão-somente, derrubar um governo legitimamente eleito pela população, com mais de 54,5 milhões de votos, e, que, uma vez conquistado dentro de um regime presidencialista, via de regra, somente pode ser destituído após novas eleições.

Terceiro, porque está materializado na forma de um procedimento contaminado pelos vícios pegajosos da velha política, instaurado pela ira vingativa de um Presidente de Câmara que não tem moral de conduzir o rito com isenção e justiça (quisera não tivesse condições jurídicas de dirigir a própria Câmara) bastando dizer que, de um lado, toca o impeachment a mil por hora, na Comissão Especial, e, do outro, pisa no freio em seu próprio processo de cassação no Comitê de Ética da Casa parlamentar.

Por fim, quarto, porque, na mesma esteira da razão anterior, fatalmente conduzirá a Presidenta da República a um julgamento de exceção, descompensado, mensurado e decidido por dezenas de investigados, acusados e condenados nos mais diversos crimes políticos e contra a administração pública (37 dos 65 integrantes da Comissão estão em situação complicada), boa parte torcendo por uma hecatombe social que lhes permita salvar a própria pele, em claro atentado contra os mais comezinhos princípios de justiça do país, e ignorando-se o fato de que um fiel processo de impeachment, no que pese tramitar numa Casa legislativa, deve se orientar por pressupostos jurídicos, e, não, meramente políticos ou de interesses pessoais.  Ou seja, não é impeachment que anda em curso no Congresso Nacional, é golpe com todas as letras: G-O-L-P-E, GOLPE. Golpe parlamentar!

E o que dizer do juiz Moro e do Ministro Gilmar Mendes? Afinal, essas reflexões deveriam ser sobre ambos. Pois é aí onde os dois assuntos abordados nessas linhas (o ativismo judicial excessivo e o processo de impeachment) se encontram. Ambos estão fazendo política abertamente, deleitando-se em reunir e oferecer munição para turbinar a mídia reacionária do país em seu processo de manipulação de opinião pública.

Ao grampear e vazar, criminosamente (porque sem autorização do Supremo Tribunal Federal) os diálogos da Presidenta Dilma com o ex Presidente Lula para Rede Globo, o Juiz Moro apenas buscou reascender um processo de impeachment, que se encontrava natimorto. Em outras palavras, está agindo a serviço do golpe, fato que ficou absolutamente evidenciado, desde quando determinou a condução coercitiva do ex Presidente Lula para depoimento à Polícia Federal num aeroporto, sem que estivesse sequer sob investigação formal, numa espetaculosa operação que envolveu transmissão ao vivo pelas televisões de todo país, 200 policiais federais e até um jatinho para o sequestro presidencial até o Principado de Curitiba.

Para piorar, mesmo após advertido pelo ministro Teori Zavascki, repetiu o malfeito na semana subsequente, ao vazar e logo depois recompor o sigilo sobre a lista da Odebrecht, quase que comunicando a 200 políticos com a “corda no pescoço”, dentre os quais muitos parlamentares da Comissão Especial do impeachment, que a Lava Jato pode os alcançar. O futuro dirá, por exemplo, se foi esta a razão da inusitada debandada do PMDB carioca do arco de apoio do governo.

Já o Ministro Gilmar Mendes apenas faz o que sempre fez, atua em benefício de sua sigla partidária do coração, o PSDB, artífice e co-protagonista da ação golpista. A decisão sobre a remessa do processo instaurado contra a nomeação do ex Presidente Lula para a “Morolândia” foi também, como ensina a velha máxima, “para tocar fogo no circo”.

Seriam tais condutas suscetíveis de deliberação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ)? Não seriam se se tratassem de típicas condutas judiciais. Afinal, pela boa hermenêutica, o CNJ não foi criado para fazer controle jurisdicional, foi instituído, segundo o art. 103-B da CF/88, para controlar administrativamente o Judiciário, pensar e sistematizar ideias para a melhoria de sua própria estrutura. Porém, não são atos judicantes que estão em questão, são ações patrocinadas por juízes com finalidades eminentemente políticas, com fins claros de tumultuar o processo político nacional. É sempre bom lembrar que a Presidenta Dilma não é investigada pela Lava Jato. O pedido de impeachment em si, este que diuturnamente ilustra as páginas dos mais diversos jornais, nada tem a ver com a Lava Jato, apesar de “Marinho, Civita e cia” quererem induzir a sociedade a crer que uma coisa esteja vinculada à outra.

Na edição de hoje, o Jornal O Povo traz matéria relatando que ontem (29/03), em resposta ao despacho do Ministro Zavascki, o Juiz Moro prestou as seguintes informações ao STF:

“Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da decisão de Vossa Excelência, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção deste julgador, ao proferir aludida decisão de 16 de março, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal".

(...)

"O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça." (grifos do autor)

O Juiz Moro não reconhece expressamente a ilegalidade de seu ato, mas admite que pode ter sido incorreto, e, que, sendo ou não assim compreendido, causou “polêmicas”, “constrangimentos desnecessários”, “conflitos”,“algo estranho à função jurisdicional”, tanto que pediu “respeitosas escusas” ao “Egrégio Supremo Tribunal Federal”. É de se perguntar: a título de que mesmo o célebre magistrado pediria “sinceras escusas” ao STF se seu ato estivesse revestido pela aura da legalidade? E ainda que fosse legal, não deveria o Juiz ter feito um juízo de valor sobre os “constrangimentos ilegais”,“conflitos”, essas coisas que ele mesmo reconhece como “algo estranho à função jurisdicional” antes de determinar a quebra do sigilo telefônico e a divulgação das conversas do ex Presidente Lula, via televisão, para todo Brasil, principalmente considerando que ali estavam reunidas conversas que nada tinha a ver com a arapongagem que estava patrocinando, além de diálogos mantidos com a Presidenta da República, contra quem um grampo deve ser interpretado como atentatório à segurança nacional? Acrescentem-se a isso, outros eventuais excessos, tal como a não menos grave violação de liberdades fundamentais da pessoa promovida pela quebra ilegal do sigilo telefônico de advogados e clientes, outrossim, configurada como vulneração constitucional de seríssima gravidade.

Ora, não há qualquer dúvida que todas as nefastas condutas, sejam do Juiz Moro ou do Ministro Gilmar, guardam natureza política, que excedem, e muito, aos limites da toga, devendo necessariamente ser objeto de apreciação no CNJ, com fulcro nos arts. 67-77 do Regimento interno da Casa, que dispõem sobre a Reclamação Disciplinar e o Processo Administrativo Disciplinar, para fins de julgamento e aplicação da penalidade prevista no art. 56, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/1979), aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (infelizmente, porque o certo mesmo seria que a lei adotasse a demissão), por violação direta dos incisos I e II da mesma Lei, que preveem citada sanção para o magistrado “manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo” e que tenha cometido “procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”.

Isso, evidentemente, sem prejuízo de sanções eventualmente aplicadas por instâncias exteriores à seara administrativa, porque, no caso do magistrado de Curitiba, que grampeando a Presidenta da República atentou contra a segurança nacional, o fato precisa ser objeto de discussão própria na instância criminal. Não cabem aí “sinceras escusas”, cabe, sim, pena por cometimento de crime flagrante, é o que vêm defendendo inúmeros especialistas em Direito Penal, Brasil afora. A propósito, menos mal se as “sinceras escusas” do magistrado tivessem sido direcionadas à Presidenta da República, ao ex Presidente Lula, às demais pessoas não formalmente investigadas que tiveram seus diálogos expostos escancaradamente para o crivo da opinião pública, à própria nação brasileira, mas nem isso aconteceu. Quisera esta imperdoável omissão não esteja camuflando gesto sutil e consciente de ironia e desfaçatez. Oxalá este gesto seja sincero, assim como o foi a informação de que a quebra do sigilo dos diálogos do ex Presidente Lula, e a consequente disponibilização à imprensa, se deram “atendendo o requerimento do MPF”, pois aí se vê que também integrantes do Ministério Público podem estar diligenciando seus pedidos judiciais não com a cabeça, mas com o fígado, o que seria de bom tom fosse avaliado pelo CNMP, para fins de verificar se compatível com a nobreza da carreira ministerial.

No Brasil do século XXI, dominado brutalmente pela mídia expositiva dos programas Big Brother, e, inegavelmente, tão carente de heróis, posturas como a do juiz Moro inebriam outros candidatos a Hércules, estimulando-os a promover a banalização do desapego à Constituição e ao devido processo legal. Em menos de dois dias, um Promotor do interior paulista solicitou a prisão preventiva do ex Presidente Lula fundamentando-se em “Marx e Hegel”, enquanto um Juiz Federal candango negou-lhe a posse no Ministério da Casa Civil, em meteórica liminar concedida aos exatos 28 segundos após protocolada a respectiva ação na Justiça. Difícil é acreditar que foi mera coincidência o fato de ambos os personagens terem sido flagrados reverberando impropérios contra o governo federal em ruas e redes sociais.

A operação Lava Jato transformou-se numa salada mista, em que não se distinguem investigadores de acusadores e julgadores. Vale tudo para aparecer, tudo é permitido para chegar-se aos fins requeridos pela política. Certa vez, o saudoso professor José de Albuquerque Rocha, da Faculdade de Direito da UFC ensinou que “um bom juiz deve ser imparcial perante as partes, mas jamais neutro diante dos fatos”. Tinha e continua tendo razão o sábio mestre, porém, se a responsabilidade que se espera de um magistrado (pela mesma linha de raciocínio, um membro do parquet) não pode estar aprisionada à exegese fria da lei, tampouco pode o juiz exceder-se em sua condição de intérprete privilegiado da norma, para subverter a lógica do ordenamento jurídico, ignorando a existência de um Estado constitucional e decidindo tão-somente segundo suas convicções ideológicas, a ponto de praticar uma injustiça. Toda vida que isso acontecer, restará configurada tirania judicial urgente de ser enfrentada com veemência pelas forças sociais progressistas e constitucionalistas do país. Espera-se, pois, que nuvens de serenas intenções pairem sobre o STF e o CNJ, e os desmantelos do Judiciário pátrio sejam recompostos para o bem do Estado brasileiro, da democracia nacional e da Justiça.

 

Marcelo Uchôa é advogado e Professor Doutor em Direito da UNIFOR. Exposição proferida na Aula Pública dos Juristas em Defesa da Democracia Contra o Golpe, Faculdade de Direito/UFC, 30.03.2016.