A cara visível da tortura: general francês professor de torturas ao exército brasileiro

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Comissão da Verdade de SP investiga participação do francês Paul Aussaresses em aulas de tortura e táticas de repressão

Por: Thaís Barreto

17/12/2013

Apelidado de “cara visível da tortura”, general francês ministrou aulas na região da Amazônia, nas dependências do Exército brasileiro.

A revelação de que a França, país que redigiu as Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão, também colaborou com a Ditadura brasileira, abre mais um capítulo para investigações na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. A audiência pública realizada nesta terça-feira (17/12) tratou da participação do general francês Paul Aussaresses no direcionamento de aulas de tortura e outras técnicas de repressão no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus (AM).

“A Escola foi fundada em 1964 para treinar policiais na selva. Em 1966 começaram a dar os cursos”, explicou o pesquisador Fermino Alves. O presidente da Comissão “Rubens Paiva”, Adriano Diogo, vai direcionar a investigação em parceria com a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para identificar os nomes dos adidos militares e dos alunos que participaram das aulas e como isso se espalhou em outros países da América Latina, inclusive a ligação com a Operação Condor. O CIGS, onde funcionou a escola, chegou a ter outra nomenclatura a partir de outubro de 1970, era o Centro de Operações na Selva e Ações de Comandos (Cosac).

Aussaresses, ao lado do general Jacques Massu, participou intensivamente da repressão do movimento nacionalista argelino, na Batalha de Argel, ocorrida em janeiro de 1957. Essa experiência fez com que ele fosse convidado em 1961, pelo presidente John Kennedy, para ensinar ao Exército dos Estados Unidos sua experiência. Depois veio para o Brasil, onde fez contato direto com o então chefe do Sistema Nacional de Informação (SNI), o general João Batista Figueiredo e com Sérgio Paranhos Fleury, no auge da repressão. Paul introduziu no Brasil a terminologia “Esquadrões da morte” e acabou ficando conhecido como “a cara visível da tortura”, conforme assinalou Fermino.

A partir de uma reportagem publicada na primeira pagina do Le Monde Diplomatique, na França, ele ficou amplamente conhecido e os detalhes causaram grande impacto no país. “Uma mulher contou que foi torturada e era estuprada duas vezes ao dia por soldados franceses que a estupravam em grupo. É uma historia terrível, teve repercussão enorme e o Le Monde foi procurar os militares franceses que atuaram na época”, contou a jornalista brasileira Leneide Duarte-Plon que mora na França e está escrevendo um livro sobre Paul.

“Ele revelou em detalhes como foi feita a repressão em Argel. [Na época] disse que não tinha nem arrependimento, nem remorso e faria tudo de novo. Ele acreditava que a tortura pode ser necessária”, detalhou Leneide. Paul Aussaresses morreu no último (3/12) sem responder por seus crimes. Ao publicar um livro em 2001, ele e os editores acabaram processados por “apologia de crimes de guerra” mas a Justiça o absolveu, protegido pela Lei da Anistia, conforme explicou Leneide.

“Em 1973 veio para o Brasil como adido militar, um eufemismo para uma colaboração estreita de informações e controle dos nossos exilados na França”, contou a jornalista que o entrevistou longamente. A entrevista será publicada na íntegra no livro que será lançado em abril de 2014. “Ele disse que o general Figueiredo participou diretamente [das sessões] de tortura. Fiqueiredo e o delegado Fleury eram os responsáveis pelo Esquadrão da Morte”, destacou Leneide Duarte-Plon.

América latina: técnicas de tortura

Segundo Fermino Alves, nos anos 1970, o Brasil se tornou o principal exportador e instrutor de técnicas de tortura a países como Chile, Paraguai, Bolívia e Argentina. “Os Estados Unidos não foi o único professor do Brasil. O Exército francês também fez sua parte”, destacou Fermino. O livro intitulado “Services Spéciaux-Algérie 1955-1957” é um relato frio feito por Paul Aussaresses que rendeu a indignação até do presidente Jacques Chirac que conseguiu pelo menos que ele perdesse o título Légion d’Honneur  que o condecorava no exército francês.

O pesquisador Fermino Alves afirmou que é importante tentar buscar documentos que revelem o número de pessoas que participaram das aulas. “Não sabemos quantos oficiais foram formados. No site da escola de Manaus se diz que foram 400 estrangeiros treinados, mas eu acho que foram até mais. Só o Chile mandava de um a 12 oficiais por mês, ele conhece os futuros adidos militares que foram trabalhar nesses países do cone sul que participantes no plano da Operação Condor”, destacou.

“O que a escola tem a esconder? Já se passou tanto tempo e o Brasil precisa saber da sua história. Quem é que fez curso lá? Quais foram os instrutores? Por que essa escola foi direcionada para ser uma escola do terror?” questionou Fermino, sugerindo que a Comissão “Rubens Paiva” impulsionasse ao lado da CNV a busca dessas informações.  A jornalista Leneide Duarte-Plon vai lançar em abril de 2014 na Comissão “Rubens Paiva” um livro sobre o Frei Tito de Alencar, que se suicidou na França por não suportar as amargas lembranças das torturas que sofreu nas mãos de Fleury.

Guerrilha do Araguaia Fermino Alves chamou atenção para o que está publicado no livro Mata!: o Major Curió e as guerrilhas no Araguaia do jornalista Leonêncio Nossa. Segundo Fermino, houve as primeiras campanhas que fracassaram diante dos guerrilheiros, mas que no desfecho o Exército utilizou as técnicas orientadas pelos ensinamentos de Paul Auseresses. Desaparecer com as pessoas que foram presas e torturadas seria uma das orientações.  Fermino disse é possível localizar em alguns sites feitos pelos próprios militares, que atuaram como agentes da repressão, informações sobre a formação que tiveram, indicando treinamento no Cosac.

*Thaís Barreto é jornalista, assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”