Ainda a resistência dos professores paulistas

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Como podem ver estou tentando colocar a vida digital em dia. Enquanto estávamos viajando nem sempre o acesso à rede era possível e quando tínhamos o tempo era curtíssimo.

Durante minha ausência dois eventos ocorridos no Brasil tiveram repercussão fora daqui: as chuvas torrenciais e desabamentos no Rio de Janeiro e a violência com que a polícia e o governo do Estado de São Paulo lidou com a greve dos professores.

Antes de viajar, eu havia publicado dois artigos de professores sobre a greve que provocaram um rico debate. O artigo que publico agora é de autoria do professor Reinaldo de Melo, um dos professores publicados naquela ocasião. Ele redigiu o texto após os graves acontecimentos do dia 27 de março. Na mídia grande este seria um texto velho. Mas para mim é importante que fique o registro dos principais agentes deste movimento de resistência: os professores de São Paulo.

A Democracia, a Baderna e a Paz

Por: Reinaldo Melo

O conceito de democracia está bem definido no artigo primeiro, parágrafo único da Constituição Brasileira: “Todo poder emana do povo...”. Se a democracia se constitui no poder do povo, para o povo e pelo povo, como negar então que os princípios básicos da organização social devem ser regidos pela necessidade desse povo?

No sexto artigo o primeiro direito social do povo é a educação, que vem explicitada no  205º artigo: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada (...) visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Como vivemos numa democracia, é de se esperar então que tais leis fossem respeitadas e sacramentadas pela sociedade e invioláveis pelos governantes. No entanto, o termo democracia, tão evocado nos dias de hoje, cai por terra quando vemos aqueles que deveriam ser os primeiros a respeitá-la rasgarem a Constituição.

Nestes 16 anos de PSDB no estado de São Paulo, o que vimos foi o total desrespeito à essência democrática estabelecida na Carta Magna. O quinto parágrafo do 206º artigo inicia-se com o princípio: “valorização dos profissionais de ensino”. Ora, até o mais ingênuo professor sabe que hoje ele não passa de um pária da sociedade, simultaneamente transformado no grande responsável pela educação de uma sociedade deseducada cuja estrutura familiar se mostra falida. E como sua missão é obviamente impossível, essa mesma sociedade aponta as armas contra o peito do docente, culpando-o pela derrocada construída por ela própria. E, para piorar, o governo, que possui a estrutura e o dever para mudar tal realidade só vem a reforçar tal visão quando nos ataca, principalmente pela mídia, nos alcunhando de incompetentes, acomodados e vagabundos. Nada mais conveniente para esconder o rasgo da Constituição. E conveniência não é a base de uma sociedade democrática.

Além da valorização do docente, outros princípios são atacados. A liberdade de cátedra, explícita no parágrafo II do 206º artigo, é desprezada por meio da imposição do uso das cartilhas da proposta pedagógica do estado. Tal imposição impede que o professor trace sua própria estratégia pedagógica, ao mesmo tempo em que o transforma num profissional insensível, já que o encurralamento didático faz com que também sejam desprezadas as necessidades de cada um de seus alunos, ou seja, gera a inflexibilidade, ferramenta necessária para a formação do indivíduo crítico e cidadão. Outra vítima, baseada nos princípios relatados, é a garantia de padrão de qualidade do ensino, VII parágrafo. Com o advento do Construtivismo à moda brasileira, os poderosos anti-democráticos, no objetivo de reduzir os investimentos na educação, estabeleceram a aprovação automática em forma de progressão continuada. Distorcendo os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, foi tirada do professor a autoridade pedagógica, ao aluno não cabe nenhuma cobrança ou exigência, sendo este aprovado à série seguinte apenas por ir à escola, tendo a “liberdade” de não se comprometer com seus estudos.

Eis a grande baderna em que se transformou a educação do estado de SP: professores doentes e desmotivados, alunos que não vêem sentido na escola e no acúmulo de conhecimento, familiares que desrespeitam a constituição, já que esta diz que é um dever do Estado e da família a emancipação do indivíduo, ao irem à escola agredirem os professores sem entenderem que estes são tão vítimas quanto os seus filhos, e uma escola que joga grande parte de seus alunos no universo da semi-alfabetização camuflada em diploma de Ensino Médio.

Enquanto isso, os verdadeiros baderneiros, detentores de um lúdico poder e porta vozes de uma mídia corrupta, se aproveitam da falaciosa democracia representativa para se darem ao direito de bagunçar os princípios básicos de uma sociedade saudável. Da fragilidade dos seus engomados ternos, balbuciam falácias, misturadas com saliva e hálito tão podres quanto suas intenções, contra os docentes, dizendo que estes são os inimigos dos filhos dos pobres. Esses senhores estão protegidos por uma finíssima película de democracia momentânea, mas a História mostrará a baderna que estão a praticar: as agressões contra os professores, não apenas em forma de gás, pimenta e bala de borracha, mas na própria destruição dos direitos sociais que custaram tão caros àqueles que lutaram e os conquistaram no passado.

Mas como diz o poeta: “os lírios não nascem das leis” e cabe aos verdadeiros detentores dos princípios democráticos irem à luta com o objetivo de que estes princípios sejam praticados. Se as leis não bastam, que seja ouvida a voz daqueles que têm consciência do que lhe é garantido por elas. Os professores que ocupam as ruas e as praças são parte de onde emana o poder e, com isso, devem cobrar deste poder aquilo que ele não pode rasgar: uma educação de qualidade para todos.

Quando o poder joga gás de pimenta nos olhos e atira bala de borracha nos peitos destes professores, é inadmissível que a sociedade o permita, pois o que está querendo se legitimar é o próprio fim da democracia. A inversão de valores é jogada na mídia, “professores baderneiros atacam governo democrático”. Mas um governo democrático não pode temer o seu povo, muito menos agredi-lo. Democracia exige, por parte do poder, muito mais ouvidos do que fala, se o povo ocupa a praça para a exigência de algo é porque alguma coisa o poder lhe recusa. Baderneiro é o governo que dá às costas à população, tirando-lhe a qualidade dos serviços básicos como a educação.

Exigem destes professores a obediência à ordem e à paz. É fato que estes baderneiros que ocupam o palácio dos bandeirantes por 16 anos não possuem o direito de falar em ordem, sequer em paz. O problema dos professores é que eles são pacíficos até demais ao suportarem sem gritar as agressões vindas de todos os lados nesta tucana era de trevas. O que estes professores estão a fazer é ensinar aos seus pares ainda calados, aos seus alunos e à sociedade o que é a verdadeira democracia, esta não existe com a boca cerrada. A passividade não traz paz e “paz sem voz não é paz, é medo”.

Os professores deveriam ser alçados ao patamar de heróis, pois ainda acreditam na democracia que garante a educação para a formação de um indivíduo cidadão e preparado para ajudar a construção da nação. É tal crença que os move na luta diária dentro das escolas e na luta momentânea que ocorre nas ruas. Se a sociedade não consegue enxergar que tal suplício é praticado em nome dela, esta sociedade não se pode denominar como democrática e, assim, estará destinada a pagar um alto preço, pois não haverá paz enquanto estes multiplicadores da cidadania, os professores, serem tratados como irrelevantes na construção da democracia.