Alípio Freire: Mães de Maio dão mais um passo em sua luta, moradores de Higienópolis retrocedem em cidadania

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Por Alípio Freire* (recebido por e-mail)

13/05/2011

Camaradas e Amig@s,

Hoje à tarde, foi lançado, no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, o livro "Do luto à luta - Mães de Maio", sobre (e contra) o assassinato de cerca de 600 cidadãos e cidadãs, em apenas cinco dias, nas periferias da Grande São Paulo e Baixada Santista. Esta foi, sem dúvida, a maior chacina realizada em nosso País, por agentes do Estado (no caso, Policiais Militares) contra a população civil, pelo menos desde 1945.

Cerca de 300 pessoas lotaram o Auditório Vladimir Herzog: além da Mães (pais e irmãos) das vítimas, estavam presentes representantes de diversas entidades de Defesa dos Direitos Humanos e militantes e dirigentes de diversas organizações de trabalhadores e do povo (povo = explorados e oprimidos). Depois dos autógrafos - dados pelos familiars cujos depoimentos constam do livro - formou-se uma mesa, coordenada pela jornalista Rose Nogueira (grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e diretora do Sindicato dos Jornalistas), e composta por representantes das famílias dos mortos e desaparecidos há cinco anos, além de representantes de diversas das entidades e movimentos populares. Encerrado o ato, partiram todos em passeata até a praça da Sé, onde se realizou - nas escadarias da catedral - um culto ecumênico.

A tônica das falas foi o protesto contra os massacres desencadeados por agentes do Estado que continuam a acontecer em todo o País; a impunidade dos criminosos - sempre acobertados por suas corporações e pelas diversas esferas do Judiciário; e a federalização dos Crimes de Maio, cujos processos foram arquivados, há cerca de dois anos, a toque de caixa.

Como a imparcialidade vem sendo apontada pelos extrremistas de centro como a maior virtude dos que se pretendam democratas, e também temeroso das retaliações e atentados que esses terroristas da equidistância (verdadeiros Bin Ladens de arrabaldes) possam desencadear contra mim e a minha descendência, entendo por bem informar aos leitores desta mensagem, com o que se ocupava o outro lado.

Ou seja, enquanto as Mães de Maio davam mais um passo em sua luta, os moradores do bairro de Higienópolis (onde reside parte da elite paulistana) marcavam importante tento: a partir de pressão dos seus representantes, conseguiram impedir que o seu "bairro nobre", fosse conspurcado por uma estação de metrô, que poderia infestá-lo de pobres, negros e gentinha-da-periferia. Ou seja, reafirmavam publicamente (e com uma sinceridade inatacável) seu entendimento do que é e deve continuar a ser uma Democracia e uma República brasileiras.

Em Higienópolis, como nos demais bairros nobres da Paulicéia, preto, nem os cachorros: são todos poodles brancos, com correntinhas de ouro no pescoço com um berloque do mesmo metal ou dessas pedrinhas que se compra em joalheirias. Usam sapatinhos, roupinhas sob medida, laços de fita na cabeça e muitos têm babás só para eles. Vão a cabeleireiros, freqüentam shoppingcenters, farmácias e lojas finas, onde pobres não podem entrar. Têm seções inteiras de supermercados especializadas em produtos para a espécie, padarias e rotisseries. Para que manter o peso ideal, fazem dietas. Frequentemente vão ao cabeleireiro, e têm à sua disposição serviços odontológicos e veterinários - incluindo "consultas comportamentais". Dispõem de creches, têm professores particulares que lhes ministram aulas de boas maneiras, elegância e etiqueta. Dispõem de vários tipos de brinquedos, inclusive brinquedos educativos. São examinados e vacinados regularmente. Vários deles fazem terapia e ficam hospedados em hotéis especiailizados quando seus pais (digo, seus donos) viajam. Provavelmente já há pesquisadores estudando a possibilidade de equipa-los com lentes de contato azuis. Se contraem alguma doença grave, que lhes provoque muita dor ou qualquer tipo de sofrimento intenso, têm direito à eutanásia. Quando falecem, têm jazigos e cemitérios próprios. Também já existem crematórios.

Certa vez num debate, fui acusado por um autodenominado ecologista, que me acusou de ser antropocêntrico. Expliquei-lhe que não era tanto assim: enfim, eu respeitava mais as tênias, cupins e carunchos do que a ele.

Putabraço para tod@s, Alipio Freire

PS: Neste link, o meu texto publicado no livro "Do luto, à luta". Quem estiver interessado/a em comprar o livro - que é vendido a R$ 10,00 (dez reais)-, deve entrar em contato com o endereço eletrônico [email protected]

*Alípio Freire é jornalista