Alô, alô governo federal, isso não está certo não

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Tratar com povos ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, indígenas, extrativistas parece ser a maior dificuldade do governo de perspectiva desenvolvimentista. Espero que mais este absurdo não se concretize. Fotos: Davi Ribeiro

Cananéia:  Despejados do paraíso

Por: Suzana Fonseca,  A Tribuna 28/06/2012

O casebre de madeira de Jacó fica a cerca de três metros do Mar de Dentro, na ilha de Cananeia, no Vale do Ribeira. Da margem, ele consegue avistar a área continental da pequena cidade, do outro lado do canal.

No único cômodo da construção, uma cama rústica divide o espaço de pouco mais de 10 metros quadrados com um fogareiro e os apetrechos do ofício que garantem o sustento da família. E é nesse espaço ínfimo e simples que o pescador passa boa parte de seu tempo. Durante a semana, Jacó mora no casebre. De sábado a domingo vai para a Cidade visitar a família e vender o pescado.

Jacó é o apelido de Antonio Dias Teixeira, de 47 anos. O caiçara é o primeiro a nos receber numa manhã ensolarada de terça-feira, às margens do Mar de Dentro. Chegamos de barco – uma voadeira –, levados pelo casal Maria Lúcia Costa Paula e Renan de Paula.

O pescador Antônio Dias Teixeira relata que as famílias vivem do que conseguem capturar das águas do rio

Em janeiro Jacó recebeu uma intimação, informando-o de que ele deve deixar o casebre às margens do Mar de Dentro até sábado. “Na intimação tinha o meu apelido, Jacó. Não tinha o meu nome.”

Preocupado, o pescador nos mostra o único cômodo. “Só tenho aqui esse barraquinho, para eu dormir nele quando chego de pescar, para me esconder da chuva e do vento”, explica Jacó. “Estou aqui há mais ou menos 35 anos.”

É com o dinheiro obtido com a venda dos peixes que ele mantém a mulher e os três filhos. “Se eu tiver que sair, vou sofrer. Não tem outro lugar para a gente ter barraco. Todos os lugares têm dono ou são de preservação. O único lugar é esse.” Reintegração

A preocupação de Jacó é a mesma de outros 12 pescadores profissionais que ocupam pequenas porções de terra.

A área utilizada por essas pessoas está dentro dos limites da Estação Quarentenária de Cananeia, que pertence ao Governo Federal e está ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Em maio de 2011, a União Federal impetrou ação de reintegração de posse, com pedido de tutela antecipada, a fim de que os pescadores desocupem a área.

Segundo a Defensoria Pública da União em Santos, que representa os pescadores, a gleba pertencente à Quarentenária tem 15.138.000 metros quadrados, enquanto o espaço que o Governo Federal reivindica corresponde a 0,0083% desse total – ou 1.256,454 m. Sem saída

Roberto Carlos Fermino, de 46 anos, pesca na costa da ilha há cerca de três décadas. “Eu pescava, desde moleque, com meu pai.” O casebre de Roberto fica ao lado do de Jacó. “Estamos na mesma situação. Passo a semana aqui, vou à Cidade vender o pescado no final de semana e volto. Se eu tiver que sair, não tenho para onde ir”.

Assim como Jacó, Roberto recebeu a intimação no começo do ano para deixar o local. “Só veio escrito Roberto certo. O sobrenome veio errado”.

Apesar de aposentado, o pai de Roberto ainda pesca naquele lugar, ao lado do filho. Antonio Rangel tem 71 anos. “Fui um dos primeiros a vir para cá, em 1972. Trabalhei um pouco na Quarentenária, de guarda. Morava muita gente, mas eles não queriam ninguém aqui. Mas depois meu chefe deixou eu fazer um barraquinho. E fiquei vivendo da pesca.”

Mais adiante está Marçal Matheus, de 50 anos, que possui um barraco há 20 anos nas margens do Mar de Dentro, também na ilha. “Moro mais aqui do que lá. Passo a semana aqui. Se eu tiver que sair, não tenho ideia para onde vou.” Intocado

O casal Maria Lúcia e Renan também mora em um casebre na área que pertence à Quarentenária. É ali que eles passam a semana, pescando e cuidando da criação de ostras. Para chegarmos ao local, pegamos novamente a embarcação e seguimos por poucos minutos.

O casebre fica no meio da mata fechada. Da margem, não é possível avistá-lo. “Se for para a gente viver na Cidade, comprar mistura e tudo, o que ganhamos com a pesca não dá”, afirma Maria Lúcia. “Aqui, a gente pega a mistura do mar. E economiza água e luz.”

Um pouco mais adiante, chegamos à casa de Ana Dias Pires Alves, de 77 anos. Viúva de pescador, dona Ana costuma ficar no casebre – construído pelo falecido marido – com o filho, Marcos Antonio Alves, de 38 anos, também pescador. “Faço pescaria artesanal, de rede”, conta Marcos. “Meu pai pescou até o ano passado, quando faleceu. A gente preserva a natureza, a mata.”

O pescador, que sempre viveu ali, critica a ação proposta pela União. “Vivemos 40 anos com a Quarentenária em harmonia. Não aumentou nenhuma casa. Pelo contrário, diminuiu, porque os filhos não querem viver desse jeito. Agora, querem que a gente saia. Estão tirando as pessoas que cuidam daqui para criar gado. Estão tirando o pessoal do paraíso para colocar boi no lugar.”

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