Baixo grau de risco de investimentos no Brasil: a população negra também será beneficiada?

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Que tal um cafézinho?

Entrevista concedida à equipe do Boletim Eparrei Online

Eparrei-O fato de o Brasil entrar para o seleto clube de nações com baixo grau de risco de investimento deverá trazer investimentos estrangeiros para o Brasil, você acredita que a população negra será beneficiada?

R-O fato de o Brasil ter recebido por parte das agências internacionais de avaliação de risco o grau de investimento significa que o país poderá receber investimentos de determinados fundos mais avessos a inversões de alto risco, tal como são consideradas as nações onde existe algum risco de calote da dívida. Assim, o Brasil passa a se qualificar estes investimentos. Contudo, nem todo investimentos feito desde o estrangeiro, mesmo para os fundos mais avessos à inversões de risco, serão provenientes para o aumento do estoque de riqueza material existente por meio de investimentos no setor produtivo. Uma parte relevantes destes fundos virá para a aquisição de ativos financeiros, especialmente títulos da dívida pública, tendo em vista que o Brasil, remunerando os investidores com juros nominais acima de 12% acaba sendo bastantes atraente para esse tipo de investimento.

Como fator positivo poderíamos mencionar que com o grau de investimento o Brasil fica mais protegido de crises financeiras, que tendo sido geradas em outros países, apresentam menor risco de contaminação da nossa economia. Com a valorização da nossa moeda, o real, também aumenta o poder de compra de nossa população perante aos bens e serviços produzidos mundo a fora, o que tem um efeito importante para o aumento do bem-estar da população.

Porém, a entrada massiva de recursos implica que o real se valorizará diante da ainda moeda de referência de transações internacionais que é o dólar, tornando nossos produtos mais caros e, portanto, menos competitivos. Com isso, nosso saldo de transações correntes fica deficitário aumentando a necessidade de financiamento externo para cobrir o saldo a descoberto de nossa balança comercial.

Em suma, há um jogo de perdas e ganhos com o novo cenário. Quanto à pergunta se a população negra ganha com esse novo contexto, poderia vir a ter benefícios caso o setor financeiro passasse a arcar com uma parcela maior dos tributos pagos pelos brasileiros. Assim, com o grau de investimento, posto que ocorreria uma entrada de recursos mais conservadores, os investimentos de perfil de curto prazo poderiam receber tributações específicas, o que ampliaria a capacidade de investimentos por parte do poder público. Também as políticas de juros praticadas poderiam ter um caráter menos conservador, assim penalizando menos o setor produtivo, o consumo de bens de consumo duráveis e beneficiando o nível de atividade no seu conjunto. Mas dificilmente nosso governo trilhará esta via, vista como uma forma de ameaça aos investidores estrangeiros.

Eparrei-Fala-se de perspectiva de crescimento, já que o investimento estrangeiro irá ampliar a capacidade de produção das empresas, possibilitando-se um maior número de bens e serviços, no entanto as estatísticas de desemprego com recorte de gênero e raça pouco se alterou. Quais os fatores que levam o empresariado a não contratar negros, em especial mulheres negras?

Na verdade nos últimos anos foi observado um crescimento do emprego com carteira em todo o país. Isso decorre do movimento observado na economia mundial com as elevadas taxas de crescimento da economia chinesa e indiana, e com o aquecimento do próprio mercado interno fruto da elevação do poder de compra do salário mínimo, da expansão do crédito para as pessoas mais pobres e de certo modo das políticas governamentais de transferências de rendimentos tal como o Bolsa-Família. Tal cenário permitiu inclusive uma ligeira queda nas assimetrias de cor ou raça em termos dos rendimentos do trabalho, que hoje está na casa dos 90% (diferença dos brancos versus os negros), quando há onze anos atrás estava na casa de quase 120%.

De qualquer maneira as formas de vínculo dos negros ao mercado de trabalho brasileiro ainda é um tanto precária, decerto de qualidade bem inferior ao modo de inserção dos grupos branco e amarelo. No caso das mulheres negras a situação é ainda pior: a taxa de desemprego deste grupo chega a 12% (entre os homens brancos é a metade), e 75% trabalham em profissões precárias e sem acesso a quaisquer tipos de proteção legal, inclusive ao sistema previdenciário. Portanto, trata-se de refletir não somente sobre cenários conjunturais, mas dos próprios efeitos do modelo de desenvolvimento socioeconômico do país sobre os afrodescendentes.

Equipe Eparrei-O que você como economista sugere para que se reverta esse quadro de desigualdade?

As assimetrias somente poderão ser combatidas quando existir um consenso no seio da sociedade brasileira sobre o papel estruturante das desigualdades raciais na construção de nosso quadro social mais amplo. Obviamente que somente consensos conceituais não alimentam ninguém, mas o problema é do papel que a agenda das políticas de promoção da equidade racial apresenta no interior do debate público no Brasil.

Analisando a questão em termos práticos, seria necessário o consorcio entre políticas gerais (tais como, por exemplo, as que acabamos de apontar sobre a taxação sobre o sistema financeiro e redução dos juros ou as corretas políticas recentes de valoriza ção do salário mínimo) com políticas voltadas à promoção da qualidade de vida dos pobres em geral, com ênfases especiais sobre os afrodescendentes. Tais políticas compreenderiam o sistema educacional, de saúde, de qualificação profissional, de investimentos públicos (especialmente em saneamento básico), além de um esforço geral em prol da mudança da forma de inserção dos afrodescendentes de ambos os sexos no interior da sociedade brasileira).

Equipe Eparrei-Falando-se dentro de uma perspectiva real, quanto tempo o Brasil precisará para corrigir as desigualdades raciais existentes? Quais são os caminhos para o Brasil atingir essa igualdade?

R-Na verdade, analisando-se a evolução recente de alguns indicadores sociais verifica-se que alguns indicadores já vêm percebendo uma redução das assimetrias. Isso ocorre com os níveis de rendimento do trabalho, como já comentado, com alguns indicadores educacionais e com o acesso a alguns bens de uso coletivo. O problema é que as distâncias acumuladas entre os grupos raciais são enormes e mesmo os avanços recentes não foram suficientes para que as desigualdades tenham se encurtado substancialmente. O tempo que será necessário dependerá do rumo e da intensidade das políticas que forem adotadas. Na medida em que a pressão dos setores conservadores for sentida, postergando indefinidamente a adoção de medidas adequadas em prol da igualdade sociorracial, tal cenário de maior justiça social ficará postergada para um futuro distante.

Equipe Eparrei-Como você analisa as iniciativas em auto sustentabilidade através da geração de renda que algumas organizações de mulheres negras estão tomando?

É possível manter parcerias com governos e se manter fiel aos ideais do Movimento?

R-O ideal é que as organizações da sociedade civil, especialmente as ligada ao movimento negro, sem nunca deixar de dialogar e participar nos órgãos cabíveis, jamais deve abrir mão de sua autonomia de gestão, organização, financiamento e, fundamentalmente, de crítica.

Equipe Eparrei -Qual a importância de um site como o seu para os governos, o que o diferencia dos demais?

R-Nosso portal, como está escrito em sua primeira página, visa ser um meio de democratização de acesso a indicadores socioeconômicos desagregados pela variável cor ou raça. Para tanto contamos com o Fichário das Desigualdades Raciais, um instrumento de fácil manejo para os interessados e contendo informações desagregadas por municípios, estados, regiões, bem como pelos dois grupos de sexo, faixas etárias e todos os cinco grupos de cor ou raça cobertos pelas pesquisas oficiais. Também no portal do LAESER (www.laeser.ie.ufrj.br) apresentamos nossas pesquisas, resultados de estudos e demais informações acerca de nossas iniciativas.

Todas e todos os interessados em conhecer melhor o meu trabalho e as iniciativas do LAESER estão convidados para nos visitar para tomarmos um cafezinho eletrônico.