Breno Altman: Por que a direita bate bumbo por Yoani?

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Por que a direita bate bumbo por Yoani? Visita acabou demonstrando que a solidariedade em relação à Revolução de 1959 permanece viva na América Latina Por Breno Altman 27/02/2013 O direito de protestar faz parte da democracia. Essa garantia inclui apupos, gritos, gestos, cartazes e até o esculacho. Apenas exclui o exercício da violência direta, monopólio do Estado em seu papel regulador das relações sociais. Não se pode classificar, como modalidades aprioristicamente antidemocráticas, por exemplo, piquetes grevistas, ocupações de terra e bloqueios de estrada. Muito menos o recurso à vaia.

O sistema democrático, afinal, não tem como finalidade tornar a política o reino dos eunucos, mas normatizar o conflito de classes, partidos e grupos a partir de regras válidas para todos e resguardadas pelas instituições pertinentes.

Yoani Sánchez visita o Congresso Nacional brasileiro, em Brasília. A cubana foi recebida pelos principais representantes da oposição. Efe (20/02/2013)

Protegido por esse princípio, o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, organizou uma claque para vaiar o presidente Lula na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007 e impedi-lo de discursar. A esquerda aceitou o fato como natural e tratou de mobilizar suas forças para, na garganta, neutralizar as cornetas conservadoras.

Na semana passada, quando a blogueira Yoani Sanchez chegou ao Brasil, diversas entidades e agrupamentos progressistas resolveram botar a boca no trombone, por considerarem insultante a visita de uma dissidente incensada e financiada pelos Estados Unidos, no eterno propósito de combater a revolução cubana.

Esses movimentos tomaram várias iniciativas para demonstrar que, a seu juízo, Yoani era persona non grata. As medidas tomadas, em alguns momentos, até passaram do ponto, caindo em provocações e deslizando para o exagero. Os ativistas eventualmente cometeram erros políticos, correndo o risco da antipatia do senso comum. Agiram, contudo, sob amparo da mesma Constituição que avalizou os protestos do Maracanã.

Inúmeros oráculos da direita reagiram com fúria descontrolada. Cerraram fileiras e acusaram os manifestantes de atentarem contra a democracia, sem pudores de expor sua dupla moral. Boa parte dos que supostamente se horrorizaram com as vaias contra a escriba, vale lembrar, vibrou com a armação de Maia e se dedica a estimular qualquer ação de repúdio, verbal ou física, aos petistas acusados no processo do chamado "mensalão".

Essa indignação pretensamente democrática dos setores conservadores exala o odor de sua contumaz hipocrisia. Claro, muitos cidadãos torceram honestamente o nariz, à direita e à esquerda, pois está sedimentado, em nossa cultura política, que o confronto é uma aberração da natureza. Mas a vanguarda reacionária está preocupada com qualquer outra coisa que não os bons modos.

A direita imaginou que o road show de Yoani Sanchez seria a apoteose midiática de uma nova voz contra o governo cubano. Acreditou que teria conforto para revalidar seu ponto de vista sobre o regime fundado em 1959, dando-lhe ares de unanimidade, em um momento no qual as atenções se concentravam na eleição de Raúl Castro para novo mandato presidencial e no aprofundamento das reformas do sistema socialista.

Essa aposta, além de subserviência ideológica aos Estados Unidos, voltava-se também para desgastar um aspecto importante da política internacional brasileira, qual seja, o apoio à economia cubana e à integração plena do país no bloco latino-americano. Não é à toa que os valetes da blogueira foram alguns ases da oposição mais iracunda, aos quais se somou o inefável senador Eduardo Suplicy. Solidariedade a Cuba

Qual não foi a surpresa dessa gente, porém, quando reparou que não haveria pacto de silêncio e a empreitada estava sendo enfrentada por onde passasse sua heroína. O governo não saiu um milímetro de seu papel institucional, a favor ou contra a blogueira, mas uma fatia da esquerda resolveu dizer publicamente o que pensava, em alto e bom som.

Bastou para os organizadores da visita reduzirem o número de eventos e Yoani cancelar sua ida para a Argentina, arremetendo diretamente para a República Checa. Temia-se que, em Buenos Aires, a recepção fosse ainda mais calorosa e massiva. O próprio Wall Street Journal, santuário do pensamento conservador, registrou que a presença da dissidente havia sido um tiro pela culatra e ressuscitado a solidariedade com a revolução cubana.

A mesma lucidez faltou a seus pares brasileiros. Como é de praxe, a imprensa tradicional recorreu à pena de articulistas que, com passado na esquerda, atualmente cumprem expediente como banda de música da direita. Outrora essa posição foi preenchida pelo talento político e literário de Carlos Lacerda, até de Paulo Francis. Infelizmente seus herdeiros têm poucas luzes e pálidos dotes narrativos, déficit que parecem compensar com um rancor irracional contra seu lado de origem.

E o ódio costuma ser, como se sabe, parteiro de ideias delirantes. Os manifestantes chegaram a ser comparados com os camisas-negras de Mussolini e as tropas de choque nazistas, enquanto Yoani Sanchez foi citada como equivalente cubana do sul-africano Nelson Mandela. São afirmações reveladoras de que não há limites para o reacionarismo quando as ruas ousam desafiar seu modo de ver o mundo.

* Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel. Artigo originalmente publicado no site Brasil 247. Leia mais 40 perguntas para Yoani Sánchez em sua turnê mundial Quem está dando corda em Yoani Sánchez "Houve exagero" durante manifestação contra Yoani na Bahia, diz Suplicy Maratona Yoani: Jardins descobrem paixões pró e anti-Cuba

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