Camila Nunes Dias: Crise expõe esgotamento do modelo de segurança em São Paulo

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Em entrevista à Carta Maior, Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo (USP), defende que a atual crise na segurança pública, expressa no aumento do número de homicídios, é resultado do "esgarçamento de uma espécie de convivência equilibrada entre poder público e organizações criminosas". Essa crise, acrescenta, é a expressão mais acabada de que o atual modelo de segurança está esgotado.

Crise expõe esgotamento do modelo de segurança em São Paulo

Por: Fábio Nassif, Carta Maior

08/11/2012

São Paulo - Pela televisão, a população paulista acompanha o placar do número de policiais e um tanto de anônimos mortos. Pelas periferias de São Paulo, a população vive momentos de terror, entre operações violentas da polícia e chacinas cotidianas. A busca por explicação entorno de tantas mortes não é um desafio fácil diante da postura do governo de Geraldo Alckmin (PSDB). A professora da Universidade Federal do ABC, Camila Nunes Dias, porém, procura apresentar alguns elementos. Também pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência, da USP, Camila acredita que a atual crise – expressa no aumento do número de homicídios - é resultado do esgarçamento de uma espécie de convivência equilibrada entre poder público e organizações criminosas.

A professora ainda criticou a Operação Saturação, realizada pelos tucanos. “Essas operações representam, de uma lado, uma resposta midiática, para transmitir à parte da sociedade uma sensação de que o governo está dando uma resposta ao crime, e de outro lado elas expressam a criminalização das populações mais pobres”, disse na entrevista. Mas também cobrou sinalizações do governo federal de que não tolere retaliações privadas às mortes de policias, como vêm ocorrendo. Leia na íntegra:

A crise da segurança pública paulista é uma crise do modelo de segurança ou do fracasso da aplicação deste modelo?

Eu acho que é um pouco dos dois. Tem um modelo de política de segurança – que não é “privilégio” de São Paulo - baseado em duas ações: repressão policial com investimento na polícia militar e o encarceramento em massa via investimento no sistema prisional. Esse o modelo se mostra absolutamente ineficiente, mas é um modelo que está aí. Os governos e a sociedade de uma forma geral têm dificuldade de pensar segurança pública indo além desse modelo.

Essa crise é expressão mais acabada de que este modelo de segurança está esgotado. Ele não traz resultados positivos no longo prazo.

A redução do número de homicídios no período anterior, e o recente aumento do número de homicídios, tem a ver com a boa ou má relação entre polícia e organizações criminosas?

Acho que a redução das taxas de homicídio em São Paulo está muito menos ligada a tal política de segurança que acabei de mencionar, e muito mais com a predominância e a hegemonia do PCC [Primeiro Comando da Capital] em São Paulo. Da mesma forma que a presença do PCC está ligada com a redução dos homicídios, não por uma ideologia pacifista, mas por uma questão de controle de mercado. A partir do momento que se tem uma só organização criminosa que controla o mercado ilícito, sobretudo o tráfico de drogas, existe um volume de conflitos muito menor envolvendo estas atividades. Podem ter outros fatores para a redução dos homicídios, mas esse é um elemento importantíssimo.

Por outro lado essa hegemonia que produz uma estabilidade no mercado e portanto a redução de violência física ligada a esse mercado, para se manter depende de uma série de fatores, dentre os quais a relação da organização (PCC) com o poder público. Sobretudo com as polícias. Eu chamo de “acomodação precária”, uma espécie de convivência equilibrada, que garante estabilidade num cenário urbano. Essa crise, de fato, é o resultado de um esgarçamento dessa relação. Por uma série de motivos esse desequilíbrio se rompeu.

Acredita que há uma disputa territorial entre alguns setores da polícia e organizações criminosas em torno do tráfico de drogas, máquinas de caça níquel ou outras atividade ilícitas? 

Sendo bem sincera nunca ouvi isso. Apenas li na imprensa, então não posso afirmar. Acredito que impossível não é. Pode ocorrer - não como no caso do Rio de Janeiro das milícias. Mas não acho que seja algo estrutural ou organizacional. Se há essa disputa, ela se apresenta de uma forma bem localizada e pontual.

A Operação Saturação vem se repetindo em São Paulo como uma opção meio espetaculosa dos governos tucanos para responder a essas crises. Como exemplo ilustrativo: a Secretaria de Segurança Pública divulgou que uma recente operação realizada no Campo Limpo abordou 1071 pessoas e prendeu 9. O que acha dessas operações, principalmente na relação com os moradores dessas regiões?

Mostra em primeiro lugar uma grande inconsequência. Um dispêndio de gastos e esforços muito volumosos. Essas operações representam, de uma lado, uma resposta midiática, para transmitir à parte da sociedade uma sensação de que o governo está dando uma resposta ao crime, e de outro lado elas expressam a criminalização das populações mais pobres.

Em comunidades como Paraisópolis, por exemplo, é evidente que há criminosos – como em quase todas as partes da cidade – mas é evidente que a esmagadora maioria da população é de pessoas honestas, que trabalham, etc. Nessas operações, no entanto, estão todos submetidos a essa ocupação militar, à todas as formas de sujeição, de abusos de direitos, de exposição à violência, vulnerabilidade. Nós sabemos que é isso que ocorre em comunidades tomadas por forças militares. Ou seja, não adianta absolutamente nada. Óbvio que vai ter maior volume maior de apreensões de mercadoria ilícitas, pessoas presas, mas se trata de operações pontuais que não geram qualquer efeito no longo prazo.

O que resultou em termos de mudança estrutural as operações realizadas anteriormente em Paraisópolis? Absolutamente nada. Só tem um efeito deletério de expor uma população, inclusive crianças, a essa presença ostensiva da polícia militar. É um tiro no pé a médio prazo, inclusive por colocar a esta parte da sociedade, o lado mais violento e opressor da polícia. Expõe as forças policiais a um processo de deslegitimação ainda maior.

Diante deste cenário, que inclusive aponta para a existência de grupos de extermínio formada por policiais – se é que deixaram de existir em algum momento – como vê as respostas anunciadas pelos governos estadual e federal? Quais seriam medidas que poderiam resolver a longo prazo a questão da segurança?

Em relação aos grupos de extermínio, embora não hajam provas definitivas, há evidências de que eles existem. De fato é discutível se eles deixaram de existir em algum momento, mas em situações de crise essas evidências saltam mais aos olhos.

No caso do governo estadual e mesmo do governo federal falta uma demonstração de que não vai tolerar este tipo de envolvimento de policias ou com grupos de extermínio ou envolvimento em retaliações, vinganças privadas às mortes de policiais. O governo, além de encontrar e prender responsáveis pelos assassinatos dos policiais, precisa sinalizar que não vai compactuar e tolerar assassinatos de civis, sobretudo praticados por policiais. O governo precisa investigar essas execuções das populações das periferias que estão se tornando rotineiras. Noite após noite estão ocorrendo chacinas nas periferias e até o momento não ouvi nenhuma palavra do governador sobre isso.

Acha que é um bom momento para o debate da desmilitarização da polícia?

Não acho que é um bom momento. Em termos culturais, essa sensação de insegurança bloquearia a discussão. Em momentos de crise como esse, os apelos às ações mais repressivas encontram mais espaço para germinar como forma de solução. Infelizmente a maioria da sociedade pensa que é preciso fortalecer a polícia militar. Eu sou absolutamente favorável a desmilitarização da polícia, mas precisamos pensar bem o momento para colocar este debate.

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