Comissão da Verdade instalada para investigar crimes cometidos por agentes do Estado no período pós-Constituição

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Comissão da Verdade é instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo De âmbito nacional, grupo debaterá crimes cometidos por agentes do Estado no período pós-Constituição

POR LEONARDO GUANDELINE, Globo 20/02/2015 9:55

SÃO PAULO - Será instalada na tarde desta sexta-feira, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a Comissão da Verdade da Democracia, grupo de âmbito nacional criado para debater os crimes cometidos por agentes do Estado brasileiro a partir de 1988, ano da Constituição. A comissão também fará reuniões na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Os moldes da Comissão da Verdade da Democracia, batizada "Mães de Maio", são semelhantes aos das comissões estaduais da verdade das duas casas, finalizadas no ano passado e focadas nos crimes de agentes no período da ditadura.

A comissão foi batizada de "Mães de Maio" em referência ao grupo de familiares de vítimas de agentes de segurança paulistas em maio de 2006, durante a onda de ataques da facção criminosa que age dentro e fora dos presídios de São Paulo.

Desde a redemocratização, além dos homicídios de maio de 2006, São Paulo registrou o massacre do Carandiru e sucessivas mortes atribuídas a grupos de extermínio formados por policiais militares, principalmente nas periferias. No Rio, as chacinas de Acari, da Candelária e de Vigário Geral, entre outras, ocorreram nos anos 1990.

Os trabalhos da Comissão da Verdade da Democracia terão o auxílio de consultores da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além das comissões de Direitos Humanos da Alesp e da Alerj.

A criação foi proposta pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT), que não se elegeu deputado federal no ano passado e deixará o cargo na Alesp no próximo dia 13. Diogo, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade da Alesp, no entanto, pretende colaborar com a Comissão da Verdade da Democracia com informações e documentos.

- Na realidade, é uma ideia de um ano atrás, pelo menos. Houve um atraso de mais de seis meses para se instalar essa comissão aqui na Assembleia. É uma comissão nacional, que terá auxílio do Ministério da Justiça e tratará pelo menos de crimes cometidos por agentes do Estado em São Paulo e no Rio - ressalta o deputado.

Adriano Diogo acrescenta que a repressão política da ditadura continuou na democracia como "repressão social" e lembrou que no caso dos esquadrões da morte, o modus operandi dos agentes é praticamente o mesmo do utilizado nos anos de chumbo.

- Tentaremos resgatar a história das grandes chacinas e de crimes de Estado que não foram esclarecidos. A ditadura acabou, mas as execuções extrajudiciais continuaram. Há os esquadrões da morte desde os tempos da ditadura, os do (Sérgio) Fleury, o massacre do Carandiru, a operação Castelinho (cerco policial em uma rodovia do interior paulista que resultou na morte de 12 supostos integrantes da facção que age dentro e fora dos presídios paulistas), os crimes de maio na Baixada Santista, a vala de Perus e outras valas que continuam a existir nos cemitérios país afora.

A vala clandestina de Perus, citada pelo deputado, fica no cemitério Dom Bosco (Zona Norte de São Paulo) e foi descoberta em 1990. No local eram desovados corpos de vítimas da ditadura e dos chamados esquadrões da morte.

UM ALENTO PARA MÃES DAS VÍTIMAS

A criação da Comissão da Verdade da Democracia é um alento para Débora Maria da Silva e tantas outras mães de vítimas da violência policial. Líder do movimento Mães de Maio, Débora perdeu o filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, em 15 de maio de 2006. Ele foi morto a tiros em Santos, no litoral paulista, após parar em um posto de combustíveis para abastecer sua moto. Débora atribui o crime a policiais militares.

Sepultado com um projétil alojado, o corpo de Edson foi exumado somente em 13 de junho de 2012. O inquérito sobre a morte dele foi arquivado e o projétil retirado do corpo estaria em poder do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público (MP) de Santos.

- No espaço de uma semana, mais de 600 jovens foram mortos em todo o estado. Em um mês, foram mais de 1,3 mil assassinatos. A impunidade foi blindada pelas autoridades. De lá para cá, as mães de maio se multiplicam a cada ano. O Brasil é produtor de 56 mil delas por ano - diz Débora.

Em 2012, o movimento Mães de Maio pediu à Presidência da República a federalização das investigações dos crimes de maio de 2006. Também data de 2012 os pedidos para a criação de uma comissão aos moldes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pelo fim de ocorrências registradas nas delegacias como "resistência seguida de morte", o que, de acordo com o movimento, dava à época "carta branca para policiais continuarem matando”.

- Quando uma mãe perde um filho, o Estado não ampara ninguém. A perícia (necroscópica) do meu começou de trás para frente, somente após a exumação. Ele foi enterrado com um projétil alojado ao corpo e, na ocasião, o Ministério Público disse não ter pedido exumação "para a família não ficar constrangida" - complementa Débora.

Segundo ela, a Comissão da Verdade da Democracia terá uma de suas primeiras sessões dedicadas aos desaparecidos de maio de 2006. A suspeita é de que vários deles foram mortos e enterrados em valas clandestinas.