Coreia do Norte: Cadê o dindim EUA?

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Os EUA devem US$65 trilhões por danos de guerra Por: Donald Kirk, Asia Times Online, Piongueangue, RPDC. 26/6/2010 Tradução: Caia Fittipaldi

Agora, chegou a conta. Na 6ª-feira, quando se marcam os 60 anos do início da Guerra da Coreia, a República Popular Democrática da Coreia [“Coreia do Norte” na imprensa ocidental] apresentou a conta de 65 trilhões de dólares que espera receber dos EUA como compensação por 60 anos de beligerância estadunidense.

A cobrança, noticiada pela Agência Central Coreana de Notícias em Piongueangue, tem seu tanto de impacto retórico, equivalente à ameaça periódica que os do norte fazem, de converter Seul em “mar de chamas”, mas mostra eloquentemente a impossibilidade de reconciliação formal na Península Coreana em qualquer futuro previsível.

Em cronograma perfeito, o Norte informou também que mantém detido, mais ou menos como refém, um estadunidense  de nome Aijalon Gomes, cristão dedicado que ensinava inglês na Coreia do Sul, antes de entrar na Coreia do Norte vindo da China, em janeiro. A ameaça, pelo Norte, de aplicar “leis de guerra” contra Gomes é elemento de barganha num cenário que muito provavelmente terminará na libertação de Gomes, com certeza de modo que sirva a algum objetivo de propaganda. Seja como for, as apostas subiram, depois que Gomes foi condenado, em abril, a oito anos de trabalhos forçados por entrada ilegal no país. Agora, está sendo convertido, de criminoso comum, em criminoso de guerra, segundo a Agência Central Coreana de Notícias em Piongueangue, ao mesmo tempo em que prossegue a discussão sobre “como aumentar sua pena”.

A Agência Central Coreana de Notícias em Piongueangue não deixa dúvidas sobre os motivos de tudo isso: resposta ao apoio que os EUA dão ao pedido da Coreia do Sul, apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, de que condene o Norte como culpado pelo afundamento da corveta do Sul, Cheonan, em março, que causou a morte de 46 marinheiros.

Deve-se prever que Gomes acabará libertado para voltar para casa, mas não como resposta a pedido dos EUA, por motivos “humanitários”. Esse tipo de pedido não amaciará os estrategistas norte-coreanos, que já decidiram “castigar” o sul por terem levado o caso Cheonan à ONU.

O preço da liberdade de Gomes terá de ser diferente de outros, em situação lamentavelmente igual. A confrontação agravou-se depois que duas jornalistas da Internet TV de San Francisco, EUA – Euna Lee e Laura Ling – passaram 140 dias na Coreia do Norte, ano passado, depois de presas pelos guardas na fronteira com a China, junto ao rio Tumen.

Os EUA ainda acalentavam esperanças de melhorarem suas relações com o Norte, conseguindo, talvez, que o Norte voltasse às conversações sobre suas armas nucleares, quando o ex-presidente Bill Clinton dos EUA alugou um jato que o levou até a mesa de almoço do Amado Líder Kim Jong-il, almoçaram e, na volta, Clinton trouxe, no mesmo jato alugado, as duas jornalistas.

O caso de Gomes parece mais parecido ao de Robert Park, missionário norte-americano que entrou no Norte no Natal passado, levando uma carta a ser entregue ao Amado Líder , na qual pedia que se arrependesse dos pecados e libertasse os prisioneiros políticos.

Park foi libertado depois de 43 dias, dizendo que havia sido enganado por “falsa propaganda” e agradecendo a hospedagem e os bons tratos que recebeu dos anfitriões. Não se sabe o que os norte-coreanos fizeram a Park, para obter conversão tão radical, mas o caso de Gomes não será tão absolutamente simples, dado que apareceu imediatamente depois do incidente com a corveta Cheonan.

A Coreia do Norte exige muito mais, pelos sofrimentos da Guerra da Coreia. A cobrança de 65 trilhões de dólares pode ser apenas retórica, mas nada houve de retórica no banho de sangue da qual essa cobrança emerge hoje, quando morreram 4 milhões, mais da metade dos quais, norte-coreanos. Como disse a Agência Central Coreana de Notícias em Piongueangue, “Nosso povo tem pleno direito de exigir e receber compensação pelo sangue derramado.”

A nota traz valores itemizados: $26,1 trilhões, por “atrocidades cometidas pelos EUA”; $13,7 trilhões, por danos causados pelas sanções impostas pelos EUA; e $16,7 trilhões por danos a imóveis e perdas patrimoniais; várias outras entradas menores dão conta do total agora cobrado.

Quem imaginaria, quando os soldados norte-coreanos atravessaram o paralelo 38 que separa o norte e o sul, dia 25/5/1950, que 60 anos depois ainda estaríamos ouvindo falar de uma “segunda Guerra da Coreia”! Por inacreditável que seja, as diferenças entre Coreia do Norte e Coreia do Sul são hoje tão amargamente claras e pronunciadas quanto há tantos anos.

O perigo é hoje, ao mesmo tempo, muito pior e muito menor. É pior, no sentido de que a Coreia do Norte tem armas atômicas, já realizou dois testes nucleares subterrâneos e trocou know-how nuclear e peças com clientes no Oriente Médio, sobretudo com Irã e Síria.

A Coreia do Norte também tem mísseis, inclusive um modelo de longo alcance capaz de levar uma ogiva atômica até o Havaí, ao Alasca e, mesmo, até a costa ocidental dos EUA. E tem exportado mísseis de curto e longo alcance para clientes no Oriente Médio, dentre outros. Guerra nuclear no nordeste da Ásia é questão só teórica, e a maioria dos sul-coreanos fazem ar de absoluta indiferença quando perguntados sobre o tema. É ideia e certeza absolutamente generalizadas que “jamais acontecerá por aqui.”

Por isso, em termos de senso comum, uma segunda Guerra da Coreia, sob a forma de invasão do sul pelo norte, parece possibilidade extremamente remota. O holocausto que devastou a Península Coreana por mais de três anos parece ser, de fato, a “guerra esquecida”. Foi interlúdio sangrento que colheu o mundo de surpresa, ao eclodir, quase cinco anos depois do final da II Guerra Mundial, terminada em 1953 num armistício duvidoso que, de certo modo, perdura até hoje.

Diz-se que a Guerra da Coreia terminou em empate, sem lado vencedor, quando os tiros pararam exatamente onde haviam começado, na linha traçada à distância por norte-americanos e soviéticos, à altura do paralelo 38 antes da rendição dos japoneses em agosto de 1945.

Essa avaliação não é absolutamente precisa. Com o correr dos anos, o sul foi aos poucos emergindo como vencedor e por larga diferença. Depois de anos de dificuldades, o sul converteu-se em grande potência econômica mundial, com capacidades sofisticadas e impressionantes oportunidades educacionais, mercados florescentes e renda média cerca de 20 vezes mais alta que a dos norte-coreanos.

Ao tempo em que a Coreia do Sul passou pela transição política, de ditadura a Estado democrático, a elite reinante na Coreia do Norte permaneceu firmemente entrincheirada no poder, pelo menos para efeitos públicos. Kim Jong-il, cujo pai Kim Il-sung ascendeu ao poder no início da guerra e lá permaneceu até morrer em 1994, por mais que esteja envelhecendo ainda é suficientemente poderoso para impedir que cresça a onda de ambição de seus generais também envelhecidos, tanto quanto para impedir que engordem os protestos da população esfaimada. Seu sonho é preparar a ascensão ao poder de seu filho mais jovem, Kim Jong-un, que se aproxima dos 30 anos.

Se a Coreia do Norte é ainda fraca demais para tentar invadir o sul, mesmo assim ainda pode criar incidentes que mostram o quão frágil é a paz naquela Região. Depois do afundamento da corveta Cheonan, persiste o medo de mais batalhas nas disputadas águas no oeste do Mar Amarelo, cena de sangrentos tiroteios entre navios do Norte e do Sul em junho de 1999 e, outra vez, em junho de 2002. Também por isso, deve-se sempre temer novos tiroteios ao longo da zona desmilitarizada que divide a Península desde julho de 1953.

Embora muito se ouça dizer que a guerra parou onde começara, a Coreia do Norte conservou sob seu poder a cidade de Kaesong, que, antes da guerra, pertencia ao sul; e o sul manteve territórios acima do paralelo 38 no centro e leste do país. Kaesong é importante, porque lá existe um complexo econômico no qual operam 120 pequenas indústrias onde trabalham 44 mil norte-coreanos. O norte ainda lucra com o trabalho de Kaesong, apesar de o presidente Lee Myung-bak da Coreia do Sul ter cortado todos os contatos comerciais entre sul e norte, do qual o norte ganhava cerca de $200 milhões anuais, em retaliação pelo afundamento alegado da corveta Cheonan.

Há apenas 28.500 soldados estadunidenses na Coreia, mas navios dos EUA estarão reunidos à Marinha da Coreia do Sul, em julho próximo, em exercícios que serão show de força no Mar Amarelo. E o 7º Grupamento Aéreo dos EUA, estacionado em Osan, ao sul de Seul, é força considerável de contenção. A China, cujos “voluntários” salvaram o norte de serem completamente tomados por EUA e Coreia do Sul em 1950 e 1951, é hoje parceiro comercial vitalmente importante, tanto para os EUA quanto para a Coreia do Sul. O sul, apoiado pelos EUA prospera, num muito peculiar equilíbrio, no qual só um fato é perfeitamente claro para todos: ninguém deseja uma segunda Guerra da Coreia.