DEIXAREMOS O MEDO NOS DOMINAR????

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Conceição Oliveira

20/10/2005, às 20:39

Passei este mês de outubro fazendo exercícios de análise de discurso de notícias e artigos veiculados na imprensa e até mesmo dos mails apócrifos que inundaram minha caixa de correio. como historiadora, alguma habilidade eu tenho para fazer estas leituras. Hoje é o último dia da pífia campanha que vai referendar o comércio ou não das armas e munições em nosso país. E hoje também as pesquisas indicam a vitória do não. Para aqueles que acham que referendo é conspiração da globo ou meio de desviar os olhos do povo das CPIS, seria bom lembrar que nossa constituição (que foi uma vitória contra a ditadura militar) prevê referendos e que há gente séria neste país lutando para que a prática dos referendos seja mais usual entre nós. Vejam, por exemplo, esta matéria:

Edição nº 82 - 19/8/2005 Mais poder ao povo

"A principal lição que podemos tirar da atual crise política é que não existe democracia sem povo". É com este argumento que o jurista Fabio Konder Comparato tem percorrido o Brasil, desenvolvendo aquilo que chama de uma cruzada cívica, para tentar conquistar o apoio popular a um projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional. A proposta pretende dar novos contornos ao artigo 14 da Constituição e ampliar a possibilidade de convocação de plebiscitos e referendos, para finalmente colocar em prática no Brasil a idéia da democracia participativa. (para ler o resto vejam: http://www.sinprosp.org.br/especiais.asp?especial=82).

Art35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.

Neste sentido para quem se deixou enganar, saibam, pelo amor dos deuses, que o ESTATUTO DO DESARMAMENTO APROVADO EM DEZEMBRO DE 2003, DETERMINAVA O REFERENDO DO ARTIGO 35 PARA O DIA 23 DE OUTUBRO DE 2005 (com ou sem mensalão, mensalinho e o raio que o parta). Então, please, parem de vomitar bobagens nos meus olhos e ouvidos cansados, este referendo não é uma conspiração da globo em nem de ETs e nem dos EUA, um país armado até os dentes e que eu espero imensamente que nós, mesmo com a vitória do NÃO, não nos transformemos naquilo.

Agora, posso expressar minha dor e minha exaustão diante do que estou assistindo. Para mim é quase uma loucura ver lista de educadores, membros do MEC, listas literárias pessoas argumentando em defesa do não. Para mim é uma dor imensa ver amigos queridos apavorados, desiludidos com o governo, descrentes de nossa política, emputecidos pelas mais diferentes e legítimas razões, fazerem uso do referendo para expressarem suas frustrações, para dizer não ao governo, ao Estado ou seja lá o diabo que desejam dizer.. NÃO VAI ADIANTAR, estaremos dizendo não para nós mesmos.

Eu não posso aceitar que educadores defendam o direito a ter armas, não posso, minha racionalidade, os princípios todos que acredito me mostram que este discurso com a justificativa movida pelo terror, pelo desconhecimento, pelo medo é equivocado e perigoso.

Não posso ver o desrespeito diante das informações sérias e de dados de Ongs sérias, de órgãos oficiais e de instituições socialmente reconhecidas como a UNESCO, vide por exemplo o Vidas Poupadas: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001408/140846por.pdf. sendo tratados como bobageira de românticos, de idealistas, de pseudo-intelectuais ou seja lá os absurdos que já li nas diferentes formas desqualificativas para expressar a raiva dos que resolveram escolher o referendo pra dizer Não.

Não posso aceitar a banalização que pessoas desavisadas, mal-informadas, amedrontadas estão tendo diante da própria vida e da vida do outro. Não posso aceitar que se recusem a fazer exercícios empáticos, não posso aceitar que repitam sem desnudar os discursos mais retrógrados e conservadores que no último mês ressurgiu das cinzas e que literalmente desprezam a vida de crianças que deixaram de morrer com a campanha do desarmamento.

Saibam meus queridos que os verdadeiros cidadãos de bem valorizam acima de tudo a vida. Não repitam o discurso dos "cidadãos de benz", temerosos de perder seus bens, seu status, sua pose, suas idéias mofadas.

Não posso aceitar que me digam que votam no não e são contra armas e são pessoas pacifistas, por favor, não me tratem como estúpida, porque posso ser muitas coisas, mas não sou estúpida.

Não posso aceitar que diante de uma escolha, optaremos por continuar como estamos ou piorar, dado que o comércio de armas e munições já aumentou no país em outubro, estimulado por uma campanha pífia de 6 horas para esclarecer algo tão importante onde 122 milhões de pessoas irão as urnas. Para mim este referendo é mais importante que qualquer eleição, pois políticos que não fazem o seu trabalho direito podemos despedir de 4 em 4 anos, agora jogar na lata do lixo uma prática efetivamente democrática com os argumentos mais irracionais possíveis é só uma mostra que ainda teremos de caminhar muito pra construirmos verdadeiramente uma sociedade democrática, é ainda mostrar o quão contaminados estamos com as práticas autoritárias.

Não posso aceitar as bobagens que a voz do povo é a voz de Deus, porque o povo humilde não ter armas pra se proteger, não tem propriedades pra perder a não ser sua vida que continua em oferta, na banca da feira no horário da xepa, porque esta voz conservadora que sempre se levanta contra mudanças sociais, que acha um abuso a polícia federal pôr na cadeia uma sonegadora de impostos como a dona da Daslu nunca se indigna, nunca se levanta, nunca espalha emails pela rede quando pobres, pobres negros, pobres sem-terra, pobres sem-terra negros, povos indígenas são mortos, são chacinados. Por que não vemos protestos dos cidadãos de benz, quando o direito à vida com dignidade dos mais pobres é sistematicamente cerceado ?

Esta elite perversa que referendando ou não o artigo 35 continuará andando em seus carros blindados, agradece a campanha imunda, estimulada pelo medo daqueles que se declaram cidadãos de bem ou daqueles que desejam ser, mas que não são tratados como.

Como educadora eu não posso me calar diante da falência do diálogo, diante da vitória de um discurso falacioso e mal intencionado. Como educadora sinto-me em profundo desespero, doente fisicamente, com vontade de ir pras montanhas como sugeriu um incauto e desavisado com medo da vitória do SIM. Mas eu iria com medo da vitória do NÃO, pois já tenho medo de polícia autoritária-- herança da ditadura militar; tenho medo dos bandidos violentos que não tem amor a própria vida e a dos seus semelhantes e agora também terei medo dos cidadãos de bem que têm medo e se armam.

O NÃO é a vitória do medo. Que medo, meus deuses, do que está por vir.

PARADOXO DA RAZÃO

"Cidadão de bem", faça-me um favor: avise-me se você é um daqueles que crê na arma pra te proteger da violência.

Desse modo, quem sabe eu possa me defender de suas crenças.

Frô

FRÔ, DIZENDO SIM À VIDA, HOJE, DIA 23 E SEMPRE

Atualização 24/05/2005O direito à vida foi derrotado, a racionalidade foi derrotada, abre-se uma brecha para futuros senhores da morte fazer o restante do trabalho

Atualização: 2011: Campanha do desarmamento