Eleições 2010: Lá como cá, o principal problema é... a mídia!

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EUA: A mídia exige que Obama “mova-se para a direita”!

FAIR – Fairness & Accuracy in Reporting

4/11/2010

Tradução: Caia Fittipaldi

Ante a evidência de que o Partido Democrata sofreu perdas importantes nas eleições de meio de mandado nos EUA, muitos jornalistas e colunistas repetem os diagnósticos de sempre (Extra!, 7-8/2006; FAIR Media Advisory, 3/2/3009): os Democratas não entenderam o ‘recado’ das urnas e caminharam muito para a esquerda. A solução, é claro, como sempre, seria os Democratas voltarem para a direita e reocuparem “o centro”. É diagnóstico rasteiro, que não resiste a qualquer melhor análise.

Durante meses, o problema dos Democratas foi corretamente identificado como “queda acentuada do entusiasmo” – a ideia de que a base progressista dos Democratas não estaria motivada para votar. As pesquisas de boca de urna na última 3a-feira confirmaram que poucos Democratas compareceram para votar. Como, então, entender essa evidência, acoplada à ideia de que Obama e os Democratas estariam implementando políticas excessivamente ‘de esquerda’? Se isso fosse verdade, seria de presumir que os eleitores Democratas acorressem massivamente às urnas, para apoiar sua agenda e a agende de seu partido. É impossível conciliar as duas ideias.

Contra todas as evidência, repórteres e colunistas adotaram a narrativa segundo a qual “se acabaram os dias de vida mansa para Obama, que já não conta com o apoio dos Democratas para insistir em sua agenda de esquerda” (Washington Post, 3/11/2010). “O veredicto das urnas efetivamente põe fim às ambições reformistas de Obama”, anunciou Peter Baker do New York Times, 3/11/2010).

Para muitos, Obama teria outra vez tergiversado no discurso de depois das eleições. Nas palavras de Dan Balz do Washington Post (4/11/2010), Obama “parecia não querer ver que, na opinião de muitos eleitores que em 2008 supuseram que ele fosse homem de centro, seu governo já andou mais do que o admissível na direção da esquerda”. Na CNN (3/11/2010), David Gergen disse que “não acho que Obama tenha assegurado boa posição de jogo pelo centro. E é o que teria de ter feito, na minha opinião, por suas políticas e pela escolha dos assessores.” Gergen citou a “reforma” da Seguridade Social como modo ideal para demonstrar que “Obama conquistou o que havia para conquistar em sua base”.

David Broder do Washington Post (4/11/2010) aconselhou Obama a:

“Voltar ao seu plano original de governo, que deixava espaço para acolher os Republicanos e subordinava-se às estratégicas definidas pelo Partido. De fato, os eleitores liberaram Obama das alianças com Nancy Pelosi e Harry Reid, que limitam seu o governo; e o puseram numa posição na qual pode e deve negociar com vários outros grupos de deputados, inclusive com os Republicanos. O mais grave erro do presidente parece ter sido recusar-se a encontrar-se pessoalmente, mano a mano, com o líder da minoria no Senado, sen. Mitch McConnell; ainda não se encontraram nenhuma vez, desde o início do governo Obama, há um ano e meio.”

Susan Page, do USA Today, observou, antes das eleições (29/10/2010):

“Nos seus primeiros dois anos de presidência, Obama agiu como se não precisasse manter relações de trabalho com os Republicanos no Congresso. Com grandes maiorias Democratas no Congresso (...), deveria ter-se aproximado de alguns Republicanos moderados como a senadora do Maine Olympia Snowe, em busca de um ou dois votos Republicanos que acrescentassem uma pátina de bipartidarismo às leis propostas ou aprovadas.”

Esses comentários sobre as políticas de Obama praticamente nada têm a ver com fatos. Todo o trabalho dos Democratas para conseguir aprovar a Reforma da Saúde, por exemplo, concentrou-se em tentar encontrar Republicanos que votassem a favor a reforma. Para isso, exatamente, vários aspectos da lei original foram excluídos ou adaptados – como o direito de o beneficiário escolher –, sempre as cláusulas da proposta original que mais entusiasmavam a opinião pública em geral. (A possibilidade de “pagador único” foi excluída logo no início das negociações com os Republicanos.

A escalada dramática na Guerra do Afeganistão foi desapontamento terrível para a base progressista dos Democratas, tanto quando a defesa das bombas atômicas e a perfuração para extração de petróleo em alto mar. Críticos de esquerda várias vezes manifestaram seu desapontamento com a timidez que a Casa Branca mostrou na reforma de Wall Street e com os pacotes de estímulo à economia. Em todos os casos, foram concessões feitas aos Republicanos.)

Pois apesar da abundância de fatos, praticamente nenhum comentarista de televisou criticou a incansável repetição por todos os jornais, redes, jornalistas e comentaristas sempre dos mesmos chavões sobre uma agenda que seria “excessivamente de esquerda”.

Em vez disso, praticamente todos os comentaristas de televisão repetiram, incansavelmente, o mesmo chavão: sugerir que Obama deveria andar ainda mais para a direita. Joe Klein, da Time, recomendou que Obama construísse mais usinas nucleares (FAIR Blog, 39/10/29/2010); e David Broder do Washington Post ventilou a ideia de que um ataque ao Irã, e uma terceira frente de guerra, seriam ótimas soluções para aquecer a economia e promover melhor entendimento entre os dois Partidos (FAIR Blog, 1/11/2010).

Bill Clinton – que a mídia norte-americana também aconselhou a mover-se mais para a direita, quando, ele também, perdeu eleições de meio de mandato – foi várias vezes apresentado como exemplo: “Se há bom exemplo para lembrar de nossa história recente, é o presidente Bill Clinton, que atuou claramente como presidente de centro, para conseguir aprovar sua reforma do bem-estar social, depois que os Democratas perderam a maioria no Congresso em 1994.” (Associated Press, 2/11/2010).

Quando se citava Bill Clinton, o conselho para mover-se rumo “ao centro” aparecia sempre acompanhado de reportagens e análises que deixavam bem claro que Obama dificilmente saberia fazer o mesmo, com igual competência. “Obama não demonstra o mesmo tipo de sensibilidade ‘de centro’, que foi sempre o grande trunfo de Clinton” – explicou o New York Times (3/11/2010).

A verdade é bem diferente. O que Clinton fez foram dois anos de governo de centro; desapontou sua base eleitoral; e por isso os Democratas de então sofreram perdas importantes nas eleições de meio de mandato (Extra!, 2/1/1995; FAIR Media Advisory, 7/11/2008). E o “modelo Clinton” absolutamente não levou a qualquer grande sucesso eleitoral dos Democratas.

Muito estranhamente, os analistas e comentaristas da mídia norte-americana não viram o caso exemplar, muito claro, que tinham ali, frente aos olhos: a vitória dos Republicanos nas eleições da 3a-feira, é exemplo perfeito de como um partido político pode organizar uma ‘volta ao poder’, absolutamente sem mover-se em direção a “centro” algum, mas, isso sim, porque mobilizou táticas de ataques guerrilheiros “contra os Democratas, conseguindo assim jogar sempre na ofensiva” (New York Times, 3/11/2010).

“É a economia, estúpido!”

Muitas das análises que se repetiram na mídia dos EUA operaram para ignorar e fazer ignorar, ou para reduzir a importância da evidência de que se tratou de eleição ‘sobre’ o desemprego e o estado da economia dos EUA. Foram raríssimas as análises que tentaram dar centralidade ao rombo no orçamento federal (FAIR Action Alert, 24/6/2010) e trataram a questão como principal preocupação dos eleitores. A maioria das análises publicadas cuidaram sempre de manter a narrativa nos limites do território dos Republicanos.

A retórica do “governo inchado, grande demais” e a incansável repetição do mote “é preciso cortar gastos públicos” dominaram todos os discursos. “Se há temas persistentes nas eleições de meio de mandato em 2010 nos EUA, são “o inchaço da máquina pública”; a “carga tributária” e o quão excessivamente o Estado interfere na vida dos cidadãos” – lia-se no lead de coluna do dia 10/10/2010 do Washington Post. Mas o artigo, de fato, mal tangenciava esses ‘temas’.

Sendo a situação da economia o principal problema para os cidadãos (Washington Post, 11/3/10), caberia à mídia ter conduzido melhor discussão sobre o tema. Em vez disso, a mídia promoveu sua velha fórmula de sempre, segundo a qual a esquerda nada tinha a propor para melhorar a situação (quando, de fato, os progressistas já dizem, há tempo razoável, que, sim, muita coisa pode ser feita). A direita, isso sim, é que não fez outra coisa além de repetir que seria preciso “cortar gastos”, e jamais ofereceu qualquer explicação razoável sobre como os gastos públicos explicariam o desemprego, nem sobre como os sempre repetidos “cortes do gasto público” gerariam novos empregos. Nas palavras de Baker, no New York Times (3/11/2010): “As críticas que se ouviram pouco tiveram a ver com propostas para tempos de extraordinárias dificuldades econômicas; concentraram-se no repúdio sistemático de um governo ativamente empenhado em ampliar seus investimentos no bem-estar social.”

Houve algumas exceções – a rede MSNBC dedicou-se a entrevistar vários Republicanos de destaque depois das eleições (2/11/2010); as entrevistas mostraram que a maioria deles não tinha qualquer tipo de projeto para reduzir de fato os gastos públicos ou para atacar a dívida interna. Essa seria a cobertura que realmente interessaria à população e deveria ter tido mais destaque antes e durante as eleições.

Quem votou?

Vários jornalistas e analistas trataram os resultados eleitorais como se manifestassem algum dramático passo em direção à direita nos EUA. Josh Holland, de Alternet, observou (3/11/2010) que num dos artigos publicados, o New York Times falara de “núcleos críticos” da eleição de Obama em 2008 que se teriam “transferido para os Republicanos”. O NYT só esqueceu de anotar que muitos dos que votaram em Obama há dois anos, simplesmente não saíram de casa para votar em 2010. Mas muitos eleitores simpatizantes dos Republicanos, sim, votaram. Essa evidência, além da situação desesperadora da economia e a tendência histórica de todas as eleições de meio de mandato explicam praticamente tudo que se viu acontecer nas primeiras eleições de meio de mandato de Obama.

De fato, praticamente toda a mídia comercial nos EUA dedicou-se a fazer das eleições da semana passada uma espécie de referendo nacional sobre a nova política de assistência à Saúde e sobre ‘o tamanho’ do governo. As pesquisas de boca de urna oferecem algumas pistas sobre o sentimento dos eleitores, mas nenhuma dessas pistas foram consideradas – nem se encaixariam – nas narrativas da mídia dominante.

Perguntados sobre a quem atribuem maior responsabilidade pelo estado lastimável da economia, a maioria dos eleitores responderam “Wall Street” e “George W. Bush” (USA Today, 3/11/2010). Um editorial do New York Times publicou que “48% dos eleitores declararam que rejeitariam a ‘Lei da Saúde’; 47%, que desejam mantê-la como está ou ampliar os benefícios: isso indica divisão de opiniões, não algum amplo consenso.”

Deu-se pouca atenção a outro fato, surgido na pesquisa de boca de urna: 39% dos que votaram apoiam que o Congresso se concentre em reduzir a dívida interna – o que parece confirmar o que a mídia dominante tem repetido sobre os eleitores estarem preocupados com a dívida externa. Simultaneamente, a mesma pesquisa com os mesmos eleitores, mostrou que 37% dos que votaram desejam que o governo gaste o que for necessário para criar empregos.

Quando pesquisas feitas em toda a população mostraram forte preocupação com a criação de novos empregos – o New York Times noticiou (16/9/2010) que “Estado da economia e emprego são itens cada vez mais citados pelos norte-americanos como principais problemas que o país enfrenta; a dívida interna só surge como problema quando os entrevistados são convidados a manifestar espontaneamente suas preocupações”. Não é absurdo concluir que os norte-americanos que se mobilizaram para votar nessas eleições de meio de mandato foram os que mais se deixaram seduzir pelos temas da pauta dos Republicanos (FAIR Blog, 18/10/2010).

Em termos gerais, pode-se dizer que as eleições receberam, como sempre, cobertura insuficiente. Nas palavras de Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research (Politico, 2/11/2010), “Enquanto não houver melhores jornais e jornalistas, não haverá melhor política nem melhores políticas.”