Eleições 2014: Ideologias, eleitores, candidatos e o anarco-rebelde-liberal-capitalista

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Por Arnaldo Ferreira Marques em seu Facebook

I. AS IDEOLOGIAS QUE SE BATEM NESTA ELEIÇÃO

Em 2014 existem 3 modelos políticos disputando o poder no Brasil.

1. Um deles está afinado com o pensamento que governa os Estado Unidos e dita (ou tenta ditar) os atuais rumos da Europa, onde é representado pela chamada Troika (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI).

Segundo esse modelo, o cidadão deve pagar do seu bolso por tudo o que consome, incluindo aí educação e saúde.

E quem deve regular as relações de produção e consumo são os consumidores e as empresas privadas, agindo livremente.

Ou seja: essa proposta é contra o sistema no qual o Estado cobra impostos para com eles oferecer serviços gratuitos à população. E é contra que o Estado atue na produção e nos serviços. Tudo deve ser privado.

Por fim, pouco falado, mas não menos importante, é contra a ingerência do Estado nas relações trabalhistas. Ou seja: entendem que não deve haver qualquer direito trabalhista obrigatório por lei, férias, nada. Tudo deve ser negociado direta e livremente entre patrões e empregados.

No século 19, essas eram as bases do liberalismo. Desde os anos 1980 passou-se a chamar esses valores de ‘neoliberalismo’.

No Brasil, o liberalismo era a ideologia dos antigos Partidos Republicanos estaduais (PRP, PRM etc.) até 1937, e depois foi adotado principalmente pela UDN (1945-1965). UDN que foi o principal apoio civil ao golpe de 1964.

Base ideológica da Arena depois PDS depois PFL e atual Democratas, adotado por Fernando Collor em seu curto governo, o neoliberalismo acabou sendo adotado também por FHC e PSDB, partido que é seu maior defensor atualmente no Brasil.

2. Outro modelo político brasileiro é herdeiro direto do chamado “trabalhismo”.

Com raízes em Artur Bernardes e consolidado nos vários governos de Getúlio Vargas entre 1930 e 1954, o trabalhismo possui três posturas básicas: a ação ampla e firme do Estado na produção e nos serviços para acelerar o desenvolvimento industrial do país; a defesa de leis trabalhistas que forcem a distribuição de renda, quebrando a secular dominação dos empresários no país; e a postura nacionalista, de defesa dos interesses nacionais contra as aspirações das empresas e das potências estrangeiras.

São símbolos históricos do trabalhismo no Brasil a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Petrobras e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Adotado por Vargas e depois pelo antigo PTB (1945-1965) e por setores do antigo PSD (idem), o trabalhismo ressurgiu em 1980 nos novos PTB e PDT. Mas, com o abrandamento das posições ideológicas socialistas de Lula em 2002, vai ser o PT que encarnará mais de perto os ideais trabalhistas, nos governos Lula e Dilma desde 2003.

A manutenção da CLT, a recusa em privatizar a Petrobras, a apropriação da maior parte dos lucros do Pré-Sal, o investimento em grandes obras públicas como Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, os PACs, são todas políticas dos governos petistas afinadas com princípios do trabalhismo.

3. Uma terceira proposta política se afina à chamada “nova agenda” surgida na década de 1970 e que foi se consolidando e ampliando nos últimos 40 anos.

Em suas primeiras fases, apegou-se a causas como o respeito à preservação do meio-ambiente, a crítica da sociedade consumista, o respeito dos direitos das mulheres contra o machismo e das chamadas minorias (negros, indígenas, homossexuais etc.).

À esta primeira agenda, no século 21 foram acrescentadas causas mais amplas e estruturais, pregando a mudança do sistema produtivo como um todo, com a adoção de pequenas cooperativas industriais e rurais que substituam as grandes corporações e o agronegócio.

Seus adeptos defendem a agricultura orgânica e muitos levaram os ideais de pacifismo e harmonia com a natureza até o vegetarianismo e o veganismo, criticando radicalmente toda a exploração (e o abate) dos animais.

A antiga reivindicação comunista de fim de propriedade privada é facilmente adotada por essa nova proposta.

É importante não confundir essa postura anticapitalista com o antigo comunismo.

O comunismo foi historicamente industrialista e desenvolvimentista, adotando uma postura hostil ao ambientalismo desde a consolidação da consciência ecológica.

O comunistas eram também fortemente centralizadores, criando grandes corporações de controle estatal.

Os novos grupos são radicalmente anticapitalistas, sim, mas anarquistas, não comunistas-marxistas.

Em seu anticapitalismo, essa nova proposta entende que a mercadoria (produto ou serviço passível de ser vendido e comprado) é um mal que deve ser erradicado.

Qualquer semelhança com o discurso do Movimento Passe Livre não é mera coincidência.

A ideologia “Nova Era” é basicamente adotada por jovens radicais da classe média urbana e adquire, desde o final do século 20, um caráter revolucionário, com grandes confrontos com a polícia onde são usados coquetéis molotov, bombas caseiras etc. No Brasil e no mundo, diga-se.

As recentes prisões de Sininho e sua turma expuseram à sociedade brasileira (com a incompetência de comunicação de sempre, diga-se) os ‘n’ grupos revolucionários criados no Brasil dentro da ideologia Nova Era.

A política institucional (partidos, candidatos etc.) possui dificuldades em se integrar a grupos anarquistas, e vice-versa, por motivos óbvios. Anarquistas não acreditam em eleições, nem em partidos, nem em parlamentos, nem em governos.

Mas, se é para apoiarem alguém, os “Nova Era” vão apontar para os partidos socialistas mais radicais, PSOL, PSTU, PCO.

Não o PT, que adotou o trabalhismo e assim se converteu em um odiado adversário.

II. OS ELEITORES BRASILEIROS

Desde que a democracia de massas se consolidou no Brasil, isto é, desde 1946, o eleitor brasileiro vem historicamente se dividindo em três grandes grupos (que, note-se, não esgotam a enorme diversidade do eleitorado brasileiro).

1. O grupo que pode ser chamado de “elite branca”, que une dois subgrupos bastante diferentes:

a) os descendentes dos colonizadores, quase sempre latifundiários (às vezes transmutados em banqueiros, industriais etc.), dotados de valores aristocráticos, valorizando a ascendência – o sobrenome (aquelas figuras com nome de barão que povoam as colunas sociais país afora);

b) os imigrantes recentes (final do séc. 19 em diante) e seus descendentes, geralmente de classe média e média alta, fortemente apegados à meritocracia individualista do ‘self made man’, da pessoa pobre que com muito trabalho e esforço individual consegue enriquecer na vida.

A elite branca, em geral, pende para o liberalismo e vota, portanto, nos candidatos que defendem as ideias liberais e neoliberais. Odeia o trabalhismo por “dar direitos e recursos públicos a quem não os merece” e é visceralmente anticomunista, disposta a apoiar golpes e ditaduras para impedir o “avanço vermelho”.

2. Outro grupo de eleitores pode ser chamado de “esquerda”. Os eleitores de esquerda no Brasil dividem-se entre o comunismo e o trabalhismo (repetindo a divisão internacional entre comunistas e sociais-democratas).

O eleitor de esquerda possui origens e posturas variadas, mas dois grupos se destacam: a intelectualidade de classe média e os trabalhadores politizados, historicamente organizados em sindicatos.

O voto de esquerda no Brasil é em geral trabalhista. Os partidos mais radicais passaram grande parte dos últimos 70 anos na clandestinidade e tiveram expressão eleitoral apenas em alguns momentos isolados.

3. O terceiro grupo – talvez o mais numeroso – é pouco politizado. Poderíamos chamar seus integrantes de “moralistas”.

Os moralistas costumam se pautar por ideias simples, extraídas de ideologias variadas, sem muita preocupação com a coerência.

Eles são contra os altos impostos (crítica liberal) porque sobra menos dinheiro no bolso deles. Mas são também a favor de muitos serviços públicos gratuitos, porque se beneficiam deles (política trabalhista). E, no geral, amam obras públicas. Quanto maiores (e mais caras), melhor. A menos que a imprensa martele na cabeça deles que as obras são inúteis.

Desejam uma polícia agressiva que reprima com violência máxima o bandido que ameaça sua segurança. Mas temem que a polícia violenta agrida a si ou a seus parentes e amigos.

Mais do que tudo, os moralistas aderem com facilidade à ideia de que todos os políticos são ladrões que devem ir para a cadeia.

Com esse ideário político difuso, os moralistas votam geralmente ou em que os convencer ter uma maior vocação para as obras públicas, ou em quem demonstrar maior ímpeto para caçar os ladrões na política.

Seu amor pelas obras públicas os faz votar muitas vezes, mesmo que discretamente, no político que ‘rouba, mas faz’.

A menos que surja um candidato que se proponha enxaguar o mar de lama, varrer a bandalheira ou caçar os marajás. Esses se mostraram imbatíveis. Limpeza é uma obsessão moralista.

‘Obreiros’ ou ‘xerifes’: estes são, em geral, os candidatos dos moralistas.

Apesar de flertar tanto com os liberais quanto com a esquerda, os moralistas se sentem mais à vontade entre os liberais e principalmente os liberais-populistas. São geralmente anticomunistas.

UMA NOVIDADE

4. No começo do século 21, se estrutura um novo tipo de eleitor, em geral jovem de classe média, que se filia à ideologia Nova Era.

Ele é anticapitalista, anti agronegócio, anti grandes corporações, anti grandes obras de engenharia (que impactam nas pequenas comunidades e no meio ambiente).

Geralmente é defensor da bicicleta como meio de transporte, da agricultura orgânica praticada em pequenas cooperativas etc.

Milita na defesa dos direitos dos animais, muitos são vegetarianos ou veganos.

Esse eleitor é uma novidade na cena política brasileira e os partidos políticos ainda não conseguiram dar conta de representá-los.

O Partido Verde seria o candidato mais forte, mas a versão brasileira não é radical o bastante para os Nova Era.

Há candidatos isolados, principalmente aos parlamentos, mas não um partido completo ou um candidato à presidência.

O fato de haver um forte componente anarquista no grupo não facilita nada a representação política.

A GRANDE NOVIDADE DESDE 2010

Além desses quatro grupos (três deles tradicionais, encontrados desde 1946), está surgindo um 5º grupo. Uma grande e real novidade.

5. No século 21, sem dúvida esse quadro apresentou uma crescente alteração, que se manifestou com clareza nas eleições presidenciais de 2010 e parece ser decisivo nas de 2014.

Pela primeira vez, alguns elementos do discurso moralista foram adotados de forma explícita por correntes de esquerda (a Nova Era). E vice-versa.

Ao atacar a prática da política como uma atividade corrupta, e defender o meio ambiente e os grupos considerados ingênuos e desarmados contra a crueldade do “sistema” (indígenas, quilombolas, favelados etc.), os adeptos das ideias anarquistas “Nova Era” começaram - tudo indica que involuntariamente - a seduzir o velho eleitorado moralista.

Ora, os adeptos da “Nova Era” são anarquistas anticapitalistas, mais radicais em sua utopia socioeconômica do que os comunistas mais radicais.

Mas como falta, historicamente, qualquer precisão ideológica aos moralistas, esse processo de interação Nova Era & moralistas fez surgir a figura do anarco-rebelde-liberal-capitalista.

Esse ser estranho saiu às ruas em junho de 2013 e assustou os “nova era” autênticos (cabendo então a célebre frase: “Criei um monstro!”).

A massa de moralistas se une assim pela primeira vez à parte mais “moderna” da esquerda em busca de candidatos que superem o “simples” embate capital x trabalho (liberais x trabalhistas); apequenem o papel (e o custo) dos políticos no Estado e na sociedade; e introduzam a “santidade na política” – sempre tão suja – ao adotar uma agenda de ações boníssimas em prol das plantas, dos animais, dos indígenas etc.

Um fenômeno novo, muito novo.

III – SOBRE DILMA, MARINA E AÉCIO


Nos dois primeiros tópicos, falei como vejo as ideologias predominantes no cenário político do Brasil e os principais perfis dos eleitores brasileiros.

Nesta reta final da campanha, resta falar dos três candidatos que encabeçam as pesquisas.

Sem dúvida a candidatura que necessita menos explicação, nos limites dos tópicos anteriores, é a de Dilma Rousseff. Quem os leu, viu que classifico o neopetismo de Lula pós-2002, e seu prolongamento com Dilma, como trabalhista.

Com tudo o que o termo trabalhista implica: defesa dos direitos do trabalhador (CLT), desenvolvimentismo (as grandes hidrelétricas, PAC, conteúdo nacional na Petrobras/Pré-Sal etc.) e nacionalismo (principalmente o Pré-Sal nas mãos da Petrobras, mas também repúdio à espionagem de Obama, posição independente na ONU, no G-20, nos BRICS etc.).

Não se trata, obviamente, de um mar de rosas ou uma perfeição angelical. Dilma é criticada à direita e à esquerda.

1. A crítica à direita e seu candidato

Pela direita, é a cantilena ouvida desde os tempos da UDN, pelo menos. Os direitos do trabalhador encareceriam a produção, provocando aumento de preços internos e minando a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Seria populismo. O nacionalismo barraria o investimento externo e atrasaria o país ao insistir no uso de tecnologias inferiores, ao invés de importar o que há de mais moderno. O desenvolvimentismo erraria ao manipular um mercado que deve ser deixado livre para investir apenas onde quiser.

Por trás dessas ideias, o preconceito férreo de que o povo brasileiro – a arraia miúda de pele escura – é fadado ao ócio, ao álcool, aos vícios, e sem leis duras e rédea curta não trabalha nem produz.

E também o preconceito pétreo de que a modernidade sempre estará lá fora, produzida nos países “sérios”, frios e disciplinados.

Aqui na Bananalândia de tempo quente e peles escuras, estamos condenados a importar alta tecnologia e multinacionais, simplesmente devemos nos conformar com isso.

As teorias racistas europeias do século 19 entranharam-se nas elites brasileiras (e foram reforçadas pelos imigrantes que chegavam) e nada parece limpá-las da alma elitista tupiniquim.

Seria desperdício deixar de citar, neste ponto do texto, que o candidato que encarna esses preconceitos, ou melhor, que representa os grupos sociais brasileiros ligados a essas ideias de liberalismo, mas também de inferioridade e submissão, é Aécio Neves.

Mas Dilma também atrai críticas à esquerda. Os textos anteriores já apontaram os caminhos.

2. A crítica à esquerda e seus candidatos

As correntes esquerdistas mais identificadas com o comunismo clássico criticam em Dilma a timidez na reforma agrária, a falta de iniciativa para taxar as grandes fortunas, o incentivo dado ao agronegócio (isto é, ao latifúndio de monocultura exportadora) e a conivência com os bancos privados (que batem recordes sucessivos de lucratividade).

Os mais radicais criticam o sistema de concessão do Pré-sal (que compartilha ao menos uma parte das reservas com as multinacionais) e a não reestatização das empresas privatizadas por FHC, a começar pela Vale.

As correntes ‘Nova Era’ criticam a insensibilidade de Dilma para com os movimentos sociais mais “de raiz”, como os movimentos de sem teto e os indígenas. Denunciam também o desenvolvimentismo petista como nefasto, ao investir em megaobras que causariam grande impacto social e ambiental. A hidrelétrica de Belo Monte é, para eles, o grande símbolo do equívoco desenvolvimentista do PT.

Dilma também incentivaria a produção e o consumo de automóveis, quando deveria investir em transporte coletivo e em meios alternativos de locomoção, como a bicicleta.

A corrente mais próxima do marxismo clássico tem sua candidata principal na figura de Luciana Genro, do PSOL.

As correntes ‘Nova Era’ se dividem entre dois candidatos.

Um com perfil urbano, cosmopolita, mais ligado ao espírito “Grünen” (os Verdes alemães dos anos 1970), Eduardo Jorge do PV. É o ambientalismo clássico, em forte ligação com a contracultura (aquilo que as pessoas costumam chamar de “hippie”).

A outra candidata seria Marina Silva, que está no PSB, mas lidera um movimento próprio, a Rede. Marina tornou-se um fenômeno em 2010, ressurgiu com a morte de Campos e merece um capítulo à parte. Será a IV e última seção deste texto.

IV – TRABALHISMO: SUCESSOS E LIMITES

1. O sucesso histórico do trabalhismo

A experiência mundial dos últimos 40 anos dá a razão ao trabalhismo.

Os países que decolaram economicamente nessa época e proporcionaram uma condição de vida melhor ao seu povo – Japão, Coreia do Sul, China – aplicaram pesadas políticas estatais desenvolvimentistas. Ao mesmo tempo, países com bons indicadores sociais possuem leis trabalhistas ainda mais detalhistas e amplas que a CLT brasileira.

Lula e Dilma provaram o acerto dessas medidas – ao menos no médio prazo – com a melhora consistente de todos os índices sociais brasileiros desde 2002. A fome diminuiu quase a zero, o emprego formal aumentou, o consumo das famílias de baixa renda alcançou o nível de uma classe média modesta (o que para o Brasil é notável), a universidade tornou-se mais acessível, o desenvolvimento da Região Nordeste avança a níveis chineses.

Mas também é verdade que há limites nesse trabalhismo vitorioso. Como ficou exposto em junho do ano passado.

2. O Desafio das Jornadas de Junho de 2013

Lula criou, é verdade, um Ministério das Cidades. Que avançou pouco, porém.

Nem Lula nem Dilma tocaram na falência da cidade brasileira, falência não financeira, mas estrutural. A cidade brasileira está em colapso há mais de 30 anos. Atacada desde cima pela elite com uma especulação predatória e uma política social de apartheid, e desde baixo pelos pobres que praticam ocupações desordenadas e igualmente predatórias em nome de um “direito à moradia” legítimo, porém mal elaborado e mal conduzido.

As chamadas “Jornadas de Junho” de 2013 nada mais foram que o grito de agonia do cidadão urbano diante do colapso da cidade brasileira. Pouca gente entende isso.

Essa bomba permanece armada, e não são BRTs ou VLTs pontuais que a desarmarão. Dilma terá entendido?

3. Os movimentos sociais postos de lado

Por outro lado, o perfil tecnocrático de Dilma – e a brutal incapacidade de comunicação de seu governo – diminuíram ainda mais o papel dos movimentos sociais na administração federal petista.

No contexto das políticas desenvolvimentistas do PAC e afins, indígenas, sem-teto, estudantes viram-se entregues à própria sorte, muitas vezes tratados com o desprezo de sempre por governos locais, latifundiários e empreiteiras, sem que a União agisse de forma firme para ouvi-los e negociar com eles em situação de igualdade.

Os direitos dos homossexuais foram esquecidos pelo governo federal para agradar as bancadas conservadoras aliadas no Congresso.

Muita gente não se conforma com isso. Com razão.

4. A criação de um pré-consenso Nova Era

Os ideais Nova Era se espalham pela sociedade pós-pós-moderna – cada vez mais saturada de artificialismo e tecnologia – como poeira em um dia ventoso.

Pessoas apolíticas mais e mais têm simpatia pelos alimentos orgânicos, militam pelos direitos dos animais e se aproximam do vegetarianismo e mesmo da alimentação vegan.

O desenvolvimentismo petista, sujo de óleo e da lama da histórica corrupção brasileira (que o PT não criou nem incentivou, mas tolerou), soa para essa massa apolítica como algo século 20 demais, “Plano Quinquenal” demais, “Brasil Grande” demais para a nossa pós-pós-modernidade.

Este é o quadro dos últimos anos no Brasil. Desesperados urbanos, militantes dos movimentos sociais e apolíticos Nova Era clamam por uma terceira via. Nem o neoliberalismo tucano, nem o desenvolvimentismo petista.

E eis que surge Marina Silva.

V. MARINA E A TERCEIRA VIA QUE NÃO É (FINAL)

Afinal, quem é Marina Silva?

Para alguns, uma bugra crente ignorante, iludida pelos tubarões da política nacional.

Para outros, uma figura moralmente superior, que soube ver os defeitos e a corrupção do trabalhismo petista e pode superá-los. Uma defensora da natureza e da honestidade.

Que verdades há nessas duas imagens? Pouca ou nenhuma.

1. Origem muito pobre em um estado muito pobre

Marina nasceu em fevereiro de 1958 e teve infância e adolescência pobres, muito pobres, num seringal de um dos estados mais isolados e pouco desenvolvidos do Brasil, o Acre.

Doenças e migrações marcaram essa fase de sua vida.

Órfã de mãe aos 15 anos, doente, em busca de tratamento e de uma vida melhor acabou mudando-se em 1974 para a capital acreana, a (até hoje) modesta cidade de Rio Branco. Terminou sendo acolhida pelo bispo local, Dom Moacyr Grechi.

2. Marina católica de esquerda

Dom Moacyr Grechi era na época um dos expoentes da Teologia da Libertação, sendo um dos criadores da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista.

Nos anos 1970, plena ditadura militar, com os partidos de esquerda na clandestinidade, a vertente esquerdista da Igreja católica era a grande força de resistência popular em locais como o Acre, onde – situação reforçada pela ditadura – ainda imperava a lei da bala e do mais forte.

Marina, que já devia acompanhar a ação da Teologia da Libertação em seu distante seringal – onde decidiu-se tornar-se freira – , teve então uma formação completa nessa ideologia de esquerda cristã.

Integrou-se ao grupo de esquerdistas que procuravam resistir aos abusos dos latifundiários acreanos. Ficou amiga de Chico Mendes.

3. Marina militante

Em um estado como o Acre, a luta de esquerda misturava conceitos marxistas e ambientalistas, dado que era flagrante como os empresários e invasores destruíam tanto as pequenas comunidades que viviam na floresta como a própria floresta, introduzindo pastos e plantações que mudavam completamente o ecossistema local.

Com o passar do tempo, a Igreja brasileira recuou de sua posição esquerdista, sob pressão do novo papa conservador, João Paulo II (eleito em 1978). Ao mesmo tempo, com a Abertura, os movimentos de esquerda do Brasil iam se libertando das amarras da ditadura, a partir de 1979.

Marina acompanhou esse movimento da Igreja, que recuava, e dos novos partidos, que avançavam.

Analfabeta até a adolescência, Marina cursou o Mobral. Mais tarde, aos 26 anos (1984), formou-se em História pela Universidade Federal do Acre.

Em meados dos anos 1980, Marina era professora e militante de esquerda, integrando uma das correntes mais radicais da esquerda do PT.

4. Marina na política partidária.

Marina entrou para o jogo político eleitoral em 1986, candidatando-se a deputada federal pelo PT. Não foi eleita.

Em 1988 se elegeu vereadora – a mais votada - pelo PT em Rio Branco.

Não é, portanto, uma novata na coisa. Conhece os meandros de um legislativo, as negociatas e negociações há 26 anos. Uma vida.

Junto com Chico Mendes (assassinado em 1988), ganhou fama mundial como defensora da floresta e dos povos da floresta.

Em 1990 foi eleita deputada estadual no Acre.

Em 1994 Marina foi eleita senadora pelo Acre. Tinha 36 anos, era a mais jovem senadora da história brasileira e seguramente uma das de origem mais pobre.

O mandato dos senadores é de 8 anos. Em 2002, Marina se reelegeu (com mandato até 2010).

Como senadora, Marina combateu principalmente os inimigos que conhecia do Acre: empresas e latifundiários que assumem uma postura predatória em relação à natureza. Defendia a natureza e as pequenas comunidades que vivem em simbiose com a natureza.

Por isso Lula a convidou para assumir o ministério do Meio Ambiente de seu governo, em 2003.

5. Marina ministra x desenvolvimentismo lulista

Parecia perfeito: uma ministra petista histórica, que ingressara no partido em 1984, reconhecida internacionalmente como uma grande ambientalista. Diga-se que no exterior ela encarnava o que se pensa da mulher brasileira “típica”, exótica, não branca, “da floresta” (um ambientalista como Carlos Minc não se enquadra no estereótipo gringo de “brasileiro” e é naturalmente menos cotado lá fora).

Mas Marina se chocou contra o desenvolvimentismo de Lula e parte de sua equipe. Onde ela queria proteção a aldeias de indígenas e ribeirinhos, o governo lulista queria lagos de hidrelétricas. Onde ela queria bagres protegidos, Lula queria indústrias para empregar operários que seriam líderes sindicais e futuros presidentes da república.

(aqui eu peço licença ao Arnaldo para inserir um link Seringueiro diz que florestas públicas foram privatizadas por 70 anos de uma entrevista do Luiz Carlos Azenha que recentemente este no Acre e um vídeo menos idílico desta imagem de Marina Ambientalista).

Essa postura combativa antidesenvolvimentista atraiu os olhares da turma Nova Era.

Marina parecia ser a candidata há anos esperada e que o antigo Partido Verde (PV) nunca conseguiu emplacar.

E as coisas se encaminharam da melhor forma possível para os Nova Era: Marina se encheu da prioridade que Lula dava ao desenvolvimentismo. Pediu demissão do ministério em 2008 e saiu do PT.

A ambição de Marina era ir além. Em 2010, ela se apresentou como candidata à presidência da república pelo PV.

6. Marina candidata – 2010 / 2014

Em 2010, Marina Silva atraiu o voto Nova Era, a candidata simpática contra os transgênicos, contra o desmatamento, contra a energia nuclear, a favor da natureza.

Os eleitores apolíticos ou apartidários cansados (enjoados) com a troca de farpas, já muito desgastada e irritante, entre PT e PSDB – mensalão, mensaleiros, mineiros & privatistas – também se animaram com Marina.

Os quase 20% de votos válidos na eleição presidencial de 2010 consagraram Marina como a nova força política do país.

Mas ao subir ao olimpo da política nacional, Marina atraiu os holofotes e aspectos menos divulgados de sua biografia começaram a aparecer.

7. Os limites de Marina

Marina se apresenta desde 2010 – ou assim é entendida por alguns, dá no mesmo – como a terceira via política, nem tucana nem petista.

Mas só pensa assim quem não entende qual é a essência do neoliberalismo tucano.

O fato é que dois aspectos surgiram claros no perfil político da Marina candidata à presidência.

a) Marina, desde 1994, tornou-se evangélica praticante, membro da igreja pentecostal Assembleia de Deus.

Esse dado – a priori sem muita importância (a maioria dos políticos possui uma crença religiosa e não há problema nenhum nisso) – ganha relevância diante do crescimento da chamada “Bancada da Bíblia” no Congresso Nacional, e na consolidação de partidos evangélicos, dominados por pastores, em todos os níveis da política nacional. Esses partidos praticam uma política agressiva de impor suas concepções morais a toda a sociedade.

Diante desse quadro real e preocupante, que atenta contra o Estado laico, Marina começou a ser intimada a dar sua opinião sobre questões morais, principalmente envolvendo a homossexualidade.

E nunca convenceu na defesa do Estado laico e na igualdade de direitos a todas as orientações sexuais.

Preocupante.

b) Mais importante ainda, Marina parece ter desvinculado completamente a defesa do ambientalismo da crítica ao capitalismo liberal.

Tanto por seus assessores explícitos, quanto pelo seu discurso, Marina abraçou os ideais neoliberais de flexibilização das leis trabalhistas e de liberdade às grandes empresas agirem no mercado financeiro.

É como se, para ela, salvando-se os bagres e os ribeirinhos, a CLT não tivesse qualquer importância. Um Lula em negativo, um oposto. Geralmente o oposto não é a solução. A soma de 8 com 80 é 88 na matemática, mas na vida é zero.

A postura de Marina diante do Pré-Sal é ainda mais preocupante, dado que vai ao encontro do que se pode chamar de “ambientalismo imperialista”, no qual ONGs de países ricos que exploram ao máximo seus recursos naturais impõem aos países em desenvolvimento preceitos que, ““““““coincidentemente””””””, beneficiam as indústrias dos países centrais ricos.

São essas ONGs que demonizaram a forma de produção de energia menos poluente do planeta – as hidroelétricas, quando sabemos que a hidroeletricidade é um modal de tecnologia dominada por países como o Brasil, enquanto tecnologias de energia solar e eólica são dominadas apenas por Europa e EUA.

Interessante que nós devamos nos sacrificar abandonando o Pré-Sal e fragilizando a Petrobras (mesmo sem usar essa expressão), enquanto a Exxon, Shell, British Petroleum, Repsol, Total, Sinopec etc. crescem sem parar mundo afora.

8. Conclusão: Marina ambientalista neoliberal

Marina foi de 8 a 80. Horrorizada pelo que considera ser um desenvolvimentismo predatório, assumido pelo PT, adotou um ambientalismo que, para ser o mais abrangente possível, aliou-se ao neoliberalismo.

Isso não é terceira via.

Isso é o jogo do neoliberalismo internacional, vertente ambientalista.

Por isso que, para mim:

MARINA NÃO.