Em defesa dos territórios quilombolas, venha você também!

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1. De que lado você está?

Se você não é fã do Kamel,   nem de seus covers, se você acha que o senador Demóstenes fugiu das aulas de História e a sua interpretação da história da escravidão é conversa para boi dormir, se você acha que o DEMO hoje representa o grupo mais retrógrado da política brasileira, você está apto/a para avalidar o  abaixo-assinado em defesa do Decreto 4887/2003, que regula o direito territorial de comunidades remanescentes de quilombos.

Para dizer não ao Kamel, aos seus covers, ao DEMO, à Veja e a campanha insidiosa desta trupe contra os direitos dos povos indígenas, quilombolas e contra tudo que a sociedade brasileira acordou na Constituição de 1988, basta acessar aqui e assinar.

Vá lá, não deixe que a matilha saudosa da ditadura militar, arrivista por convicção e muito bem paga pra defender seus próprios interesses, os daqueles que a financia e o interesse dos seus patrões vença esta batalha. Eles têm as páginas da Veja, a tela da Globo, você tem a liberdade de pensar e agir em defesa dos direitos expressos na nossa Constituição.

2. Para que serve este abaixo-assinado?

Para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do decreto, pois em breve será julgada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), proposta em 2004 pelo antigo PFL, hoje DEM, questionando o seu conteúdo.

O DEMO adora uma ação de Inconstitucionalidade. Toda e qualquer política pública que de fato arranhe a desigualdade étnico-racial ou socioeconômica no Brasil, lá está o DEMO formando trincheira no STF para tentar barrar avanços sociais. Para o DEMO direitos sociais é algo  inconstitucional: praticamente todas  as políticas públicas, direitos territoriais, socioambientais, o combate à exclusão racial, as cotas, enfim, a lista é grande.

Mas na contenda com o DEMO, a Veja, Kamel e seus covers, o Maria Frô não está sozinho, veja quem também defende os interesses dos quilobolas e junte-se a nós.

*Professor Boaventura de Sousa Santos

“Diante das polêmicas relativas às demarcações de territórios quilombolas, imputando às comunidades negras inúmeras “falsidades” e aos antropólogos “oportunismo”, e pondo em questionamento as políticas públicas de reconhecimento de direitos constitucionais, às vésperas de julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os abaixo assinados vêm declarar o seguinte:

1. A Constituição de 1988 afirmou o compromisso com a diversidade étnico-cultural do país, com a preservação da memória e do patrimônio dos “diferentes grupos formadores da sociedade” e reconheceu a propriedade definitiva dos “remanescentes de comunidades de quilombos” às terras que ocupam.

2. Ao Estado competiria emitir os respectivos títulos relativamente a tais terras. Não se criavam condições constitucionais para efetivação de tal direito, exceto a opressão histórica advinda do processo de escravidão e a posse de tais terras.

3. A primeira regulamentação somente veio a ocorrer em 2001, quase treze anos pós-Constituição, exigindo, no entanto, a comprovação da ocupação desde 1888 para garantia do direito. Seria, em realidade, estabelecer condições mais rigorosas para a aquisição de propriedade definitiva que aquelas estabelecidas para usucapião. Quis, também, congelar o conceito de quilombo no regulamento de 1740, norma evidentemente repressiva do período colonial. Um evidente contrassenso e uma afronta ao reconhecimento de um direito constitucional. Não à toa o decreto não se manteve, por inconstitucionalidade flagrante.**

4. A nova regulamentação, agora atacada por ação de inconstitucionalidade, veio em 2003, tendo como parâmetros instrumentos internacionais de direitos humanos, que preveem, dentre outras coisas, a auto-definição das comunidades e a necessidade de respeito de suas condições de reprodução histórica, social e cultural e de seus modos de vida característicos num determinado lugar. Os antropólogos, portanto, não inventaram realidades: captaram uma realidade já existente, normatizada internacionalmente e com vistas a assegurar direitos fundamentais. Uma audiência pública para maiores esclarecimentos, tal como ocorreu nas ações afirmativas, células-tronco e anencefalia, seria importantíssima.

5. Ficou estabelecido, como forma de defesa da comunidade contra a especulação imobiliária e os interesses econômicos, que tais terras fossem de propriedade coletiva ( como sempre o tinham sido, historicamente) e inalienáveis. Esta condição de “terras fora de comércio”, aliada ao grau de preservação ambiental, é que explica, em parte, a cobiça de mineradoras, empresas de celulose e grandes empreendimentos.

6. Este longo processo de construção jurídica e sócio-antropológica é emblemático dos desafios postos pela Constituição de 1988: o combate ao racismo, a prevalência dos direitos humanos, o reconhecimento da diversidade sócio-cultural como valor fundante do “processo civilizatório nacional” e da própria unidade nacional, a função socioambiental da propriedade, com distintas formas de manejo sustentável dos territórios pelas variadas comunidades culturais existentes no país.

7. Uma inflexão na jurisprudência do STF de respeito ao pluralismo e aos direitos humanos pode implicar a revisão de políticas de reconhecimento com vistas a uma “sociedade livre, justa e solidária”, o acirramento da discriminação anti-negros e a conflagração de novos conflitos fundiários, num país com histórica concentração de terras em poucas mãos. Tudo a gerar descrédito das minorias no reconhecimento estatal e insegurança no próprio exercício de seus direitos fundamentais.

8. A Corte Interamericana vem reconhecendo a propriedade para as comunidades negras, tendo em vista a Convenção Americana, e a OIT entendeu-lhes aplicável a Convenção nº 169 e a importância da relação com as terras que ocupam ou utilizam para sua cultura e valores espirituais. O Brasil firmou os dois tratados, e a comunidade internacional espera que sejam cumpridos. O momento é, pois, de apreensão, vigilância e também de confiança de que o compromisso, constante da Constituição de 1988, de prevalência dos direitos humanos, seja reafirmado de forma veemente para estas comunidades, que vem sofrendo, historicamente, um grande processo de exclusão.”

*Boaventura de Sousa Santos: Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison Global Legal Scholar da Universidade de Warwick.

**Nota do Maria Frô: Caro, Boaventura, a regulamentação de 2001 foi feita pela turma do Demo que aprendeu história com o professor Demóstenes, nunca ouviram falar por exemplo em quilombo abolicionista.